Tempos de prática, especialização precoce e o foco nos processos colectivos em idades precoces.

Há não muito partilhei neste espaço a apresentação da formação interna que decorreu no clube.
Muita da preocupação dos treinadores de jovens da actualidade deve estar centrada nos tempos de prática dos nossos miúdos. E por tempo de prática, penso sobretudo no tempo de empenhamento motor e não na duração total da unidade de treino! O tempo em que o atleta passa efectivamente na tarefa. De nada serve inventar exercícios mirabolantes quando depois de espremido os miúdos estão mais tempo em espera, ou quando em actividade, a realizar gestos que em nada se assemelham ao jogo.
Na procura de organizações colectivas especializadissimas em idades muito precoces, onde quem brilha é o treinador, está um dos maiores erros da actualidade. Todos queremos ser o Mourinho. Porém, quem trabalha com camadas jovens tem de perceber que o foco tem de estar no potenciar da individualidade e não do colectivo. Nesse sentido, a qualidade técnica associada à tomada de decisão terá de ser sempre uma prioridade. Portanto, não importa que os miúdos sejam extraordinários na ocupação do espaço se depois não lhes damos tempo com bola para se desenvolverem. Não importa ganhar jogos de Benjamins, Infantis e Iniciados pela organização, não “espremendo” as individualidades ao máximo para que possam atingir todo o seu potencial.

Na dita formação este foi o exercício apresentado e discutido.
E estas as conclusões, segundo os critérios que mais valorizo na construção de um qualquer exercício / jogo:
– Tempo de empenhamento motor: A cada 56” cada atleta soma 7” de prática. Em dez minutos de exercício cada atleta terá feito cerca de dez remates. Em que sentido podemos afirmar que fazer isto é melhor que deixar o miúdo sozinho na sua rua a chutar à parede? Ai, em 10 minutos teria somado cerca de 100 remates. E é na repetição e tempo de prática que está a chave de tudo!;
– Não tem oposição! Desenquadrado do jogo. Pouco estímulo para haver adaptações;
– Objectivo apenas técnico (remate / passe / recepção);
– Não junta momentos de jogo (organização / transição);
– Tem sistema de pontuação! (Único ponto positivo)!.
Pensar e operacionalizar exercícios desta natureza, dar tareias físicas quando se poderia estar a jogar futebol, ou tareias “tácticas – teóricas” são o maior flagelo na formação de jogadores em Portugal. Os miúdos já não jogam na rua. Pouco jogam na escola, e chegam ao clube e continuam sem jogar. Em que sentido é correcto afirmar que ter treinador, quando este os submete a este tipo de organização de treino é melhor do que não ter? Sem treinador os miúdos por si próprios dividiriam-se e jogariam futebol. Aumentariam o tempo de prática e logo ai já seria tempo despendido de forma mais interessante. 
Duma realidade diferente da nossa (Alemanha) chega um estudo interessante 

National Team differed from amateurs in more non-organised leisure football in childhood, more engagement in other sports in adolescence, later specialisation, and in more organised football only at age 22+ years. Relative to numerous other studies, these players performed less organised practice, particularly less physical conditioning, but greater proportions of playing activities. The findings are discussed relative to the significance of playing forms and variable involvements and are reflected against the deliberate practice and Developmental Model of Sport Participation (DMSP) frameworks.”
Quando vir o seu filho de nove, dez, onze, doze ou treze anos entregue a uma equipa técnica toda metódica com exercícios todos demasiado elaborados, desconfie. É dos que ocupam o treino a jogar (2×2, 3×3, 4×4, 5×5 etc etc) que eles gostam mais. Tão mais que chega a ser preferível ficar na rua com os amigos que ir para um treino tão elaborado, mas que “espremido dá 10 ou 15 minutos de prática”.

PS – Obrigado ao João Marinho pela partilha do estudo.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

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