Convicção vs Teimosia

Após a derrota frente ao Everton por 0-4, Pep Guardiola deixou escapar que por agora o desafio de chegar ao título inglês nesta primeira época se encontra bastante complicado. Nunca saberemos se esta afirmação é genuína ou bluff no sentido de retirar alguma pressão que possa existir face à incapacidade da equipa dos citizens simultaneamente colocar em prática o seu jogo e conseguir bons resultados.

Mas o aspecto mais interessante da situação por que passa o técnico catalão é perceber e analisar se a sua insistência no seu modo de colocar as equipas a jogar é de uma convicção que deve ser de louvar ou por outro lado, se estamos a falar da incapacidade do catalão neste momento não conseguir ou não querer aceitar que a sua filosofia de jogo não é eficiente considerando o contexto onde a sua equipa se encontra actualmente.

Os treinadores sabem da importância de “Tu tens de ser tu próprio.” É algo que se tem de falar às equipas, de ser e usar a personalidade genuína e os valores para atingir a equipa. Alguns treinadores ainda duvidam no investimento que devem realizar na sua filosofia e na narrativa da mesma, até porque muitos dos aspectos de ser treinador e do treino dependem das crenças pessoais e é a narrativa da sua história que permite a aproximação de opiniões, experiências, valores e crenças. Diminuir as barreiras existentes na relação entre o treinador e o atleta. E aqui Pep é top. A questão não é duvidar das suas competências e habilidades narrativas, das suas ideias para o jogo ou futebol.

A questão aqui é analisar se neste momento e face à incapacidade do City conseguir alinhar às posses de bola sempre elevadas golos e vitórias. O treinador normalmente suporta o seu conhecimento e experiência com a habilidade para articular de modo coerente as suas ideias e contextualizar de modo holístico a prática de ser treinador. O treinador por norma expõe-se e isso traz um risco, sendo que a relação de cada treinador com a sua identidade pode proporcionar tensão e ansiedade ou entusiasmo e auto-reflexão. A sua interação com os outros é marcada por uma intensidade emocional que é fundamental para criar a ligação com a equipa.

Pep é isto tudo. Já foi mais emocional e com menos preocupações de demonstrar a sua essência. Um visionário corre sempre este risco, quando a sua visão, a sua crença e convicção não correspondem a resultados ou aos objetivos que se pretendem. Aqui pode existir um risco dos seus ‘seguidores’ duvidarem e deixarem de acreditar em tudo. Porque uma visão não é vendida e comprada por partes. É todo um pacote onde se encaixam valores, métodos, defesas de ideias e modos de estar. Aqui os ‘compradores’ são os seus jogadores. Começarem a perguntar-se porque trocam tantas vezes a bola e no fim, a equipa adversária com metade da posse de bola e com metade das oportunidades, faz mais golos.

Não duvido que Guardiola consiga triunfar. Possivelmente terá de existir um processo win-win. Vai ter que ceder um pouco e perceber como se pode adaptar sem nunca perder a sua essência em que acredita. É um processo de liderança interessante de acompanhar e daqui a uns tempos cá estaremos para analisar novamente o que fez. Mas neste momento já não basta o que irá realizar. O quando…e como são deveras fundamentais. O tempo corre e sabendo que amanhã o sol continuará a nascer, há processos que se vão enraizando na mente dos jogadores: uns bons outros nem tanto.

Sobre Rui Lança 2 artigos
Coach de equipas e de alguns treinadores, professor universitário, escritor e vai partilhando ideias nas áreas da liderança, equipas, coaching e autonomia. Licenciado e Mestre na FMH, a terminar o doutoramento em liderança no ISCSP. Autor do 'Coach to Coach', 'Guardiola vs Mourinho, mais do que treinadores', 'Como formar equipas de elevado desempenho' e 'Reservado'.

6 Comentários

  1. Também acredito que irá triunfar. Mas o caminho percorrido pelo próprio Guardiola tem sido algo sinuoso. Diria até dúbio, em alguns momentos.

    Falando do ponto de vista futebolístico (dentro de campo), a equipa mudou bastante em termos de comportamentos técnico-tácticos. Se inicialmente se apresentou sempre em 1x4x1x4x1 (numa estrutura muito próxima daquela que implementou em Munique), após os primeiros desaires Guardiola começou a fazer pequenas nuances que acabaram por descaracterizar o jogo da equipa.

    Acredito que àquele nível as equipas podem e devem saber operacionalizar o seu Modelo de Jogo em mais do que um sistema táctico, mas também que acredito que os jogadores perceberam que as mudanças tácticas surgiram mais como resposta imediata e reflexiva dos desaires obtidos do que como algo previamente ponderado e estabelecido para o crescimento técnico-táctico da equipa. Ou seja, depois de um início arrebatador, construído com base numa mensagem que assente nas crenças e ideias de Pep, se os jogadores percebem que a mudança não é algo de natural…

    Posso estar completamente enganado, mas penso que foi aí que Guardiola começou a perder o controlo da “sua” situação. E foi ai que terá começado a questionar-se ainda mais do que o habitual (já li e ouvi entrevistas em que ele próprio assume que se coloca constantemente em causa de maneira a não estagnar e evoluir). Algo que não terá passado despercebido aos seus jogadores.

    Se o Treinador já não consegue ser tão seguro de si e das suas ideias, se os jogadores começam a perceber essa insegurança, se os resultados (com maior ou menor relação directa a estes factos) começam a ser negativos, se todos começam a questionar se Pep é, afinal, o homem certo para levar o City ao patamar da hegemonia…Não é um cenário dantesco, mas é quase…

    Para terminar:há uma imagem de Guardiola, segundos após o segundo golo do Everton, que me leva a crer que ele está realmente “perdido” nas suas próprias ideias…

    Abraço

  2. (Correcção)

    Também acredito que irá triunfar. Mas o caminho percorrido pelo próprio Guardiola tem sido algo sinuoso. Diria até dúbio, em alguns momentos.

    Falando do ponto de vista futebolístico (dentro de campo), a equipa mudou bastante em termos de comportamentos técnico-tácticos. Se inicialmente se apresentou sempre em 1x4x1x4x1 (numa estrutura muito próxima daquela que implementou em Munique), após os primeiros desaires Guardiola começou a fazer pequenas nuances que acabaram por descaracterizar o jogo da equipa.

    Acredito que àquele nível as equipas podem e devem saber operacionalizar o seu Modelo de Jogo em mais do que um sistema táctico, mas também que acredito que os jogadores perceberam que as mudanças tácticas surgiram mais como resposta imediata e reflexiva dos desaires obtidos do que como algo previamente ponderado e estabelecido para o crescimento técnico-táctico da equipa. Ou seja, depois de um início arrebatador, construído com base numa mensagem assente nas crenças e ideias de Pep, se os jogadores percebem que a mudança não é algo de natural…

    Posso estar completamente enganado, mas penso que foi aí que Guardiola começou a perder o controlo da “sua” situação. E foi ai que terá começado a questionar-se ainda mais do que o habitual (já li e ouvi entrevistas em que ele próprio assume que se coloca constantemente em causa de maneira a não estagnar e evoluir). Algo que não terá passado despercebido aos seus jogadores.

    Se o Treinador já não consegue ser tão seguro de si e das suas ideias, se os jogadores começam a perceber essa insegurança, se os resultados (com maior ou menor relação directa a estes factos) começam a ser negativos, se todos começam a questionar se Pep é, afinal, o homem certo para levar o City ao patamar da hegemonia…Não é um cenário dantesco, mas é quase…

    Para terminar: há uma imagem de Guardiola, segundos após o segundo golo do Everton, que me leva a crer que ele está realmente “perdido” nas suas próprias ideias…

    Abraço

  3. Não sei até que ponto é Pep que está errado. Mas Pep também está errado! O que me parece faltar a Pep é a flexibilidade de se adaptar ao que tem e não ao que queria ter.

    Ontem, ao ver o jogo, um dos comentadores dizia que “Pep tem de perceber o que é o futebol inglês”, como se o futebol de Pep, ao ser o paradigma anti-inglês, fosse errado por princípio.

    O que me pareceu ontem e por motivos vários foi a primeira vez que vi o City de Pep, é que a matéria prima não é a melhor. Os golos do Everton são um chorrilho de infelicidades e erros individuais que mete medo. A começar pela baliza, onde podemos dizer que Bravo não tem culpas, mas entre Ederson e Rui Patrício, desconfio que pelo menos 2 golos se tinham evitado. Depois podemos falar de infortúnio, por exemplos os ressaltos nos golos pares. E depois podemos falar de como os jogadores se posicionam e se movimentam focando-se demais no imediato e esquecendo o que vem depois. Veja-se Otamendi no lance do primeiro golo, ou como toda a defesa cai em cima do portador no terceiro, deixando que um jogador no chão se levante e finalize nas calmas.

    No que toca ao “não marcar” aí podemos debater os méritos ou as virtudes de Pep. Viu-se, nomeadamente no decorrer da segunda parte, pouca determinação dos jogadores ou mesmo um fio de jogo que permitisse furar a barreira do Everton. Só que podemos sempre falar do aspecto psicológico de levar com o segundo golo menos de dois minutos depois do intervalo num jogo em que o adversário pouco ou nada fez para justificar tão dilatada vantagem.

  4. É difícil de prever se vai triunfar, se vai ter sucesso desportivo ou se vai ser pela primeira vez despedido. Pep Guardiola está numa situação estranha ao próprio, nunca teve que defrontar estas dificuldades, de certo modo, foi esta vivência que estava à procura e acabou por encontrar, tem duas soluções viáveis: inova, evolui e cria novos problemas; estagna, decresce e agrava os problemas.

    O meu prognóstico é que vai inovar, evoluir e no longo termo, vamos estar a falar de novos problemas. Será necessário alguma humildade na mensagem e vai ser necessário sobretudo novos protagonistas. Pep Guardiola precisa de voltar às suas raízes, este Manchester City é uma equipa desconfigurada, tanto na reacção à perda da bola, como na organização ofensiva. Uma equipa ansiosa, que quer fazer tudo rápido e bem, acabando por perder a noção do jogo. Há também falhas na comunicação, ao nível do treino, os jogadores estão a interpretar mal as suas ideias, a sua identidade de jogo, é preciso mudar / inovar nos treinos, novas formas de ensinar e passar a mensagem, para produzir resultados diferentes.

    O plantel do Manchester City é muito bom, mas para jogar da forma que Pep Guardiola defende e idealiza, é curto e desajustado. Um modelo de jogo exigente, que depois de bem operacionalizado, tudo se torna mais eficiente e mais eficaz. Falta-lhes inteligência em campo, apenas De Bruyne, David Silva e a espaços o Stones, é muito curto para uma equipa que quer ser campeã. Vai ser difícil ter tempo para operacionar tudo como deseja, é uma corrida contra o tempo, estou certo que com 4/5 atletas novos, a equipa pode mudar de comportamentos e começar a ser muito mais consistente e regular.

    Já agora, um assistente para trabalhar os lances de bola parada. Má organização, má abordagem aos mesmos e demasiados golos consentidos desta forma.

    P.S. Sempre que via o Sagna meter bolas na área, com tão poucos para atacar, sentia a depressão do Pep Guardiola.

    • Sagna horrível mesmo. Não sei se o Kolarov é pior, se não pode jogar ou lá o que é, mas concordo, bola no Sagna era bola perdida!

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