Uma perspetiva alemã sobre o jogo – As ideias de Ralf Rangnick

“Infelizmente, vem um bom treinador para Inglaterra e para o Manchester United. É um treinador com muita experiência, que construiu dois clubes do nada. O Manchester United vai organizar-se em campo. Evidentemente, não é uma boa notícia para as outras equipas.”

Jurgen Klopp, treinador do Liverpool

A preocupação de Klopp é legítima: o Manchester United está interessado num dos melhores treinadores alemães dos últimos 15/20 anos e provavelmente o mais vanguardista metodólogo de treino/jogo desse mesmo país. Recentemente, o portal da UEFA publicou uma série sobre as ideologias futebolísticas de cada país e o episódio sobre o futebol alemão centrou grande parte das atenções na influência que Ralf Rangnick esteve no advento do futebol alemão moderno (energético, dinâmico, revolucionário no seu gegenpressing), serviu de inspiração para a vaga de treinadores que inclui J. Klopp, H. Flick, T. Tuchel e J. Nagelsmann, e ainda ajudou a alavancar um dos projetos de redes de clubes com crescimento mais acentuado nos últimos anos (projeto RedBull, com envolvimento mais direto com o RB Leipzig como treinador e diretor desportivo).

Para que se ter uma melhor noção de quais as ideias do treinador alemão, aqui ficam alguns excertos da sua participação recente em alguns segmentos do portal CoachesVoice:

  • Entreter com uma ideia – “um estilo de jogo muito pró-ativo, de pressão alta, de contrapressão, de ataques rápidos, contra-ataques, com poucos passes para trás e para o lado, excitante e que acima de tudo seja uma boa fonte de entretenimento. Por vezes, o adversário coloca dois autocarros à frente da baliza e força-nos a ter muita posse o que nos dificulta a gestão dos ritmos de jogo e criação de oportunidades. Se tens posse em excesso o teu jogo assemelha-se ao andebol e não chegas a lado nenhum – tens de estar preparado para fazer passes de risco e para que estes corram mal e surja a segunda bola.”
  • O trabalho de um treinador – “é ter uma ideia clara de como a sua equipa deve jogar. Os treinadores de topo têm na sua cabeça o vídeo do jogo perfeito da sua equipa e o trabalho do treinador é transferir esta ideia de futebol para dentro das cabeças, corações e veias dos seus jogadores. Isto é motivação: o transferir de um acreditar convicto numa ideia de futebol para os outros. Mas para isso é preciso ter uma clara noção de que tipo de futebol queremos jogar. Não é um bocadinho disto, um bocadinho daquilo, juntar um pouco de pressão – o que é um bocadinho de pressão? Não existe, é como um bocadinho de gravidez, uma mulher ou está grávida ou não está e tu ou queres pressionar à séria ou não.”
  • Sistematizar o jogo e o jogar – “é sobre controlar o jogo e nós temos 5 momentos que acabam por decidir o mesmo: o que acontece quando temos a bola (como jogamos contra equipas defensivas, contra equipas que nos tentam pressionar, tendo uma ideia muito clara de como queremos jogar quando temos a bola e essa é heavy metal, rock n’ roll, odiamos passes para o lado e para trás e ter a posse só porque sim), o que queremos fazer quando a outra equipa tem a bola (que tipo de informação e plano de jogo dou aos meus jogadores quando a outra equipa tem a bola), as duas situações de transição – o que acontece no momento exato em que perdemos a bola e no momento em que recuperamos a bola – e por fim temos as bolas paradas e se mais de 30% dos golos hoje em dia surgem de situações de bolas paradas, quanto tempo de treino deveríamos dedicar às bolas paradas? 30%. Mas sejamos honestos como treinadores: é isso que realmente fazemos?”
  • A transição como momento-chave – “não interessa onde a bola esteja, nós queremos recuperá-la e também descobrimos que não é apenas sobre onde recuperamos a bola (obviamente quanto mais alto no campo o fizermos mais perto estamos da baliza adversária e menos jogadores a outra equipa tem atrás da bola para nos prevenir de chegar ao golo) mas também sobre a intensidade com que o fazemos: quanto mais agressivos e intensos formos nessa recuperação, mais intensidade e ritmo vamos conseguir conferir ao contra-ataque subsequente e a probabilidade de criarmos uma ocasião sobe. Um exemplo: no meu último ano como treinador do RB Leipzig, mais de 60% dos golos que marcámos resultaram de uma recuperação nos 10 segundos prévios ao golo. E a mesma ideia pode aplicar-se quando perdemos a bola e a queremos recuperar: se sabemos que os primeiros 8 segundos pós-perda são os ideais para recuperar a bola então não vale perder tempo e todos os jogadores em torno da bola devem tentar recuperá-la.”
  • Criar condições para pressionar – “se pressionamos de forma agressiva e bem alto no campo, temos de garantir que os defesas (independentemente de se jogar com 2 ou 3 centrais) asseguram que os jogadores adversários que a outra equipa deixa na frente estão a ser marcados e de perto porque esses jogadores são os únicos que podem, se os deixarmos, controlar a bola deixando a sua equipa chegar e levamos nós depois com um ataque rápido. Isto é uma questão de treinar o cérebro deles porque é fácil para um central (e não tem necessariamente de ser muito rápido) de marcar estes jogadores adversários quando a bola ainda está na área contrária (e se for apenas um jogador, um estar à frente e outro na cobertura) e não é só uma questão de lhes dizer, é também uma questão de o treinar.”
  • A velocidade está no cérebro – “se queres aumentar a velocidade do teu jogo, tens de desenvolver mentes mais rápidas e não pés mais rápidos. O desenvolvimento traduz-se com o assimilar das coisas mais rápido, analisar situações mais rápido, decidir mais rápido e agir mais rápido. Nós trabalhamos na melhoria da memória espacial e do ritmo de processamento da informação – temos um simulador que permite aos jogadores reviverem situações de jogos anteriores como uma Playstation mas com os pés.”

Sobre Juan Román Riquelme 97 artigos
Analista de performance em contexto de formação e de seniores. Fanático pela sinergia: análise - treino - jogo. Contacto: riquelme.lateralesquerdo@gmail.com

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