Podes fugir (e marcar três) mas não te podes esconder (e não correr), Benfica

O Benfica-Inter, da passada quarta-feira, servirá de exemplo perfeito para se atestar a dualidade em que vive este Benfica versão 2.0 de Roger Schmidt. E à hora em que escrevemos este texto já toda a gente saberá que, com um hattrick de João Mário (assistido também três vezes por Tengsted), as águias voaram, toda a 1.ª parte, sobre um Inter que encarou a visita à Luz em modo gestão. Com este confronto de Champions metido entre jogos com a Juventus e o Nápoles, e já com a qualificação garantida, Simone Inzaghi procedeu a 8 alterações no onze que havia defrontado a Juve e criou a sua própria dualidade. Não sendo extremistas ao ponto de dizermos que tudo o que de bom o Benfica conseguiu na 1.ª parte tenha sido por falta de rotinas da Internazionale, convém assinalar o facto. E na realidade, seja qual for o peso no resultado dessa decisão de Inzaghi, o Benfica apareceu bem (como aliás há muito não se via) e parecia ter resolvido a questão bem cedo. Contudo, o barulho do falso alarme haveria de soar outra vez na Catedral encarnada quando o Inter resolveu chamar a si o propósito de rectificar um resultado criado por um Benfica mais ligado e intenso – características que perderia ao longo da maior parte da segunda metade.

Não será alheio a isso o facto de o Inter ter conseguido entrar no jogo. Se nos primeiros 45 minutos o Benfica (mesmo com uma linha de pressão mais baixa do que aquela a que nos habituou na época passada) conseguiu condicionar imenso as saídas do Inter e, até, dar-nos uns glimpses, daquela contra-pressão que partia a organização das equipas adversárias (ver 2.º golo de João Mário), já a segunda metade trouxe-nos a versão mais temida pelos adeptos. E ao longo desse período – que haveria de se tornar quase fatídico para as aspirações europeias dos encarnados – o propósito de o Benfica ser a equipa com identidade e cultura dominantes e pressionantes foi trocado pela segurança dos três golos, algo que, inevitavelmente, deixou crescer um Inter que tinha agora algo a provar.



Chegados aqui, talvez esta seja a melhor oportunidade para nos debruçarmos sobre esta questão. É que quer que falemos do jogo com o Inter, ou de qualquer outro jogo do Benfica nesta época, essa dualidade está presente. Em algum momento, em qualquer jogo desta época, o Benfica perdeu essa génese, essa marca, que estava bem presente na maior parte dos jogos da época passada. Dominando os tempos recorrendo à intensidade, pressão e contra-pressão, a exposição era muito menor daquela que se viu na 2.ª parte deste jogo, e daquela que se tem visto ao longo da época. E esse é o primeiro problema com que Schmidt se debate.

No lance do primeiro golo do Benfica é bem visível a descordenação da linha defensiva nerazzurri. Com a possibilidade bem real da bola entrar nas costas (bola descoberta) De Vrij retira profundidade e Bissack permanece estático. Algo que Tengsted aproveitou, assistindo depois João Mário – que fez o seu primeiro da noite.



E de facto, essa é a marca do treinador alemão. Um treinador que não veio parar à Luz por acaso e que, claramente, foi contratado pela marca que deixou na suas equipas. À cabeça estará obviamente aquela panela de pressão que foi o seu Bayer Leverkusen – e que deixou mossas nas equipas portuguesas que o enfrentaram, entrando aí na retina do futebol luso. Porém, e sem uma pesquisa exaustiva que torne como factos as ideias seguintes, devo dizer que o PSV que jogou na Luz contra o Benfica de Jorge Jesus, me chamou a atenção pela falta dessa característica. Não que não jogasse um bom futebol, bastante organizado e apoiado, ofensivo e de domínio (superiorizando-se até nesses duelos contra as águias – fora o resultado). Mas essa característica (da intensidade e pressing constante), tão importante nos clubes grandes portugueses (pelas características da Liga e pelo gap que existe em relação aos tubarões europeus) não estava definitivamente lá [no PSV], como não está nesta nova versão do Benfica.

Não que o Benfica não tente condicionar, entenda-se. Condicionar tenta sempre, seja mais alto, mais baixo ou médio, há uma tentativa de condicionar (ainda que infrutífera na maior parte do tempo). Mas a falta de ritmo, intensidade e regularidade nesse momento baixou abruptamente – a exemplo, se quisermos, deste jogo frente ao Inter, da primeira para a segunda metade.



As razões para isso poderão ser, obviamente, várias. Contudo, recordo que as características dos jogadores que tão bem mantinham esse ritmo, essa regularidade, essa génese no jogo encarnado, não eram assim tão diferentes. Na realidade, muitos dos que operavam essa pressão são os mesmos que agora a baixam sucessivamente para níveis não condizentes com as expectativas do clube. Aqui, regressar à base para chegar à raíz do problema poderá ajudar-nos a ter maior clareza do mesmo. A saber, da melhor versão encarnada na passada época saíram Gonçalo Ramos, Enzo (em Janeiro), Grimaldo e Florentino (do onze, já no final da época passada). Sendo que a época oficial iniciou com a Supertaça, não será descabido pensar que a escolha desse onze (sem ponta-de-lança) condicionou a tal génese logo à entrada. Estavam lá João Mário, Rafa e Di Maria (jogadores que provocam dúvidas nesta questão) mas não estava um ponta-de-lança (Rafa e Aursnes foram assumindo essas funções). No meio, Florentino foi relegado para o banco e João Neves e Kökçü (outro dos que deixa dúvidas em relação ao ritmo necessário) assumiam o miolo. E como sabemos, a primeira metade desse embate frente ao FC Porto não correu especialmente bem ao Benfica. Porém (e é aqui que quero chegar com este flashback) os segundos 45 minutos foram, sem dúvida, o melhor momento do Benfica na época. Pelo adversário (algo que na época passada falhou, sendo que o condicionamento a Porto e Sporting nunca foi evidente) mas sobretudo pelo ritmo, pressão e pelas recuperações altas. E para que isso acontecesse apenas se trocou João Mário por Musa, e Jurasek por Ristic, ao intervalo. E como a época passada demonstra, João Mário não tem que necessariamente ser preterido para a equipa ter um nível aceitável de ritmo e domínio sem bola. Mais à frente, Florentino faria a sua aparição no jogo e Chiquinho entraria por Kökçü (70′). Tudo isto já depois de o Benfica ter invertido o domínio do jogo, ocupando o meio-campo do FC Porto, o que contrastou com a tal 1.ª parte onde o Dragão esteve algo por cima (pelo menos nesse aspecto).

O jogo da Supertaça é um claro exemplo de que o problema do ritmo do Benfica pode ser a falta de foco. Com Rafa, Kökçü e Di Maria no onze, os encarnados jogaram no meio-campo portista, condicionaram e recuperaram alto, construíndo nesse período os dois golos que lhes valeram a conquista do troféu. A regularidade do ritmo, as características dos jogadores, não são falsas questões. Mas o foco e o ênfase no ritmo parece ter sido de alguma maneira perdido, visto que baixou imenso (para níveis não comportáveis) ao longo da época.

Obviamente que a escolha dos jogadores terá um peso nesta questão. Não o nego. O que pretendo que se discuta é se o Benfica precisa realmente de se tornar uma equipa indomavelmente física para conseguir níveis aceitáveis a condicionar saídas e a reagir à perda, enquanto protege a sua linha defensiva, provoca mais transições defensivas ao adversário e joga mais perto da baliza do adversário. E a meu ver, não me parece imperativo que todos os que deixam dúvidas nesse momento tenham de sair porque a maior parte deles já demonstrou, na época passada (como na 2.ª parte da Supertaça e na 1.ª deste jogo com o Inter) que o consegue. O problema, obviamente, será a regularidade nesse momento. É que como repararam estamos aqui a falar de momentos de jogos e não de jogos como um todo, onde o Benfica (até contra o Famalicão) tem extremas dificuldades em controlar um jogo, condicionar, dominar e criar a partir de organização ofensiva e provocando transições defensivas aos adversários).

A oscilação no ritmo foi também evidente na montanha-russa que foi o jogo com o Inter. Ritmo mais elevado na 1.ª metade (ainda assim não tanto como na época passada ou na segunda parte da Supertaça) seguido de um período de hibernação. Só com o orgulho a defender e com o trauma bem presente pôde o Benfica voltar a elevar a intensidade. Algo que foi feito em reação ao resultado e não numa ação que deveria ter perdurado ao longo de todo o jogo, como identidade da equipa.

Trocando todos esses jogadores, a possibilidade de um Benfica fluido e que deixou marca positiva pela mobilidade também desapareceria. Mas, a meu ver, será importante que se tenha maior ênfase na importância de marcar esse ritmo. Não durante dez minutos, não durante meia-hora, não durante uma parte. Mas sempre – algo que obviamente não tem acontecido. Esta tentativa, essa ordem (se quisermos) separará o trigo do joio. Aqueles que o conseguem fazer durante a maior parte do tempo de um jogo (sem meter em causa a mobilidade e ligação fluida com bola) serão obviamente aqueles que terão de jogar (um pouco como aconteceu na época passada, onde durante grande parte da época o onze era sempre o mesmo). Mas não havendo ênfase total nesse momento, acontecerá como tem acontecido nesta época: praticamente já todos tiveram a sua oportunidade e todos, sem excepção, se têm apresentado um nível, ou vários, abaixo daquilo que se sabe que conseguem fazer. E essa procura do ritmo elevado (com bola e sem ela) ao longo dos 90 minutos não parece ser a prioridade, a principal ideia deste Benfica. Algo facilmente comprovado neste Benfica-Inter, onde o Benfica cheirou o sangue de um Inter sem rotinas e, a seu gosto e porque sim, aumentou o ritmo, sendo que na 2ª parte, já com a presa na boca, relaxou. E depois, aquando do 3-3, voltou a aumentar o ritmo (como o fez na entrada para a 2.ª parte em San Sebastian, já com o jogo perdido) em reação, sempre ao resultado e da perda das expectativas. Ou seja, este Benfica liga-se em reação e não em ação. Desperta sempre quando o trauma está perto da realidade (o trauma de estar a ganhar 3-0 e poder perder o jogo, o trauma de ser goleado, o trauma de poder não ser a equipa mais forte de Portugal…). Mas ao reagir, fá-lo em esforço, de mente fechada por medo. Não corre por certeza, corre por dúvida. E o erro fica mais próximo, o jogo fica mais caótico. Em suma, o Benfica tem de novamente encontrar o seu ritmo. Quem não o conseguir manter, dará lugar a quem o mantiver (sem perder fluidez com bola) e o objectivo terá obviamente de ser criar essa génese novamente e manter esse nível a todo o custo, por cima de tudo o resto.

Isto porque hoje, o objectivo do Benfica não é encontrar esse ritmo, é, muito basicamente, fugir a desilusões. E quando assim é, não se marca ritmo. Marca-se passo. Este parece-me a intenção apropriada para um Benfica que tem um treinador que já deixou fugir esse foco anteriormente e que tem jogadores com tendência a esquecerem esse foco, tornando esta época num déjà vu de épocas que acabaram com Nelson Veríssimo ao leme. E para fugir a isso, o foco terá de estar no processo de encontrar esse ritmo novamente e não num resultado (títulos) que não vai (vão) aparecer… sem esse ritmo.

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