SpiderMancini: Romecoming

Imaginem que se encontram no Ponto A e que para chegarem a casa (Ponto B) têm de caminhar por um número infinito de metades da distância que já percorreram. Assim, se a distância original for de 5 kms, por exemplo, caminharão 2,5 kms, para depois caminharem 1.25 kms, para depois caminharem 0.625 kms… ad infinitum. Ficarão mais perto, é certo, mas nunca chegarão… a casa. O exemplo é puramente teórico de um ponto de vista físico, mas serve para relembrar as barreiras que a nossa mente cria quando traçamos um objectivo. E quem olhou para o espectáculo de arrogância das últimas semanas que culminou num delinquente deboche em Wembley, poderá facilmente relacioná-lo com o exemplo acima. Tentando evitar todas as barreiras mentais, os ingleses quiseram estar já em casa em modo teletransporte num fake it til you make it que acabou em tristeza. Mas isto foi a nação e o estado de mente que foi vendido pelos media e pelos influencers, e aceite pelos supporters com o intuito de fazer esquecer todas as amarguras vividas em torneios anteriores. Outra coisa – outra incomparável coisa – foi o comportamento irrepreensível da equipa, que fez durante este Euro ’20 lembrar muito mais o bulldog spirit que reconstruiu Inglaterra (e o Reino Unido) depois da II Guerra Mundial. Não é assim justo relacionarmos um comportamento grupal, quase tribal, que levou a um estado de euforia ilusório, com uma equipa briosa, organizada, talentosa e que mereceu chegar à Final deste Europeu.

Notas: Sofascore



E quando olhamos para a Itália não encontramos um país perfeito mas encontramos, como quase sempre, uma equipa que resiste às adversidades, às contingências, e se une para disputar este tipo de torneio. E, desta vez, com o incremento de jogarem um futebol em nada semelhante ao catenaccio que os remete ao título de vilões destes filmes, o Mundo do futebol não teve como não se encantar. E olhando para a Final perfeita para este Europeu, há que dar mérito aos de Mancini, ainda que para se por lá passar não possamos esquecer (como já dito) que os de Southgate não merecem ser conotados com o espectáculo e fogo-de-artifício que sempre os seguiu. Aliás, umas das coisas que surpreende foi olhar para como os three lions nunca se desviaram do objectivo, nunca se deixaram levar pela euforia que os rodeava, conseguindo até anular quase completamente os italianos na primeira-parte.

Esforço de Barella acabou por ser mais uma compensação à saída de Chiellini do que propriamente um acrescento à largura de que Shaw beneficiou. Barella envolve-se entre Lorenzo e Bonucci mas isso em nada alterou o espaço que o ala inglês aproveitou



Para isso foi obviamente nuclear o golo madrugador de Luke Shaw. Um tento que nos dá sensação negativa, a nós portugueses, de um déjà vu onde de repente vemos Robin Gosens completamente sozinho por 5 vezes seguidas. Mas olhando mais atentamente aperceberemo-nos que houve esforço italiano em conseguir a linha de cinco, e que essa quase que acabou por ser montada, mas que esse esforço acabou por não aumentar a largura. Nesse espaço, Shaw, como Gosens contra Portugal, haveria de conseguir o golo mais rápido na história das finais do Euro e dar ainda mais confiança para a Inglaterra de Southgate arrancar uma primeira-parte onde secou a bella Italia. Não que a squadra azzurra não tenha assumido as despesas e tentado criar, mas a disposição táctica de Southgate aliada às carraças Kalvin e Declan (sempre muito ajudados por Kane, Mount e Sterling) conseguiram manter por muito tempo a Itália longe de Pickford. E quando isso não acontecia, surgia o 541 a erguer-se sobre Insigne, Chiesa e Immobile num esforço estóico que permitiu pouca ou nenhuma criação à Itália nos primeiros 45 minutos. E nos momentos mortos outra montanha inglesa se ergueu: Harry Kane esteve em todas. E se sem bola já o dissemos, a pouca que a Inglaterra ia tendo deveu-se à enorme capacidade de Kane para segurar, proteger, tocar ou ganhar metros. Absolutamente incrível e muito para lá de todo o ódio que os ingleses mereceram por parte do Mundo do futebol neste mês.

Esforço estóico dos ingleses na primeira-parte redundou em crateras na segunda. Bom jogo dos italianos tinha agora mais espaço para criar. Chiesa e Insigne agradeceram, mas foi (o golo de) Bonucci a validar todo o plano, toda a ideia.



Porém tudo tem um preço. E o de travar a Itália via pressing haveria de se pagar quando já corria a hora de jogo. Com Mancini já a operar modificações, Gary Southgate manteve-se confiante que a estratégia resultaria. Mas a falta de espaço que frustrou os italianos na primeira metade haveria de dar lugar a crateras que, agora sim, eram estradas para uma ligação com o último terço impossível antes. Um domínio que se tornou sufocante e que Southgate deveria ter antevisto mas que se tornou em inoperância. Porém, para validar qualquer sistema, plano ou ideologia faltará sempre a eficácia. A que Shaw teve e a que chegou aos italianos pela crença imbatível e ratice sensacional de Bonucci. A mesma que ninguém recusará por vir da bola parada e que agora valida todo um plano que assentou em muita coisa excelente mas que sem esse golo não levantaria a Taça.

E o que se seguiu, apesar de interessante, foi infinitamente mais fraco futebolisticamente do que o que o antecedeu. O suspiro de alívio italiano repôs os níveis de tranquilidade e foi ver Southgate recorrer agora ao banco para mudar para um 433 já sem os níveis de energia que sustiveram o plano na primeira-parte. Os golos que haveriam de acontecer em jogo jogado já lá estavam e tratava-se agora do querer marcar a pensar mais em segurar do que propriamente em criar. Algo que se arrastou até um prolongamento onde a falta de frescura manchou ainda mais o futebol praticado fazendo com que o desempate por penáltis se tornasse inevitável. Aí, mil teorias, novamente, se levantarão, sobrando a sensação de que é impossível recriar no treino as reações que algo deste género provoca nos jogadores. E se tenho que escolher alguma [teoria] fico-me com o desapego encantador de Donnarumma que nem sabia que (já) tinha ganho. Gianluigi II afinal já estava em casa! Aquele sítio que é onde il cuore está. Uns chamam-lhe a paz do Reino de Deus, outros a fé que é a substância de todas as coisas, mas para a maioria dos ingleses (exceptuando aqueles que estiveram em campo e fizeram parte desta boa equipa de futebol) foi algo como: Home: where you can say anything you want, because no one listens to you anyway!

Itália-Inglaterra, 1-1 (Shaw 2′; Bonucci 67′) 4-3 g.p.

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