Em 2000 assistimos ao primeiro “Big Brother” em Portugal, um produto da Endemol que chegou às nossas casas pela TVI. As audiências do formato foram esmagadoras, e Portugal em peso votou para eleger os seus favoritos.
Não admira pois que o vencedor do programa tenha sido a figura mais fraca, mais desamparada e mais débil de entre todos os concorrentes.
Não que não se deva ou possa apoiar, ou ajudar os mais necessitados. Na verdade não é isso que me faz confusão, mas antes o fazer-se o oposto. Adoramos os “coitadinhos”, mas torcemos o nariz e colocamos barreiras à frente dos que são competentes. Aos que são capazes de fazer, aos que triunfam por si. Talvez por uma inveja própria de sabermos que não estamos à altura dos que são realmente bons, e um qualquer medo de sermos ultrapassados. Então, há que os desvalorizar.
Embora as pessoas que gravitam à volta do futebol, emitindo opiniões, se estejam a esforçar para entender o jogo, e as diferenças para aquilo que se percebia deste há uma década atrás, seja bastante significativa, continuamos a ser um país que regra geral pouco ou nada percebe do jogo de futebol e das suas dinâmicas.
Foi sempre por saber da sua imensa competência, e por saber também, que quem comenta futebol nunca o iria perceber, que Jorge Jesus se caracterizou sempre por se “colocar em bicos de pés”. Como as pessoas não percebiam do jogo, o agora treinador leonino sempre se vangloriou. Sabia a diferença que fazia, e não sentia que lhe fizessem justiça. Recordo derrotas na Luz e com o Real Madrid ao serviço do Belenenses que o levaram a falar no “banho táctico” que deu nos adversários. Não lhe ficou bem, e deveria ser outrem a mencionar o que de facto era verdade. O problema é que como em Portugal quem falava do jogo ou não o entendia ou preferia falar de árbitros e sistemas, se Jorge Jesus não verbalizasse a qualidade do seu próprio trabalho, este passaria sempre sem ser reconhecido. Por isso tardou vinte anos a chegar a um grande. Ele que depois de lá chegado se tornou no maior influenciador táctico da Liga.
Abel chegou à equipa principal do Braga e três dias depois venceu em Alvalade. Não o teria feito sem o excelente trabalho do seu antecessor, que já tinha um modelo de jogo bem trabalhado. Mas, também não teria vencido sem o seu lado estratégico que levou ao Estádio do Sporting. Peseiro já havia jogado e perdido na Luz e no Dragão, apresentando estratégias muito similares, que passaram pelo estender da equipa toda no campo, e pressionar logo na saída da grande área adversária, vendo a equipa partir-se por diversas vezes, depois de ultrapassada primeira linha. Na Luz, o Benfica até marcaria fruto de tal estratégia. Abel em Alvalade aproveitou o modelo, mas definiu outras linhas de pressão. Juntou a equipa, deixou o adversário subir, e matou-o no espaço que inteligentemente lhe deu. Exactamente como tentou fazer nos primeiros sessenta e cinco minutos do jogo deste fim de semana.
Do cunho pessoal de Abel na vitória que permitiu ao Braga ultrapassar o Sporting na classificação, ninguém (excepto aqui) decidiu falar. O treinador arsenalista colocou-se “em bicos de pés” e não esteve bem ao esquecer-se do trabalho que estava por trás. Embora nós nunca saibamos se ele o poderia ter mencionado, porque os treinadores também têm superiores…
Foi o suficiente para ser desvalorizado. Adoramos coitadinhos e desprezamos a competência, embora no caso concreto do futebol, demasiados são até incapazes de a perceber.
No passado fim de semana, Abel voltou a Alvalade, e mais uma vez deu uma lição táctica a Jorge Jesus. E não, não mudei em nada a opinião que tenho sobre o fabuloso treinador leonino. O que só valoriza mais aquilo que o treinador do Braga conseguiu.
No final da partida, voltou a não ser um treinador “humilde”. Daqueles que Portugal gosta, no fundo. Falou das nuances que criou e da forma como o Sporting foi incapaz de o segurar. Não lhe terá ficado bem a soberba. O problema é que estamos num país em que ninguém seria capaz de perceber e mencionar a excelência do que preparou e posteriormente alterou em Alvalade. Fossemos um país com gente capaz de entender e mencionar a competência sem reservas, e talvez Abel não tivesse sentido a mesma necessidade que Jorge Jesus sentiu ao longo de décadas de verbalizar a sua competência.
Também eu, não fui capaz de lhe fazer inteira justiça no texto “A capital de Abel“.
No fundo, mais do que ter havido um Sporting incapaz de parar o Braga, verificou-se muito mais um Braga capaz de parar a equipa leonina, reduzindo-lhe bastante o número de entradas em zonas de criação e consequentemente o de oportunidades.
Toquei e elogiei devidamente o que trouxe a Alvalade na primeira hora de jogo, mas não olhei devidamente para a forma como do caderno de Abel saiu a subjugação do excelente Sporting, capaz de pela sua competência táctica bater-se com Juventus e Barcelona.
Do banco do Braga saiu um modelo híbrido, com três defesas, um losango a meio, dois alas e um avançado centro. Aumentou linhas de passe em todo o campo, confundiu completamente o encaixe habitual e a forma como o Sporting estava preparado para parar o Braga, e foi somando ataques prometedores de cada vez que tinha a bola. Foram quinze minutos de imensa dificuldade leonina, que saíram das mudanças de Abel.
Talvez se em Portugal houvesse quem se mostrasse capaz de descodificar a competência do treinador, e como este afecta pela sua estratégia o jogo, Abel, como Jesus antes, não sentisse necessidade de se colocar em bicos de pés. E esta tirada é antes de todos, para mim, que precisei da ajuda dos comentários no texto anterior para ir ver com maior cuidado a parte final do jogo de Alvalade.
“Foi o suficiente para ser desvalorizado. Adoramos coitadinhos e desprezamos a competência, embora no caso concreto do futebol, demasiados são até incapazes de a perceber.” certo, excepto que o treinador (Mourinho) e o jogador (CR) mais amados de portugal são arrogantes como tudo. O que as pessoas não gostam é de ouvir o JJ desprezar completamente e recorrentemente o trabalho dos colegas, não gostam de o ouvir despedir o titular da baliza num programa de televisão, não gostam de o ouvir dizer que é o melhor treinador português sem nunca ter treinado no estrangeiro, e por aí fora.
Parabéns pela analise, uma valente lufada de ar fresco …
Obrigado.
Sem querer chatear ninguém:
E porque não fez essa alteração antes do 1-0? Viu-se a perder e arriscou. Nada de novo no mundo do futebol.
O Jesus não soube responder. Nada de novo. “Pensei mais no 2-0 que no 1-1.” Nada de novo.
Se fosse o Vitoria, provavelmente teria respondido imediatamente trancando o meio-campo, mas esse não se põe em bicos de pés. Na volta porque está bem onde está.
Arriscou mas arriscou bem, com conhecimento e critério. Faltou-me dizer isso. Mérito ao Abel.
Este blog parece uma avença do JJ. O Homem é um ídolo por aqui. Só não percebo é que em dois anos, só ganhou uma supertaça. Perdeu 2 campeonatos para um não treinador, e já está a 5 pontos do 1º lugar, e só tem um de avanço do “desgraçado” do Rui Vitória.
Quem não o conheça e leia o que é escrito por aqui, ao nível de JJ só o Guardiola.
Cada vez leio menos estas análises ao jogos do SCP.
De resto, quando analisam forma do contexto JJ, está excelente o blog.
Já tinha comentado com amigos que gostava de este tipo de modelo no SLBenfica. Permitia encaixar os criativos (Jonas, Kroni e Pizzi) + um avançado e mascarar a falta de um lateral direito tipo Nelson semedo. Com a ala esquerda entregue a Grimaldo poderia disfarçar-se as carências defensivas do Douglas ou arriscar com Sálvio naquele papel. A minha dúvida continua a ser quem seriam os 3 centrais: Ruben, Luisão e Almeida? Na minha perspectiva seria um modelo interessante para os jogadores que temos e uma boa alternativa para confundir adversários, tal como fez o Braga.
Que texto incrível! E não falo só do conteúdo.
“Embora as pessoas que gravitam à volta do futebol, emitindo opiniões, se estejam a esforçar para entender o jogo, e as diferenças para aquilo que se percebia deste há uma década atrás, seja bastante significativa, continuamos a ser um país que regra geral pouco ou nada percebe do jogo de futebol e das suas dinâmicas.”
Caro Paolo Maldini
O jogo não é de difícil entendimento, aliás nunca foi, sendo até de fácil percepção a qualquer criança minimamente envolvida no jogo.
O problema actual é outro, pura e simplesmente querem destruir o futebol sendo os primeiros passos as paragens no futebol sendo originadas pelo video-árbitro ou por paragens por causa do pseudo-calor. Caso isto não seja revertido o jogo no futuro irá ter muitas paralisações sendo que irá perder a sua massa de adeptos.
Também não se percebe a idiotice dos dirigentes em relação às brincadeiras nas selecções.
Como sempre concordo contudo. Excepto com a introdução. Gostar do mais débil é o que dá humanidade à humanidade. Não significa que só gostemos do incompetente. Tanto gostamos do Oliver Twist como do James Bond. De facto, parece-me que quem ganhou o Big Brother também o ganhou porque não havia ninguém que fosse melhor pessoa ou mais inteligente daquela estranha panóplia de gente.