Tomada de decisão. Esse mistério que determina quem vence mais.

Cada vez mais é aceite a importância da tomada de decisão, mesmo entre os adeptos da modalidade.
Todavia, aquele que é o traço mais importante do jogo na actualidade continua a ser de muito difícil compreensão. Naturalmente, até porque se fosse fácil surgiria como algo natural aos próprios atletas. E a verdade é que se uma percentagem avassaladora de jogadores não sabe sequer tomar uma boa decisão de forma consciente, dificilmente se pode esperar a sua compreensão da parte de quem nunca sequer pisou a relva. 
Mesmo entre quem já aceita com naturalidade a importância da tomada de decisão, o desconhecimento é profundo. Não se faz a mínima noção do que é uma boa ou má decisão no campo de jogo, pelo que qualquer discussão sobre uma qualquer decisão de qualquer jogador se torna enviesada. 
Páginas tantas no Posse de Bola, surgiu a sugestão de que determinado jogador, no caso Ola John, apenas tinha tomado boas decisões em determinado jogo porque enfrentava adversários de fraca qualidade.
Afirmação só possível perante um total desconhecimento do que é o jogo e sobretudo a tomada de decisão. Ao contrário do que provavelmente muitos pensarão, a tomada de decisão não tem qualquer relação com sistemas tácticos, modelos de jogo, ou nomes dos adversários. Quando um jogador toma uma decisão, apenas uma coisa importa. A situação de jogo em que está envolvido. Isto é, quantos contra quantos, local e condição (enquadrado?) onde tem a bola e posicionamento dos jogadores presentes na situação. 
Tende-se a confundir uma boa tomada de decisão com uma consequência positiva e uma má tomada de decisão com uma consequência negativa. Quando não estão directamente ligadas. Uma boa decisão faz aumentar as probabilidades de sucesso da equipa, mas pode em determinado momento, por uma má execução ter uma consequência negativa. Se com um colega preparado para se isolar decidir driblar cinco adversários e for bem sucedido e terminar com um golo fantástico, tal não significa que eu decidi bem. 
Demasiadas vezes a boa tomada de decisão, sobretudo em fases como a da construção e criação, chega até a afastar o jogador da notoriedade, porque este está apenas preocupado com o proporcionar à sua equipa uma boa situação de jogo (com menos oposição e bola mais enquadrada com a baliza). É, por exemplo o caso do post anterior. Um extremo que a um toque coloca um colega de frente apenas para a defensiva adversárias e bem enquadrado no corredor central. O passe de Ola John para Djuricic poderia ter saído mal, mas a decisão teria sido óptima. Já se tomasse a liberdade de arrancar pela linha e tirar um cruzamento, mesmo que tivesse dado golo, teria sido uma má decisão, porque as probabilidades de chegar ao golo dessa forma são incrivelmente mais reduzidas do que fazendo a bola chegar a um colega enquadrado no corredor central só com a linha defensiva adversária à sua frente.
Quando se fala em tomada de decisão, o nome do adversário conta zero. A menos que o adversário não seja um profissional do futebol… 
O video apresentado no Posse de Bola contém uma serie de excelentes tomadas de decisão do holandês. Pensar que Ola John coloca a bola no corredor central num colega que fica enquadrado e com menos opositores atrás da linha da bola porque o adversário directo era o Planas é um absurdo. Então se fosse o Danilo, partiria para o 1×1? Muito pelo contrário. Adversários mais fracos até poderiam encorajar a uma pior tomada de decisão por se confiar que ainda assim haveria possibilidades de sucesso.
A boa tomada de decisão não depende sequer da dificuldade do jogo. O jogo pode ser extraordinariamente difícil e o nível de boas decisões mantém-se elevado, independentemente disso. Apenas, terá situações mais complicadas para resolver. Num jogo de extrema dificuldade, se calhar não foi possível enquadrar as 10 vezes que se recebeu, então entregou-se a bola novamente no lateral em todas essas vezes. A tomada de decisão continua elevadíssima. Fez sempre o que devia fazer. Não teve, porque o jogo foi de maior dificuldade, foi situações para resolver mais próximas da baliza adversária. Esteve, portanto, sempre longe da notoriedade. Mas isto porque o jogo não lhe permitiu mais.
É demasiado estranho como nos dias que correm ainda há quem creia que o segredo do futebol esteja no “Keep it Simple”. Sobretudo se pensarmos que o futebol britânico tão apologista do lema morreu há muitas décadas atrás. Há muito que este jogo para ser bem jogado, envolve uma complexidade bem elevada. Daí o emergir dos criativos que decidem bem. Daí a supremacia espanhola. Dos baixinhos que conduzem, fixam, soltam. Que atacam adversários directos somente para atrair, que procuram passes entre linhas para permitir situações com menos oposição, que jogam com bola no chão e de olhos no meio do campo.
Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

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