A posse e o ADN lusitano

Ponto prévio: Ganhamos!! Estamos todos de acordo que o jogo de Portugal não foi bom, aprazível, bem jogado!!!! Mas ganhamos.

Posto isto, importa perceber o que se passou. Podíamos pegar nos 90 minutos, mas apenas alguns lances da primeira parte mostram tudo o que aconteceu e acontecerá sempre que uma selecção decida pressionar alto e tenha rotação para aguentar grande parte do jogo. Retiremos Ronaldo da equação, porque numa bola pode fazer 2 golos!

Antes, um aparte, desengane-se quem pensa que os jogos de um mundial contra selecções menos cotadas são fáceis, não jogamos sozinhos. Antes da fase do “mata-mata” todos os jogos serão muito complicados, escrevo isto a ver o Espanha/Irão e Espanha está com 81% de posse de bola, empatada a zero ao intervalo. Faz lembrar aquelas peladas em que a malta não joga nada, mas atrapalha! Contornar 22 pernas é difícil, ainda por cima se estiverem a correr pela vida…
Marrocos não estava num mundial há 20 anos, chega à Rússia como a única selecção que não sofre qualquer golo na fase de apuramento e depois de ter perdido o encontro inaugural, vê-se a perder aos 4 minutos do jogo que os poderia mandar de volta a 35 milhões de irritados magrebinos. Se os níveis de agressividade, de motivação e competitividade estavam altos, imaginem aos 5 minutos!!

O jogo. Portugal não tem centrais e guarda-redes confortáveis em posse!! Pressionados não arriscam e muitas vezes com espaço não forçam! Ter bola com equipas que pressionam forte e ainda por cima marcam HxH o campo todo carece de uma ideia colectiva. Normalmente os médios recebem de costas para o jogo e quando não conseguem enquadrar devolvem a quem está de frente, se estes quando recebem, esticam invariavelmente, temos de ter os da frente à pesca, com o inconveniente dos restantes estarem longe porque tentaram sair desde trás. Não nos adianta ter Bernardo, João Mário, William e Moutinho em campo se os restantes não estão preparados, treinados para ter bola. Quando saíamos da primeira pressão de Marrocos e conseguíamos estar de frente para o jogo, estavamos na nossa praia e criávamos perigo, mas foi raro!

Ao ver o jogo em directo trocava mensagens com o Maldini e ele dizia que nos faltava um David Silva, para poder receber, enquadrar, sair de dentro da cabine telefónica e ir embora! Concordei, claro que um David Silva faria a diferença, mas questiono, e depois de receber e ir embora? Dava a quem? Quem estava próximo? Quem se mexia para dar opções ao portador? A alternativa seria sempre o espaço, porque as ideias não estão lá e não é de agora.

Quem não se lembra da batalha de Nuremberga, dos quartos-de-final do Mundial de 2006 e dos penaltys arrancados a ferros contra uma Inglaterra com 10? Portugal já teve jogos aprazíveis sim (aí o euro 2000 e a geração de ouro), mas sempre devido à qualidade individual que os 11 que lá andam põe na relva, porque há anos que não temos uma ideia colectiva, se é que alguma vez a tivemos!!

Para ter um jogo de posse, de toque é preciso jogadores com um ADN muito próximo. Nos 23 de Espanha, quase todos sabem e cresceram a tocar, a mexer a tocar a tocar… Na Alemanha quase todos foram formados para jogar de determinada forma. Para ter um jogo com ideias é preciso tempo e trabalho!

Portugal foi campeão europeu a jogar assim! A potenciar o facto de ter o melhor do mundo e montar a estratégia ao seu redor! Jogar “mal” não é de agora!

Repito, ter bola carece de uma ideia colectiva, dos 11 que estão lá dentro, dos restantes e principalmente do líder!

Por fim, uma questão que adorava que alguém fizesse a Fernando Santos: Se no final disse que o problema estava em ter bola, porque tira do jogo Bernardo e mete Gelson?

As substituições não forçadas tem na minha opinião sempre um de dois intuitos, mudar o jogo ou aproveitar algo que o jogo está a dar! Arrisco a responder que depois de perceber que Marrocos não perdia as forças e a bola não estava fácil de parar nos nossos pés, o engenheiro tentou meter alguém que recebesse, enquadrasse e fosse embora, atraindo para si os adversários que marcavam em cima os restantes portugueses, algo que Bernardo não estava a conseguir e aproveitar também a velocidade de Gelson na perspectiva do jogo partir. Não resultou, mas seria interessante confirmar esta leitura!

Sobre Dejan Savicevic 91 artigos
Ricardo Galeiras Treinador, apaixonado por desporto, futebol e treino. Experiência em campeonatos nacionais na formação e atualmente ativo no futebol sénior. Colaborador na área de scouting e análise de jogo, com vários treinadores e equipas do campeonato nacional da Primeira Liga. Contacto: galeiras@gmail.com

7 Comentários

  1. “Por fim, uma questão que adorava que alguém fizesse a Fernando Santos: Se no final disse que o problema estava em ter bola, porque tira do jogo Bernardo e mete Gelson?”

    Não foquei este aspeto no meu comentário de há dois posts atrás, mas foi exatamente o que pensei, além de não entender como se quer que o Bernardo dê mais ao jogo sem ter com quem jogar de facto.
    O motivo pode até ser o que colocas como hipótese, mas este é só mais um exemplo de uma quantidade de equívocos que o FSantos aparenta ter sempre que tenta explicar algo mais do jogo.
    Entendo que o selecionador seja um motivador, um agregador, etc. Podemos até ganhar isto de costas e a fazer o pino e cá estarei para celebrar, mas parece-me estranho, vá, para dizer o mínimo.

  2. Deste comentário gostei acima de tudo da afirmação “não jogamos sozinhos”. Vi muita gente a pôr em causa a qualidade da nossa equipa, mas … e valorizar o trabalho de Marrocos? Marrocos fez um excelente trabalho de pressão alta acompanhada com o posicionamento alto das duas linhas defensivas. Deste modo conseguiu manter os jogadores portugueses sob pressão constante e quando recuperavam a bola tinham sempre colegas próximos. Excelente jogo duma equipa que merecia muito mais. Quanto à ideia coletiva julgo que esse é o preço de todas as seleções que não conseguem ter uma estrutura com muitos anos ou uma estrutura herdada duma equipa. A Espanha e Alemanha beneficiam da estrutura base herdada do Real Madrid/Barcelona e Bayern Munique, assim como a seleção portuguesa de 2006 herdou a estrutura do Porto. Quando não se consegue ter essa vantagem, a dificuldade em ter um 11 com personalidade é muito maior, pelo que é necessário ter um selecionador astuto e apostar no pragmatismo e é aqui que entra Fernando Santos (o de Portugal e da Grécia). Basta pensar que o 11 base de Portugal congrega jogadores de 10 equipas diferentes e 7 campeonatos diferentes. Tanta heterogeneidade de estilos competitivos aliados a uma fase de qualificação em que Portugal joga maioritariamente em posse sem pressão na sua metade de meio campo tornam complicado a vida das seleções nesta fase da competição. Vejam o caso do Brasil, Argentina e outros.

  3. Estava com esperanças de que as coisas fossem correr melhor, depois do jogo que fizemos contra a Argélia, em que nos mostrámos capazes de pressionar, de querer ter bola e de a saber trabalhar! Mesmo com a Espanha, nos momentos em que fomos para cima conseguimos boas coisas! Pelos comentários do Adrien e do Fernando Santos no final do jogo, pareceu me que houve jogadores que se esqueceram do plano de jogo!

  4. Razoes da deficiencia da posse e para além do problema dos centrais e Patricio:

    1/ Joao Mario nao correspondeu na sua posiçao e devia-se ter juntado mais atràs com o guerreiro a redobrar passes para sair do pressing e iniciar jogo, e nao esperar à frente onde ele nao tem a velocidade suficiente. Para isso, valia melhor pôr là o Guedes.

    2/ O Cedric nao deu projeçao e profundidade ao bernardo silva, e Guedes nao dà apoio frontal de apoio suficiente também ao bernardo. Valia melhor Andre silva para jogar de costas entre linhas com o Ronaldo a rodear para pedir espaços.

    3/O joao moutinho e o William a jogar quase sempre em par na mesma linha e com nenhum que se projeta entre linhas, sendo que nenhum dos dois é capaz de furar com bola quando estao em pares. Para isso, vale melhor Adrien que tem capacidade fisica para jogar entre linhas, fazer pressing e vir ajudar depressa a defesa.

    Mas essa disposiçao inicial era para ter posse e marcar. Como marcamos cedo, os jogadores nao souberam que fazer, jogamos a linha mais atràs, sem pressing e em transiçao, aqueles jogadores jà nao correspondiam. O Ruben e o Gelson entraram para remediar a esse problema mas eles foram catastroficos.
    Apertamos o rabo, aproveitamos a ineficacia do Marrocos,chegou a defesa do Patricio no momento crucial e estamos vivos.

    Ganhamos o Europeu em organisaçao defensiva muito forte, que jà nao temos tao boa nesta ediçao e sem boa transiçao ofensiva porque fora o golo contra a croacia, foi quase a unica jogada de jeito em contra ataque. E agora, qual serà a estrategia do Fernando Santos, o pragmàtico, nos jogos a eliminar ?

    • Tudo à defesa, minuto 70 entra Quaresma, este cruza para o Ronaldo e golo para Portugal. Depois é esperar que o jogo termine.
      E até fui amigo, ganhar um jogo nos 90 minutos para FS é algo impensável ou quase.

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