Um pesadelo de cadeira

Nunca voltes ao sít… Desculpem mas prometi a mim mesmo que não começaria assim o texto. Afinal de contas, qual é mesmo o problema de voltar ao sítio onde foram felizes? De facto, quem for um genuíno reconhecedor de que as suas próprias reações podem ser chave para a felicidade não terá problema algum em voltar a algum sítio, ou, até, ir a sítio algum. E para André Villas-Boas foi óbvio durante as semanas, e dias, que antecederam o FC Porto-Marselha que o jogo/reencontro lhe provocou reações que numa cadeia de sentimentos poderão ser consideradas como baixas. Não foi por isso o AVB incisivo, o AVB letal, que usa a retórica a seu favor para agigantar as suas equipas em relação ao adversário. E poderá isso ter-se reflectido na exibição apática do seu Marselha? Bem… alguma influência poderá ter tido. Mas, como sabem, no Lateral Esquerdo não gostamos de mandar para o ar, só por mandar. E como tal, a questão da comunicação, e de como essa poderá ter afectado as contas do jogo, merecerá um olhar mais detalhado.



Desde José Mourinho que a retórica dos treinadores tem merecido destacado interesse. Por estar, na altura, completamente alinhado com a evolução do jogo, e por partir bem destacado em relação aos outros em quase todos os aspectos, José Mourinho ficou célebre (também) por parecer que conseguia adivinhar o que ia acontecer nos jogos e nas Ligas. De facto, o nosso Zé da Europa deu um relevo imenso à forma como um treinador deve, ou não, comunicar. Algo que criou, como sempre, ondas (tsunamis, até) de réplicas, chegando até ao ponto de treinadores de escolinhas e de infantis emularem a comunicação do mestre. Um erro célebre e que ainda persiste é que se comunicares de forma apaixonada, mostrando certezas absolutas, destacando factos positivos e encobrindo factos negativos, terás as portas do sucesso mais escancaradas. Mas o que é que acontece quando tens um tipo de comunicação Mourinhiana e não adivinhas cenários e perdes muito mais do que ganhas? Obviamente, como tudo, a comunicação deve ser ajustada à realidade que vives. Sendo que se treinas o FC Porto numa altura em que a oposição era perto de nula (palavras do próprio quando garantiu que ter uma excelente equipa chegaria perfeitamente para ganhar destacado em Portugal) ou se treinas o bilionário Chelsea (numa altura que as ideologias e os planos de jogo eram rudimentares em Inglaterra) tudo o que disseres (por estar colorido a vitórias) tem um efeito quase angelical. E como Mourinho o conseguiu, durante largos anos, hoje é ideia geral de que todo o treinador deve comunicar assim. Sendo tudo o resto uma enorme mostra de fraqueza.

Corona depois de roubar a bola que deixou o FC Porto em excelente posição para inaugurar o marcador


Aqui chegamos a André Villas-Boas e a um factor que lhe permitiu (e ainda permite) ter uma carreira bastante assinalável, mantendo-se como um nome a ter em conta na elite dos treinadores. Factor esse que é o ajuste à realidade no que toca não só ao plano-de-jogo e ideologia, como à comunicação que efectua em determinado lugar (leia-se clube ou país). E para quem se lembra dele como rei dos mind-games que vampirazava conferência de imprensa sim, conferência de imprensa sim, o Benfica de Jorge Jesus, obviamente que as palavras simpáticas que foi deixando ao FC Porto (não só nestes dias mas desde que deixou a cadeira de sonho) podem ser interpretadas como fraqueza na altura de utilizar o recurso emocional que pode conferir mais força à ideia. Mas se olharmos para a realidade do Marselha fica também patente que iria ser ridículo usar o mesmo tipo e tom de comunicação que o tornou famoso no FC Porto. Isto porque não é a mesma coisa acabar 15 pontos à frente ou acabar 15 pontos atrás (alô, PSG!) e que uma comunicação incisiva do género só serviria para ser uma mentira que a classificação e que o jogo-a-jogo desmentiria sem problema algum. Pelo contrário, em Portugal, com um Benfica a não aguentar a pedalada de Hulk e Falcao (James jogava a espaços, vejam bem) André Villas-Boas poderia dizer o que lhe apetecesse. Poderia usar barba de 3 dias ou ir vestido de noiva para as salas de imprensa que, aposto, conseguiria fazer disso moda. Assim, a comunicação muda com a realidade (e não o contrário, como às vezes se quer dar a entender). Ou alguém está a ver Paulo Fonseca vestido de Zorro depois de perder mais um jogo pelo FC Porto?

Jogada que acabou em penálti para o Marselha parecia pouco promissora. Ainda assim excelente trabalho de Thauvin a passar por Sérgio e a ‘enganar’ Sarr

Podemos então dizer que as palavras de AVB tiveram um efeito. Mas, renunciando à escola de comunicação pós-Mourinho e pós-AVB, esse efeito não é o que as pessoas julgam. De facto, o que André Villas-Boas pode até ter tentado fazer terá muito a ver com uma táctica, ou estratégia, que José Mourinho tem utilizado nas suas mais recentes vindas a Portugal. Uma catrafada de elogios para amansar a coisa, para suavizar alguma crispação e alguma alma que o adversário encontre para colar pósters nas paredes do balneário. Algo que até lhe tem dado resultado… porque tem ganho! Não saberemos ao certo se seria diferente, mas poderemos adivinhar que, por exemplo, dissesse AVB o que dissesse, Sérgio Conceição nunca baixaria a guarda – como sabemos que poderemos repetir em frente ao espelho que somos a pessoa mais rica do Mundo 1000 vezes e que isso será desmentido pela realidade da próxima vez que virmos algo que não podemos comprar.

Corona e ‘como fixar uma linha defensiva inteira’ para arranjar espaço para Luis Diaz



Há portanto uma diferença entre afirmar e ser. E o Marselha de André Villas-Boas, dissesse ele o que dissesse sobre o FC Porto, não é. Pode querer sê-lo (com todo o direito e legitimidade) mas, de momento, não é. Não é uma equipa incisiva, não é uma equipa dominadora, não é uma equipa que usa força emocional. E já assim foi nos confrontos com o Olympiakos e com o City. Porque razão é que iria ser no Dragão algo diferente? Pelo discurso? Não nos parece.

O FC Porto contornou a questão do meio-campo pressionando o trinco e deixando Otávio no raio de ação de Payet (fosse por dentro ou por fora). Sarr também pronto para sair ao espaço entre-linhas. Este é o momento que o Porto se prepara para sair da pressão e estabilizar a organização defensiva, não estando ainda totalmente ‘sentado’ nessa organização.


De maneira foi sem surpresa que o FC Porto encaixou totalmente na maneira de jogar dos gauleses. Fosse quando explorou a organização ofensiva ou, especialmente, quando fechou à espera do erro (utilizando o 442 para manietar os três médios adversários ao mesmo tempo que estava preparado para o jogo exterior de Payet), o FC Porto, com e sem bola, foi sempre superior a uma equipa que não utilizou o recurso que mais dificuldades cria ao FC Porto na Europa. Sendo uma equipa sem ritmo e velocidade, quer com bola quer na reação à perda, o Marselha deixou o FC Porto muito confortável no jogo, deixando também os portistas a terem que pensar na frase dita há alguns dias por Rúben Amorim (outro excelente comunicador). Fará sentido depois desta vitória os jogadores lerem jornais ou caixas de comentários? É que à parte da boa exibição (o Marselha só tem um lance em que poderia colocar o seu nome no jogo – o penálti cometido por Sarr) a vibração do adversário poderá ser enganadora para se falar em retoma de um Porto que tem a margem de erro muito reduzida na Liga. E ainda que a exibição de Corona (envolvido directamente nos três golos) faça esquecer que Alex Telles e Danilo já não moram na Invicta, a necessidade de um Porto personalizado na Liga doméstica, e em Marselha (como no Etihad), continuará a ser imperativa. Diga André Villas-Boas o que disser daqui a três semanas, as deslocações na Champions League costumam revelar erros na saídas, desconcentrações no ‘miolo’ e falta de eficácia no ataque portista. Curiosamente alguns dos males que o Marselha tem sofrido esta época. E voltar onde foi feliz dá a AVB uma chance única de poder ver o que tem que corrigir. Sim, a vida de treinador não é o passeio no parque dos troféus que toda a gente imagina. Sendo que as abominantes derrotas são a parte mais importante para se fazer carreira – saiba-se reagir positivamente a elas. Que o diga Sérgio Conceição!

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