Ordem e Progresso

De todos os temas que em futebol geram discussão, só o golo, sendo esse marcado de forma legal, sai fora da subjectividade. Em milhentas discussões sobre o jogo, ouvimos, na maioria delas, que o que interessa é o resultado (sendo ele fabricado pelos, lá está, golos). Mas dirá, com razão, o seguidor mais avisado e consciente que para se chegar aos golos será preciso uma forma, um método. E é nessa perseguição pelo golo que surgiram diversas formas de abordar uma partida de futebol. E hoje, sabemos, as discussões surgem sempre sobre campos opostos, como o afamado duelo entre posse v transição. Felizmente, a consciência tem vindo a subir e já há imensos amantes de futebol que deixaram de ver as coisas tão a preto e branco, estando mais conectados a método específico para momento específico. E, ainda bem, porque se calhar andamos a discutir futebol de forma pouco objectiva. Talvez para se avaliar a maneira mais eficaz de chegar ao golo se devesse esquecer as polaridades e olharmos para a forma como as equipas progridem. Porque de uma coisa estaremos certamente de acordo: sem alguma forma de progressão não haverá golos.

Obviamente, não ter percebido que Moutinho oferecia condições para progressão e deixar o Sporting exposto, não foi o maior erro de Victor Gómez no lance do 1-0 (Trincão 8′). O passe mal decidido e medido para o centro da defesa foi a principal causa. Mas ainda assim, serve o lance para ilustrar algo que se foi passando ao longo do jogo, onde os jogadores do SC Braga passaram ao lado de muitas oportunidades para progredir, ao passo que o Sporting foi sempre lesto, célere e avisado para criar e aproveitar essas as suas [oportunidades para progredir]. Repare-se que Gómez está orientado para receber em segurança e o próprio Moutinho não parece aperceber-se de que haveria essa oportunidade – o que não é um erro crasso, repita-se, mas sim a tal falta de intenção para progredir.


Tudo isto para chegar a um Sporting-Braga onde as duas equipas tiveram imensos momentos em organização ofensiva. Hoje, como dito acima, a maioria dos treinadores deixou de se especializar em só um ou dois momentos do jogo e a maioria das equipas consegue agora privilegiar, em vários períodos dos jogos, a organização ofensiva. O futebol não é, assim, um jogo de posse v transição, é um jogo entre quem escolhe a forma mais eficaz para o que jogo pede nesse espaço temporal (uff!). Mas, dizia eu que tanto Braga como Sporting tiveram demasiados momentos de posse, de organização ofensiva. E, para simplificar de vez, ganhou (por 5 bolas a zero) a equipa que encontrou a melhor maneira de progredir. É que fossem curtas (as posses), ou fossem mais trabalhadas, a equipa de Rúben Amorim deu um verdadeiro festival de progressão – enquanto a de Artur Jorge teve sempre imensas dificuldades em progredir, mesmo com as inúmeras saídas de bola que teve ao dispôr.

Marcações do Braga abriram caminho aos centrais do Sporting para eles próprios carregarem a bola e a responsabilidade da progressão. Aqui, Quaresma a mostrar uma prioridade que também Coates e Inácio não descuraram quando tiveram a oportunidade. Mas não só os centrais. Também todos os envolvidos perceberam rapidamente a prioridade, sendo que Trincão e Pote nunca travaram um lance que tinha um só destino: a baliza.

E mais poderíamos elaborar mas pensamos que os vídeos (acima e abaixo) serão a melhor explicação para se encontrar as diferenças. Contudo, o que não esqueceremos também, e faremos questão de adicionar a esta conversa, é que as explicações sobre passes certos e passes errados quase não se aplicam quando algum jogador do Sporting tenta encontrar Victor Gyökeres. É que, neste esplendoroso momento de forma, endossar a bola ao sueco é (quase) sempre um passe certo. Vá mais curto, vá mais longo, mais tenso ou menos tenso, Gyo encontrará forma de transformar qualquer que seja o passe numa situação de perigo. E isso (não só isso, obviamente) fez o Sporting catapultar de nível. Mas que não sirva esta adição para menosprezar o fantástico trabalho de um Rúben que ninguém diz que é de posse, que é de transição, de futebol-sexy ou de pragmatismo. E ninguém o define porque o seu Sporting é um leão de todas as maneiras, super competente em todos os momentos e que com bola trabalha para progredir, e sem ela para impedir a progressão do adversário. E para isso encontrará várias formas, sendo que com bola (como contra o Braga) poderá fazer uso dos centrais para progredir (ou cavalgar! alô Quaresma! o primo Ricardo deve estar orgulhoso) poderá, dizia, fazer uso dos centrais para contornar marcações homem-a-homem, ou para encontrar o espaço para essa mesma progressão. Poderão ser os centrais, poderão ser os médios, os alas (e até os avançados quando recuam para receber), mas todos os jogadores do Sporting têm o radar da progressão na cabeça. E isso ficou evidente quando as posses do Sporting (longas ou curtas, conforme fosse preciso para progredir) chegavam à área criando condições e situações de golo. Já as do SC Braga primaram muito mais pela falta desse objectivo e de correr esse risco, redundando em horizontalidade e recuos excessivos e desnecessários que deixaram sempre o Sporting organizar-se, recuperar, e aproveitar para depois progredir (em transição ou em organização).

Sporting sem especular muito, apenas fazendo uso da temporização para atrair os avançados do Braga, sendo que a ordem era a de procurar o espaço. Centrais com papel determinante e lição bem estudada, mas também com a coragem necessária para correr riscos – algo em que o Braga foi bastante mais conservador, o que lhe custou as chegadas à área com o Sporting mais exposto (algo que não aconteceu pela tal opção mais conservadora e horizontal).

A abordagem do SC Braga também contemplava, obviamente, a progressão. Contudo, encontrou-se um padrão sempre que a bola entrava entre-linhas: poucas vezes se tirava real partido dessa posição, sendo que o jogador que recebia acabava inevitavelmente por rodar e atrasar. Um padrão que deixava o Sporting organizar-se e complicava a chegada ao último terço – onde o Braga só chegou com algum perigo na 2ª metade.

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