Pedalada sem meias

O Chelsea-Porto desta terça-feira, como também o Porto-Chelsea da passada quarta, é uma daquelas eliminatórias onde se notam as carências da dualidade vitória/derrota para tudo explicar sobre uma partida. Contudo, e com um enorme dissabor para os dragões, esta é também uma eliminatória onde se nota um enorme ponto de vantagem do conceito de eficácia para explicar porque foram os ingleses a passar e não os portugueses. E se formos por aí fica difícil não se dar o carimbo inamovível de justiça neste confronto. Mas esse – que ditou a eliminação do campeão nacional na UEFA Champions League – não pode, de maneira nenhuma, reduzir a cinzas tudo o que o FC Porto fez nestes 180 minutos. E se acompanharam o Chelsea desde que Thomas Tuchel lhe pegou, então saberão por certo das dificuldades, do desconforto, e do esforço que os britânicos tiveram de fazer para bater um pressionante, abnegado e também corajoso FC Porto. E isso, dada a diferença de armas, não é coisa pouca. E se não acreditam que assim seja, talvez as declarações de Tuchel após a passagem dos blues para as meias-finais vos convença.

“O FC Porto é uma equipa que faz os adversários jogarem pior. Foi assim com a Juventus, foi assim com o City e foi assim connosco. É uma equipa que luta e pressiona muito. E mesmo quando ataca são muito móveis. Fazem overlaps e underlaps. São muito difíceis de parar. E nós tivemos de entrar nessa batalha. Talvez pela TV não se tenha visto um grande jogo. Mas foi um prazer estar desde a linha lateral a assistir a esta luta à qual nos entregámos.” Thomas Tuchel à BT Sport.

FC Porto em 433 pode ter parecido conservador mas não evitou correr riscos para obter o domínio da partida durante maior parte do tempo. Com bola, mobilidade na frente e chegadas de Uribe e Oliveira, sem ela libertou desta vez os extremos – correndo riscos com os alas do Chelsea


Obviamente que de elogios não vive uma sala de troféus, mas daí até tudo ser apagado porque o FC Porto não conseguiu bater a duas mãos um Chelsea que queima notas para acender charutos… vai um grande passo. Sim, os azuis-e-brancos não estarão nas meias, tal qual não estiveram nos últimos… 17 anos. Tal qual não estiveram há dois anos, com o mesmo Sérgio Conceição ao comando, tal qual não estiveram há cinco com Julen Lopetegui e tal qual não estiveram já na década passada com Jesualdo Ferreira. Aqui recordamos quem passou aos quartos desde a épica conquista de 2004. Mas se recordarmos quem não passou, e se nos lembrarmos de como essas eliminações aconteceram, veremos que há de facto algo especial neste FC Porto que lutou com a elite para se afirmar. E nesta 2.ª mão que, ainda assim, é a primeira vitória contra uma equipa inglesa fora de portas (ainda que conquistada em Espanha e não em Terras de Sua Majestade), o dragão agigantou-se de novo. E tal como na primeira mão conseguiu anular o plano principal de Thomas Tuchel. Como já havíamos dito, o novo Chelsea é uma equipa que transporta adversários para o último terço. Veja-se como exemplo o que a estratégia de Tuchel fez, na 1.ª mão dos oitavos-de-final, ao actual líder da Liga Espanhola na sua casa. Algo que não conseguiu contra este FC Porto: reduzi-lo ao espaço de Marchesín.

Para melhor poder atacar, FC Porto renunciou à largura em alguns momentos defensivos. Chilwell teve alguma liberdade.


Mas o Chelsea, como todas as grandes equipas, não se reduz a um momento do jogo. E se já repararam, tirando o debacle (que ainda ninguém sabe explicar muito bem) contra o West Bromwich de Sam Allardyce, os blues são uma equipa que raramente sofre golos. É como se tivessem encontrado, com Tuchel, uma chave, um balanço, para se expressarem com bola mas também sem ela – podendo defender com competência das duas maneiras. E se nesta eliminatória o foco não esteve tanto na organização ofensiva dos blues (à qual o FC Porto tirou tempo via pressing) foi a organização defensiva que se mostrou aos holofotes – especialmente nesta 2.ª mão. Assim, e mesmo esticado e mais perto de Mendy do que de Marchesín, o FC Porto teve pela frente a resposta à questão colocada pela falta de golos sofridos do Chelsea. E se essa organização defensiva deixava, ainda assim, algum espaço para os dragões controlarem o jogo no meio-campo ofensivo, quando o 523 se transformava em 541 no último terço tornou-se impossível para o plano de Sérgio Conceição achar, durante a maior parte do tempo, o espaço necessário para obter os golos que necessitava.

Dragões com muitas dificuldades para criar no último terço. Mobilidade de Otávio e chegadas à área dos médios pareceram insuficientes para um Chelsea que se foi adaptando ao longo do jogo. Na segunda imagem em 442 para responder à entrada de Taremi no jogo.

Um plano que ainda assim foi diferente do que havia sido há uma semana. Renunciando às linhas de cinco e seis que se formam quando os extremos baixam para controlar os alas adversários, o FC Porto assentou num 433 que reforçou o meio-campo (Grujic e Sérgio Oliveira fizeram companhia a Uribe para controlarem Jorginho e Kanté) e esperava que a mobilidade da frente (Otávio, Corona e Marega) apanhasse em contrapé a linha defensiva dos blues – que é como dizer que esperava que Chilwell e James se aventurassem mais naquilo que é seu o jogo habitual. Mas assim não foi e com peso fundamental no desfecho de uma partida na qual as dificuldades encontradas para furar o último terço acabaram por ditar o fim do sonho europeu para os portistas. E se até aí (último terço) a coisa encarrilava bem (especialmente na 1.ª metade), as decisões demasiado emocionais nesses lugares cruciais mostraram uma falta de killer instinct à qual não podemos deixar de dar uma grande fatia de importância em relação a esta eliminação.

Chelsea conseguiu descobrir algumas vezes as costas da pressão portista com Kanté a ser determinante nos timings e movimentos para achar esses espaços
Lateral com lateral foi também fundamental para travar ações portistas. Aliás, o posicionamento dos alas de Tuchel foi fundamental no equilíbrio que garantiu ao Chelsea a passagem às meias


E poderia o FC Porto ter feito diferente? Jogar com dois, com três, com quatro… o que quiserem? Poder, podia. Mas a premissa com que Sérgio Conceição encarou o jogo (não ir com muita sede ao pote), mesmo abdicando de fechar com cinco e seis, era a de garantir equilíbrio fundamental para não sofrer e ir alimentando a esperança de um golo que os recolocasse nas decisões da eliminatória. De pé para pé com bola, sem muito risco, sem muita vertigem, o FC Porto garantiu um controle que, ainda assim, contra o Chelsea nunca é total. E se perguntarem a Simeone talvez ele explique porque é que o Atleti acabou por sofrer sempre que parecia estar em domínio. Talvez se explique assim algum conservadorismo no jogo e opções do FC Porto. E se não se explicar, notem-se algumas das saídas dos blues que poderiam ter acabado com o sonho ainda mais cedo.

Com Taremi e sem Grujic. Com Grujic e sem Taremi, as chegadas dos médios à área foram uma constante. Não foi por falta de números mas por alguma falta de rotas (factor também criado pela boa organização do Chelsea) e por muita finalização emocional (também vista na 1.ª mão). Se no jogo jogado a equipa foi bastante corajosa, essa crença nunca foi vista nos momentos de finalização. O facto de se saber que contra o Chelsea todas as oportunidades são poucas para se ser eficaz pode ter desgastado os jogadores emocionalmente (o que foi patente nas reações de desalento aos falhanços desde a 1.ª mão)



E nesse balanço, nesse equilíbrio, o FC Porto foi tentando manter-se vivo e agigantar-se ao mesmo tempo. Até porque, convenhamos, um golo do Chelsea e a obrigatoriedade de marcar três em 90 minutos atirariam a equipa para um fosso mental do qual seria impossível sair. Assim, mantendo muita bola no meio-campo ofensivo, Sérgio foi esperando pelo relógio para arriscar (sempre de olho nas saídas do Chelsea). Porém, havia um risco óbvio que se juntou a outro, esse talvez mais inesperado nessa fase do jogo. É que a somar-se ao risco de já não haver frescura para o ataque final a Mendy, as orelhas a arder dos blues (que ao intervalo devem ter ouvido das boas) fizeram-nos dividir os duelos como não o haviam feito ainda nesta partida. O que fez desvanecer aquele domínio que o FC Porto obteve por mérito até aí, mas que tornou impossível aquele ataque mais contundente que todos esperávamos à baliza de Mendy. Um lado operário do Chelsea que fazia o FC Porto ir à ala e cruzar cedo demais (ao contrário da 1.ª parte onde jogou mais apoiado) para uma área onde nunca houve a contundência para abanar de vez com a eliminatória. Nem com Taremi, nem depois com Evanilson apoiado por Díaz, o FC Porto foi a tempo de abanar um jogo que já mostrava um Chelsea mais solto e também com hipóteses de selar de vez a eliminatória. Mas tal como naqueles fatídicos jogos de FIFA contra a CPU, todos os remates que o FC Porto precisava saíram frouxos até se transformarem num golão do outro Mundo… quando já não havia tempo para outro. Sim, o modus operandi de um videojogo que, de vez em quando, não nos deixa ganhar (bolas nos dois postes, golos cantados que saem por cima) pareceu de alguma maneira inspirado em fenómenos como este de Sevilha, onde uma equipa com enormes dificuldades em marcar acaba por sacar um golo digno de Puskas quando já não há tempo para mais nada. E tudo isso era só o que Sérgio pedia. Mas mais cedo. Bem mais cedo.

3 Comentários

  1. Vi os dois jogos aos trambolhões, por isso quero que me perdoem caso esteja a dizer uma barbaridade.
    Ao contrário da eliminatória contra a Juventus, em que deu gozo ver a teia montada pelo Conceição, e onde sempre se sentiu que este Porto podia ferir esta Juve, não vi nada disso nos jogos contra o Chelsea. Vi um Chelsea relativamente cómodo em baixar as linhas e apostar nalguma velocidade e paciência, onde Kanté, Giroud e Pulisic fizeram falta na primeira mão. Tuchel percebeu o quão duro é fazer um jogo de duelos, e acho que tem algum mérito nisso. Já o Porto tem muitas dificuldades em criar, e mesmo tendo a coragem de manter a matriz de ter muita gente na frente, fiquei com a impressão que nunca incomodou verdadeiramente a baliza.
    Acho, contudo, que se deve apegar às circunstâncias: uma eliminatória dividida no resultado, um orgulho para os seus adeptos, e uma caminhada com muito mérito.

    • Eu vi grande parte dos dois jogos e tenho a mesma opinião. Aliás, até me pareceu mais evidente que o Chelsea ia marcar no primeiro jogo em que o Porto jogou mais na vertigem que neste. Mas também reconheço que o Porto esteve mais perto de marcar no primeiro jogo. No fundo esse era o grande problema do Porto, uma manta demasiado curta para poder passar uma eliminatória a dois jogos. Para estar na frente depois de 180 minutos necessitava que aquilo que é aleatório no jogo pendesse totalmente para o seu lado.

  2. Boas malta,

    Excelente artigo. Fico fascinado com a complexidade dos movimentos dos jogadores em padrões cada vez mais elaborados, deixando cada vez menos espaço para a aleatoriedade. Esta equipa do Porto é taticamente muito forte, fruto do trabalho de Sérgio e dos seus assistentes. Lembro-me de um artigo no LE (de Laundrup se não me engano) que tratou da noção de equilíbrio em modelos táticos e tirou um exemplo do modelo de Sergio que favorecia o controle do espaço e o condicionamento do adversário, dando menos foco na criação nos últimos 30 metros. Bem, acho que o jogo de ontem e mais uma vez, a prova pelo exemplo. Estou convencido de que a contribuição de um jogador mais criativo como Fábio Vieira mais cedo no jogo teria sido mais benéfico. Enfim, espero um dia ver o Sergio em outro campeonato com mais recursos para que ele consiga realmente construir uma equipe à sua imagem sem ser limitado pelo mercado.

    Peace

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