SL Benfica: o melhor e o pior sítio para se ser avançado

Chegado aqui rapidamente perceberá (e por isso mais vale avisar) que esta é mais uma crónica que, sem o ser, se relaciona com um jogo das meias-finais da Taça da Liga. Neste caso, o Benfica-Estoril. Um jogo que nos demonstra padrões tácticos que têm continuidade com o que tem sido a época dos encarnados, mas também do Estoril. Padrões já deveras conhecidos e que, nestes dois textos sobre as meias-finais, decidi deixar, para já de parte, para centrar atenções em aspectos psicológicos que, no meu entender, condicionam as execuções. E o Benfica é um caso sui generis nesses aspectos. Caso que para ser explicado nos fará recorrer à ferramenta que o ser humano usa para mais escapar à realidade: a criação de expectativas. Assim, se tiver que ser brutalmente sincero, o Benfica (como a maioria dos clubes, atenção) raramente vive no presente, no agora. Os problemas do dia actual não lhe chegam e anda numa cruzada para se validar como merecedor do estatuto glorioso que quer sempre colado a si. A mente linear do Benfica vive em constante comparação entre a performance actual e a performance exigida – a tal da expectativa, a de um passado recente ou distante, ou a de um futuro que há-de estar para vir. De todas as maneiras, sejam comparações com o passado ou aspirações futuras, estas análises constantes entre o estado actual e o estado que deveria ser, criam um espaço onde se movimentam emoções extremas.

E nós sabemos o que o Benfica pode ser quando corresponde às expectativas. Sabemos da onda encarnada que se cria quando a equipa corresponde e os adeptos apanham, momentaneamente, a cenoura que andam a perseguir desde que se tornaram adeptos do gigante clube da Luz. E aí, é o melhor momento para se ser avançado no Benfica. Sendo que a criação de oportunidades num grande é sempre em número considerável (ainda ontem, quarta-feira, num jogo que acabou com um resultado desfavorável, o Benfica criou imensas), quando a positividade impera, a bola parece que tem íman em direção aos cordames. Se olharmos para a performance de Cardozo, de Lima, de Mitroglou, de Jiménez (mais vezes vindo do banco para facturar), de Jonas, de João Félix e de Gonçalo Ramos, nunca duvidaremos da sua qualidade, mas rapidamente os associaremos a momentos onde essa onda esteve também presente. Mas como tudo em futebol (e na vida) está sujeito à dualidade, a outra face da moeda castiga avançados como Raúl de Tomás, como Darwin (que num período positivo do Benfica teria facturado muito mais), e como agora Arthur Cabral, Musa e Tengsted. Bem sei que a avaliação fácil é comparar a qualidade dos que triunfaram com a dos que falharam. Mas para fazermos uma análise honesta, teremos de perceber que o rendimento desses, mencionados acima, que triunfaram, não foi fora da Luz, o mesmo alto rendimento que tiveram no Benfica – pelo menos com a mesma regularidade e qualidade.

Não reduzirei então tudo a qualidade, embora me pareça que há diferenças dessa ordem entre os jogadores que triunfaram e os que falharam. Porém, o que tento trazer à discussão é o tema de que o momento das equipas afeta o rendimento, a decisão e a execução. E mesmo que isto pareça não ter nada de novo, não se conhece outra solução se não a de substituir gente que não rende por gente que (com três avé-marias) passe a facturar. Parecia ser o caso do jovem Marcos Leonardo, ao qual ninguém negará as qualidades. Na movimentação, no segurar, no entregar, a mobilidade do jovem do Vila Belmiro emprestará certamente coisas parecidas com aquelas que vimos a Gonçalo Ramos. Contudo, depois de duas aparições altamente eficazes, também ele não foi capaz de manter a bitola, falhando uma situação de golo iminente e um penálti no desempate que deu a vitória ao Estoril.

Mas Marcos Leonardo ainda tem capital. Arthur, outro avançado com qualidade, também tem acusado excessivamente o peso (no pun intended) da responsabilidade. E Musa, entre acertos e falhanços, demora ainda a ganhar capital suficiente. Sobra ainda Tengstedt neste atirar de avançados lá para dentro, que mais não faz do que provar que a auto-estima de um jogador é sempre relativa (e este é todo o ponto do texto). Sempre relativa a algo e nunca incondicional. Isto porque há expectativas a materializar e, assim sendo, a auto-estima de um avançado estará sempre intimamente ligado à efectifidade, eficiência e eficácia da sua performance. Mas, mais ainda, essa auto-estima está também directamente conectada ao momento do clube e à comparação constante entre o que deve ser e o que tem sido. E se bem que isto é um processo normal, o que me parece exagerado, e altamente condicionante, são as reações que se geram no Benfica quando a expectativa não é cumprida. Já o disse acima, o Benfica é um clube que vive de emoções extremamente voláteis causadas por ter uma bitola extremamente alta para a realidade actual. E por isso parece-me válido relacionar essas emoções extremamente voláteis com o desempenho de equipas que, sem surpresa, são também extremamente voláteis na sua performance. Parece-me por isso haver relação com as reações dos adeptos, dos dirigentes, dos treinadores e dos jogadores, e a performance que oscila rapidamente entre o que é considerado brilhante e o que é considerado medíocre.


É por isso imperativo que a auto-estima esteja assente em mais do que essa volatilidade. Para a performance estabilizar, o Benfica, como todo, terá que estar muito mais preocupado com o dia de hoje, do que com o que foi antes e o que terá de ser (obrigatoriamente e com muita força na mente de alguns) amanhã. E para isso, lá está, a auto-estima terá que ser incondicional, pase lo que pase. Contudo aqui, informo desde já, esse não é um desiderato fácil, porque não é factual para a enorme maioria das pessoas que possa haver auto-estima sem essa estar relacionada com algo. Só o ser, só o estar, não chega para a mente que tem, necessariamente, que fazer algo para não duvidar de si própria. Tem de estar em algum caminho, em algum projecto, em alguma carreira. Contudo, o que proponho não é que passemos o resto da vida a meditar numa gruta ou num mosteiro. O que proponho é que o que fazemos não esteja afectado por emoções negativas que condicionam a performance. E para essas emoções negativas desaparecerem, na maioria das vezes, temos de reformular expectativas. Sendo que a verdadeira questão é: está o Benfica preparado para reformular expectativas?

É que vender o sonho de uma grandeza maior do que a dos outros todos juntos não tem feito nenhum favor ao Benfica para ganhar mais campeonatos do que os outros todos juntos. Aqui, se ao lerem isto sentirem uma reação, façam o favor de a analisar. Sentem que o Benfica deveria ser isso mesmo, maior que todos os outros? Sentem que em 10 campeonatos, algo aceitável para o Benfica seria ganhar oito? ou passam imediatamente para o outro lado da barricada, caindo em depressão por o Benfica não conseguir, na maioria das épocas, materializar essa expectativa na Europa e em Portugal? O que proponho é olhar-se para essa expectativa e para a forma que, tal como no Manchester United pós Sir Alex, está a condicionar a performance. Guardar a imagem na mente que o Benfica tem de ser, imperativamente, um colosso europeu com reduzida oposição, não deixa respirar jogadores que só mostram ainda margem para render (potencial). Por mais que haja momentos onde essa expectativa parece que se vai concretizar (como na época passada) a verdade, a nua e crua verdade, diz-nos que a diferença (se é que existe) para os rivais não é assim tanta e, possivelmente, não terá de ser. Pelo menos a forçar-se que o seja. Porque a perigosidade do Benfica para os adversários é a de quando não está dividido entre o que é e o que deveria ser. E por mais que oiça muitas juras de amor ao clube, há sempre alguma condicionante, alguma divisão que os faz parar o rio, a onda. Ama-se o Benfica que poderia ser, e não o de um dia-a-dia normal onde, como todos os outros clubes, tem de ser realista, olhar para o que está menos bem e melhorá-lo. Mas isto sem carradas de nervos, sem acusações, sem garrafas atiradas ao treinador, mas sim de maneira neutra, racional e humana – sendo que humana é tendo em conta o falível, em relação a alguma expectativa, que todos nós somos. E isto seria só o princípio. É que a vida de um clube não é tão glamourosa como quem não trabalha nele acredita que é. É um processo que não envolve uma equipa sentada num trono onde é inquestionável. Tudo em futebol é questionável, tudo é efémero, tudo está em constante mudança. Tudo menos expectativas irreais que condicionam todo e qualquer jogador – para o muito positivo e… para o muito negativo. E o Benfica, por mais estatuto que tenha, não pode fugir a estas questões – sem perder a ambição mas perseguindo-a sem medo de não ser o que deseja ser. É que entre o que somos e o que desejamos ser há um espaço. E se há um espaço, parece-me lógico dizer que se há esse gap então não somos o que queremos ser. Poderemos vir a ser um dia, quem sabe. Mas não será mais construtivo aceitarmos já o que somos, estarmos de bem com isso e tentar melhorar dia-a-dia, aceitando o processo e vendo onde se pode chegar com ambição, com aceitação, mas sem medo? Talvez Marcos Leonardo tivesse falhado na mesma a oportunidade no final do jogo, mas talvez não tivesse falhado a seguir o penálti. Ou então falharia as duas, aceitaria, continuaria a trabalhar e faria uso da equipa para marcar a dobrar no jogo seguinte. Quem sabe seria assim, não sabemos. O que sabemos é o resultado oscilante que tem sido o normal modo de pensar do Benfica e seus adeptos.

4 Comentários

  1. Laudrup,
    Mais um bom post!
    Mas a meu ver as questões deste Benfica, parecem-me as seguintes:

    A questão de fundo é a maior capacidade de investimento / melhores condições de trabalho que a concorrência. Por esta via, alimenta-se a tal exigência de desempenho e de títulos, mas que carece de mapeamento com o que se vê acontecer em campo.

    Já lá vão meses suficientes esta época para que o treinador tivesse estabilizado algumas ideias e transferido as mesmas para o campo, mas não há equilíbrio entre setores, o meio campo projeta-se de forma desequilibrada, vive-se do voluntarismo do João Neves que aparece em todo o lado mas não há meio campo posicional e os buracos são uma constante, a equipa parte com facilidade e não sabe jogar todos os momentos do jogo.
    Os números dizem que o Benfica sofre poucos golos mas ver os jogos diz que a equipa é desequilibrada.
    Na verdade não percebo o que o Schmidt pede aos jogadores e tenho até dúvidas que treine no sentido de procurar pressionar garantindo coberturas e que as várias peças saibam como reagir em função do que vai ocorrendo na aleatoriadade do jogo. Parece tudo muito casuístico, muito fruto de apetites de cada um e não de uma lógica pensada e treinada.
    O próprio João Neves corre o risco de ter neste período uma etapa (de)formação, dado que aparece em todo o lado a todo o momento a apagar fogos, aparentemente por impulso e voluntarismo não parecendo haver uma lógica condutora, um modelo trabalhado em detalhe.

    O jogo é caótico, já sabemos, mas este Benfica parece caótico por falta de ideias mais claras do seu treinador.

    • Boa análise, GV.

      O estranho é que no ano passado parecia tudo o contrário, com a equipa a cobrir constantemente a bola e a garantir muita segurança à linha defensiva. Muito conpactos a defender e a atacar com aquele passe desbloqueador que deixava os avançados de frente para a linha defensiva adversária, como catalisador daquela jogada tipo que rendeu imensos golos. Coisas que não acontecem este ano mas, mesmo com um jogo diferente, o Benfica tem conseguido manter-se na luta. Conseguiu também reforçar-se com qualidade e pode fazer uso da pontuação consrguida para garantir maior qualidade de jogo.

      Um forte abraço e muito obrigado pelas leituras (peço desculpa pela demora na resposta)

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