Castigo Máximo!

Dizer que ideias e desfechos são coisas diferentes não parece criar grande discussão. Nem nos tempos que correm, nem em tempo algum. No entanto por se admitir acertadamente que para algo se materializar, esse algo terá que ter nascido de uma ideia, abriu-se caminho para que se tentem tornar certas ideias intemporais, universais e permanentes. Não que algo não se possa estender no tempo por longos, e longos, períodos, mas esse algo, para não se tornar altamente subjectivo, terá que se apoiar em algo verdadeiro para atingir um longo período de permanência. E foi baseando-se numa premissa falsa (ou pelo menos incompleta) que o Barcelona, a 8 de dezembro de 2020 (e não em 1970), se apresentou no Camp Nou frente à Juventus formando um onze que assumia que a posse-de-bola e o controle do jogo se obtêm paralelamente ao número de tecnicistas que estiverem em campo. Esse é, obviamente, um parâmetro claro para se atingir controle e domínio com mais bola. Mas colocando De Jong, Pjanic, Pedri, Messi, Griezmann e Trincão, pensando num só momento do jogo e assumindo (erradamente) que esse controle nasceria por si próprio foi um erro crasso da parte de Ronald Koeman – que, visualizando o sucesso culé de eras passadas, se esqueceu do outro parâmetro não menos importante para se ter bola e controle.


Todos os interessados por este fenómeno já certamente tiveram a oportunidade de se deliciarem com o documentário Take the Ball, Pass the Ball. Algo que não precisa de contexto mas que no seu título traz a fórmula da qual o Barça desta noite (e de outras chegadas a esta… alô Bayern…) se esqueceu. O documentário não é chamado Pass the Ball, portanto. É sim, lembramos, Take the Ball (and then, and only then you can) Pass the Ball. Mas jogando num 424 a pensar nos momentos com bola, o Barcelona foi totalmente engolido e dominado por uma Juventus que levou essa coisa do Take the Ball muito a sério. Não só Quadrado e Ramsey não fugiam de Arthur e McKennie, como foi possível ver Morata e Ronaldo(!!!) totalmente envolvidos com o processo defensivo. E assim, contrariando as palavras de Koeman na antevisão (“se tivermos a bola, Ronaldo não cria perigo”), a Juventus roubou a preciosa redonda, num período inícial determinante para as contas do jogo. E aí, Ronaldo criou o perigo com que Ronald Koeman não contava, até porque as suas escolhas sem o mínimo de vibração competitiva sem bola também não contavam com uma Vecchia Signora a controlar com bola – via recuperações em todo o lado do campo.

A Juventus controlou, na maior parte do tempo, a org. of. do Barcelona com duas linhas de quatro. Se encostados ao ultimo terço, avançado do lado da bola juntava. Enorme compromisso defensivo (especialmente da linha do meio-campo) virou o jogo a favor dos de Turim

E se ao penálti que Cristiano Ronaldo converteu lhe juntarmos a via rápida que McKennie encontrou para fabricar o segundo (ainda na 1.ª metade) rapidamente verificamos que a ideia actual do Barcelona se encontra numa realidade paralela que não pode, nem deve invocar qualquer semelhança genética na meia década de sucesso que os catalães foram fabricando desde Pep Guardiola (com Luis Enrique pelo final). Em todas essas equipas, com mais técnica ou menos técnica, com mais transição, ou menos ataque rápido, o pressing que roubava, fechava ou cortava o ar ao adversário estava presente. O erro foi a atenção estar somente no que nascia do momento ofensivo e não se ter reparado que metade do sucesso vinha de algo que José Mourinho catalagou como artistas com ela, cães de caça sem ela. Assim por assim, digamos que a atenção esteve no paradigma 74 e não nos 5 segundos para recuperar (ou em quando pressionar ou quando fechar). Uma sem a outra não sobrevivem, como não sobreviveu Messi metido entre duas linhas de quatro, como não sobreviveram Pedri e Trincão completamente fora-de-jogo, como também (e sem surpresa) não sobreviveram De Jong e Pjanic sem qualquer autoridade para controlarem um espaço nuclear nos dias que correm.

Qualquer semelhança da Juve com o Barcelona será pura coincidência. No lance do segundo golo, o miolo blaugrana foi apanhado completamente desajustado e desequilibrado. O interesse de Griezmann e Messi também é notório. A vibração e intensidade competitiva, e a organização defensiva, marcaram este encontro



Bem sei que este seria o texto onde se leria muita vez Messi x Ronaldo, Goats e prémios The Best, mas o futebol não é uma série de TV, ou um filme do género A Star is Born. Pode parecer, e pode funcionar para a narrativa de quem gosta fabricar conteúdos sem qualquer tipo de realidade. Mas a verdade é que a dualidade Messi/Ronaldo esquece facilmente todos os colectivos que permitiram que os dois se tornassem lendas. E numa altura onde já é fácil, e quase cliché, dizer que os temos de apreciar aos dois e esquecer velhas guerras desnecessárias (com o qual concordo plenamente) convém também lembrar que quando um levou a melhor que o outro foi sempre quando a equipa de um levou a melhor que o outra. Por isso tudo (apesar dos dois golos e da vitória mais fácil de Ronaldo a Messi) não consigo não relacionar tão grandioso triunfo a uma estratégia completa e superior de Pirlo, a um Morata enorme no duelo (o avançado do lado da bola ajudou sempre o miolo quando necessário, e Morata foi gigante defensivamente), a uma linha defensiva bem organizada e autoritária, a um Ramsey voluntarioso, a um Arthur suprainteligente no posicionamento, ou a um Buffon que foi uma parede quando Messi se libertou da camisa-de-forças onde Koeman o meteu. Que diferença se via quando Leo encontrava espaço na meia-direita e se tornava no único elemento capaz de sacudir todo um Universo que conspirou contra o Barça pela simples razão que algo mais completo e acertado terá sempre mais sucesso e ajuda divina. De maneira que nenhum dos dois ganha o trono virtual das conversas de barbearia e tasco, de esplanada ou copo d’água, pura e simplesmente porque esse trono é das equipas que os elevaram à condição de lendas. A ténue diferença entre os dois está sempre no momento, melhor ou pior, bom ou menos bom, das equipas que os suportam. Ou então da doidice de quem não vê isso.

Messi, que teve de fugir do bloco demasiadas vezes, encontraria mais espaço e melhores recursos na meia-direita. Substituição de Trincão levou Griezmann a fixar-se mais nesse espaço. Contudo seria Leo quem poderia render mais aí, tal foi a concentração defensiva da Juve nesse espaço.
Para a posteridade e como analogia perfeita do que desequilibrou a partida fica o momento em que Ronaldo demonstra o compromisso, roubando uma bola a Messi já dentro da área da Vecchia Signora. Olhar para Ronaldo, Morata, Ramsey, Quadrado, Arthur e McKennie nesta partida é perceber o balanço fundamental entre bem atacar e bem defender.

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