Mourinho, a final da Liga Europa. O que eles podem e querem dar. Ainda o modelar e o desmontar.

O importante era deixá-los sem conforto mental, criar instabilidade.

Referiu Mourinho sobre a estratégia específica preparada para a final da Liga Europa.

Aqui, o Luís Cristóvão havia abordado aquele que é um princípio fundamental para se vencer um jogo. “Incomodar o adversário, princípio dos jogos colectivos”.

“O incómodo causa-se no adversário com o recurso a opções que este não tenha o hábito de enfrentar ou que tenham sido propositadamente preparadas para o enganar…. pequenas armadilhas têm o efeito, sobretudo mental, de retirar o adversário do seu espaço de conforto, fazendo-o duvidar, fazendo-o perder a confiança no seu plano inicial… ”

“Por isso é que as seitas, em busca de uma verdade digna de um Santo Graal, tendem a um discurso definitivo sobre os acontecimentos. Ou é verdade ou é mentira – e dentro da mentira cabem todas as análises que não se adaptam à verdade que defendemos. O problema é que mesmo para que possam perceber a verdade que defendem, falta-lhes o essencial. Conhecer o que acontece dentro da equipa. Conhecer as relações entre equipa técnica e jogadores e entre estes. Conhecer as opções que o treinador terá tomado, como as discutiu e como as transmitiu aos jogadores.”

…deixávamos que saíssem a jogar, mas bloqueando o central direito, e deixando a bola ir para o esquerdo, o Sanchez, que tinha mais dificuldades. Depois mudou a orientação do triângulo do meio campo, para encaixar no dos holandeses, que saíam a jogar através dum “seis”, colocando dois médios à frente. Isso obrigava a que Sanchez lançasse uma bola longa para a frente e ai estávamos tranquilos…

Não obrigámos o Pogba a seguir as desmarcações do Klassen por lhe faltar disciplina mental para isso. Pusemos o nosso lateral a fechar bem por dentro esse espaço no corredor central, e caso a bola entrasse no corredor lateral, para o extremo, o lateral saía e era o Herrera a fechar o espaço no meio. Mas o que interessa é os jogadores perceberem, especialmente defensivamente, porque aí não há espaço para dúvidas – Criatividade defensiva só em situação de emergência!

O lado estratégico da final da Liga Europa. Muito abordado por cá. Aqui e Aqui. E a adaptação também aquilo que os seus jogadores podem e querem dar! (Pogba sem disciplina mental para…)

” O Manchester United venceu porque estava mais preparado para vencer.

Um jogo tremendamente aborrecido por dois factores chave. 1) A forma como o United abordou o jogo. Não é bem uma crítica à competência. Se Mourinho sabia o que aconteceria no factor chave dois, e sabia-o, porque como ninguém conhece adversários e prepara os jogos, importava mais vencer novamente um troféu europeu e voltar à Liga dos Campeões, do que se propor a um jogo que lhe deixasse mais dúvidas sobre o resultado final. Ou seja, a crítica é ao bom gosto!”

Numa final há uma tensão diferente, e independentemente da experiência dos jogadores, eles vão pensar menos, por isso alguém já tem de ter pensado por eles antes para se sentirem mais livres. O que interessa é a equipa ficar confortável. Preparamos melhor o jogo quando conhecemos as nossas fraquezas.

Todos diziam que o Ajax jogava muito bonito e o que interessa é a beleza do jogo. Para mim bonito é não dar ao adversário o que ele quer. Até brinquei com o Smalling “Com esses pés não vamos sair a jogar curto”, revela, explicando a ideia principal em organização ofensiva “Acho que foi ai que ganhámos o jogo. Na primeira fase de construção nunca jogámos dos nossos centrais para os médios, porque eles eram muito perigosos a recuperar bolas de forma alta. E eles não ganharam uma única bola no nosso meio campo assim. Se a bola não está lá, eles vão pressionar o quê?

Exactamente o que o Luis já havia abordado no texto “As finais não se jogam, ganham-se”. “Um Ajax preparado para exercer o seu pressing alto, esperando chegar ao golo num erro em posse de um defesa do United, e com que plano surge a equipa de Manchester? Fellaini mais adiantado para servir de referência para o jogo directo. United sem arriscar na construção e Ajax porque não recuperou uma bola como havia planeado, sem uma única possibilidade de transitar para contra ataque. Idealizado por quem? Pelo mesmo que idealizou a forma de condicionar todo o ataque da equipa holandesa. Em organização ofensiva, o Ajax, uma das equipas mais interessantes da Europa, habituado a jogar contra zona, com rotinas que promovem a recepção e enquadramento nas costas dos médios adversários, viu-se num jogo totalmente contrário ao que está mais habituado. Como entras nas costas dos médios se eles te marcam individual (e portanto não saem eles das tuas costas)?”

E a curiosidade da adaptação do seu jogo ao que são capazes de dar os seus jogadores. Precisamente, aquilo que Vitor Pereira confessou ter aprendido na experiência na Alemanha. Queria andar para a frente (desenvolver as suas ideias de sair a jogar e bola no pé) e só andava para trás (não conseguiu implementar o que pretendia e não preparava aquele grupo para outro jogo), confessou, enquanto falava também da frustração que sentia por não ter jogadores capazes e com vontade de adoptar o seu estilo.

Também o último treinador campeão no FC Porto na sua palestra referiu que o importante estrategicamente para cada jogo era não dar aos adversários o que estes pretendem e os deixa confortáveis “Se gostam de banana, não é banana que lhes vamos dar”.

Há treinadores que não querem saber do adversário, mas não sou assim. Fui dos primeiros a falar em modelo de jogo e para mim na altura havia apenas um sistema e um conjunto de princípios. Agora já acho o modelo muito mais estratégico, por isso no início da época treino mais do que um sistema e mais do que uma forma de jogar.

Era muito fundamentalista quando era mais novo, agora sou mais pragmático, mais estratégico e menos arrogante.

Quando cheguei ao Inter apercebi-me da contradição das ideias que tinha e a equipa que tinha para fazê-lo. Os defesas eram trintões e ninguém queria jogar com um bloco alto, com espaço nas costas, como jogava no FC Porto e no Chelsea. Tentei, tentei, tentei, mas não consegui. Teve de ser um bloco baixo.

No texto anterior, aqui “O caderno desactualizado. O desmontar e o modelar”, muito abordei o facto de o modelo ser sempre fruto das ideias do treinador, mas daquilo que os jogadores podem, conseguem e querem dar! 

“Hoje, percebo claramente que o modelo de jogo é sempre a interacção do que o treinador idealiza com o que os jogadores conseguem e querem dar! Se a equipa se comporta de forma X ou Y, tal não significa que seja essa a forma como o seu treinador vê o jogo. Porque nunca se consegue a cem por cento desmontar jogadores com experiências anteriores relevantes. E porque tantas vezes os que cumprem com tudo são ainda assim inferiores e a equipa fica menos apta a vencer, do que utilizando os que não cumprem.”

Na palestra de Vitor Pereira, o seu confessar das dificuldades em desmontar jogadores com demasiadas experiências anteriores, a fazer diferente. Não se consegue, afirmou o ex treinador do FC Porto.

A cedência (ou não) nas ideias é o que distingue os treinadores. Ou és fundamentalista ou tentas adaptar-te

Os poetas sonham com coisas que nem sempre são possíveis. O que interessa é o jogador estar confortável com o que joga e estar feliz.

Nos cantos ofensivos determinamos que deixavamos dois defesas e o Mik a meio caminho. Há um canto e começo a ver que estava o Herrera cá fora e o Mik na área. Até tenho vergonha como treinador de admitir isto, mas não pensei naquilo. Depois o Herrera explicou-me “O Mik já tinha amarelo, assim se fosse preciso fazer uma falta, fazia eu”. No canto o Mik fez o dois a zero. No final, são sempre os jogadores que decidem como vão jogar.

O mais importante são as ideias, e depois há diferentes modos de pensar. Há treinadores que são muito mais radicais. Eu sou humilde no sentido de perceber que as minhas ideias não são as mais correctas em função de determinado objectivo ou em função do material humano que tenho à disposição. Dou-te um exemplo. Há quem diga que “As minhas equipas pressionam todas alto”. Eu não tenho essa arrogância. As minhas equipas pressionam de acordo com as características do adversário e de acordo com os meus jogadores.

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Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

5 Comentários

  1. “Por isso é que as seitas, em busca de uma verdade digna de um Santo Graal, tendem a um discurso definitivo sobre os acontecimentos. Ou é verdade ou é mentira – e dentro da mentira cabem todas as análises que não se adaptam à verdade que defendemos. O problema é que mesmo para que possam perceber a verdade que defendem, falta-lhes o essencial. Conhecer o que acontece dentro da equipa. Conhecer as relações entre equipa técnica e jogadores e entre estes. Conhecer as opções que o treinador terá tomado, como as discutiu e como as transmitiu aos jogadores.”

    Esta é sem dúvida uma boa resposta, mesmo que nada intencional, ao pedido que eu fiz em comentário ao post do Nuno.

  2. Ya é isso é a seita do Nuno,

    – só há uma forma de jogar em equipa e o resto é lixo, se não for outro adjectivo ainda pior: sinceramente não há paciência para ditadores e gente tão chata, que escreve 20 parágrafos para repetir o que já escreveu duzentas vezes, e voltou a anunciar nas primeiras dez linhas, ainda por cima sem qualquer espaço para discussão ou debate),

    e a seita do Mourinho

    – vale tudo para ganhar, até mesmo não ter ideias. Às vezes dou por mim a pensar se o Mourinho não terá gozo nestas parvoíces, em encher o peito porque passou o jogo todo a bater bolas na frente só para os outros não pressionarem, só para lixar os gajos? “Esquecem-se” sempre olimpicamente de nos trazer o contexto óbvio para todos: o tal que não tem estaleca mental para andar a correr atrás de um madiê o jogo inteiro – realmente não tem, nem ele, nem eu, nem metade dos outros todos, pelo menos – custou apenas 110 milhões de euros no último verão europeu. Então eu vou para a guerra com o exército americano, onde até os pentelhos dos generais são cortados com tesoura banhada em ouro, artilhado com os maiores bichos e melhores operativos por chão, ar e mar e chego ao combate e fico à espera deles? Para lhes ganhar com uma fisga de caçar rolas? No mínimo, sou um general merdoso: que na realidade é a única crítica assim óbvia às equipas do Mourinho. São merdosas, são feias, não têm estilo, não têm ideias, a única ideia é ganhar agora e amanhã já se vê!

    (Vocês podem decidir-se, por favor, e ser mais assertivos, ao invés de andarem aqui a bater palmas ao diabo e ao bom deus ao mesmo tempo? Obrigado.)

  3. Já tive a discussão mais do que uma vez e agora vejo a resposta e o motivo (que eu nunca tinha percebido). Mourinho muda no Inter e não no Real. Quantas e quantas vezes tive discussões por causa disso.

    E para o ano, o ‘Naited’ papa mais alguma coisa?

  4. “Criatividade defensiva só em situação de emergência!”

    Caro Paolo Maldini

    Uma vez o João Pinto evitou o canto atirando à barra.

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