Lições sobre processo: O jogo, o treino, os jogadores e o treinador

Domenico Tedesco tem apenas trinta e dois anos, e é o líder do Schalke 04, o actual segundo classificado da Bundesliga.

Sem receios, abriu o jogo e de forma fantástica proporcionou um sem número de aprendizagens a quem pretende saber mais do jogo, do treino, e sobretudo da importância da simbiose treinador – jogadores.

 

Como consegues que os teus jogadores se posicionem de forma tão perfeita?

Em primeiro lugar, é preciso muita prática, especialmente dos jogadores. Prática, prática, prática, visualização de vídeos e, novamente, prática, prática, prática. O mais importante é o trabalho que colocas no campo. Se os jogadores devem permanecer alinhados, precisas de alguns pilares. Precisas de alguém na parte de trás que vigie a posição da linha. Atacantes que decidem quando pressionar. Médios que dizem: “Quando avanço?” Há três, quatro comunicadores que gerem a equipa no campo. Nós falamos sobre isso com os jogadores… esperando que no fim do dia tudo esteja tão perfeito…

Neste jogo (Schalke x Freiburg) vemos o Weston McKennie a avançar e a trocar o controlo pelo pressing. Isto aconteceu várias vezes neste jogo. Falas sobre isso antes, ou são os jogadores que tomam essas decisões?

Falamos antes…

Quão detalhadas são as indicações que eles levam?

Deve ser claro qual o jogador e em que situação activa a pressão… Qual é o indicador? Que passes realizados pelo adversário devem ser reconhecidos como um sinal? Por exemplo, há oponentes que usam dois defesas centro que se posicionam com muita largura. Quando passam a bola entre eles, a bola percorre uma distância relativamente longa. Isso significa que a bola está solta há algum tempo. [Tedesco bate palmas.] Estes são os melhores momentos para pressionar…

E os indicadores são diferentes para cada adversário?

Nós temos indicadores gerais… mas variam muito de jogo para jogo

Mas, como o treinas?

Nós treinamos muito o ataque a defender… Podes até treinar num jogo de Andebol com as mãos. [Exercício de aquecimento típico em que os jogadores devem jogar a bola com as mãos para que um companheiro possa finalizar de cabeça]. Se jogas como no modelo, então os defesas param logo na frente do portador com os braços, assim como no Basquetebol. Aplicas a regra que diz que “se eu toco no jogador que tem a bola, eu ganho a posse”. Então os jogadores circulam.

 

Por video, a “troca” do controlo pelo pressing, explicado antes no Lateral Esquerdo, neste texto .

Disseram que és muito bom a envolver os jogadores nas tuas considerações tácticas. Como fazes? Sentas-te com os jogadores e explicas as tuas ideias, exactamente como está a fazer aqui connosco?

Sim, regularmente. Os jogadores são aqueles que precisam entender e executar. Volte para o exemplo anterior (Num 442 losango, quem sai na bola, quando esta entra no lateral contrário?): Tu és o meu 8. Sempre, que a bola entra no lateral tu tens de te mover em direcção a ele. Eu poderia te dizer, esse é o meu plano, e está feito. Mas depois chega a prática e percebo que fazes a primeira vez, fazes a segunda vez. Quando chega a terceira vez começas a ofegar… e depois da quarta vez sinto que já estás farto…

E não por exaustão…

Não… simplesmente porque eles não podem estar aborrecidos. Quando eu digo a eles que vamos fazer isto na partida no sábado, já saberei que depois de 20 minutos, não irá funcionar… Eu já o vi em treino!

Há treinadores que pensam sobre isso de outra forma. Diriam que eles têm de se aguentar…

Eu… se vejo algo assim, pergunto ao número 8 “Qual é o problema.” “Mister, as distâncias são muito longas.” E agora estamos numa discussão… Agora eu posso dizer: “Tudo bem, então posiciona-te um pouco mais aberto.” Então ele tenta isso duas vezes e diz: “Mister, isso não faz sentido”. Então pergunto novamente: “Qual é o problema? Talvez o atacante possa ajudá-lo, então ele não precisa sair lá de todas as vezes… apenas algumas.” E é assim que tentamos desenvolver uma ideia juntos. Isso é importante, porque se um jogador diz ‘sim’ no treino, ele também deve ser um ‘sim’ no jogo.

Que significa…

Treino táctico… assistimos imagens em vídeo e depois praticamos no campo. Depois, pergunto sempre: “Sentes-te confortável com o que preparamos? És capaz de o executar? Se eles dizem ‘sim’ … [Tedesco bateu na mesa.] Então eu vou confiar…. ele tem de funcionar durante a partida. Se não funcionar durante a partida, porque o oponente fez algo diferente, não é um problema…. ai, nós treinadores, temos que criar novas ideias e reagir… Mas se o oponente fez tudo o que esperávamos e ele não o executou correctamente… eu vou perguntar no dia seguinte: “Por que não funcionou? Qual foi o problema? “E é assim que evoluímos. Os jogadores, no entanto, têm a oportunidade de dizer: “Não funciona, precisamos de uma ideia diferente”.

 

Vale a pena conhecer: (aqui)

 

No texto “O mapa, os jogadores, e o melhor modelo de jogo do mundo”, aqui, já havia abordado uma série de questões desta natureza, relacionadas com a humanização do treino mencionada por Júlio Garganta.

O modelo de jogo é um mapa. Não é um território! Há que negociá-lo com os jogadores.

Júlio Garganta na “The Tactical Room”

 

O modelo de jogo não pode nunca ser unicamente fruto da ideia de jogo do treinador. Tentar impor tal grau de rigidez é regra geral o primeiro caminho para o insucesso, até porque tal é inalcançável.

Por exemplo, é muito fácil identificar e concordar com os comportamentos que as equipas de Jorge Jesus apresentam, e imaginá-los num clube como o Real Madrid. Uma maravilha, certo? Ignora-se é o mais importante. Estariam jogadores daquele nível dispostos a tal rigidez? Teriam o rendimento que têm, sendo amarrados sem hipótese de escolher os seus caminhos. Seriam capazes e estariam interessados em cumprir na íntegra um jogo que não é o deles?

 

O treinador pode ver o que está a acontecer, mas o jogador sente-o! Porque não ouvi-los mais?

Podemos definir um futebol top e escolher os jogadores para a nossa maneira de jogar, mas quando temos à nossa frente uma equipa em concreto, temos de acomodar a ideia aos jogadores, ao contexto…

Júlio Garganta na “The Tactical Room”

 

 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

1 Comentário

  1. Imaginar a próxima edição da Bundesliga, o meu campeonato favorito, com Tuchel (Bayern), Nagelsmann (Dortmund) e Tedesco (Schalke) seria um sonho… Por acaso, porque segui o percurso do Vítor Pereira no 1860, já conhecia este treinador antes de chegar ao Schalke, porque o que ele fez no Aue em apenas 3 meses pode ser considerado um milagre. Tinham-lhe prometido um projecto que a médio prazo podia levar o Aue, que vinha da 3. Liga, mais além (remodelação do estádio, as primeiras contratações no mercado de verão também deixavam transparecer o dedo de Tedesco), mas quando surgiu o convite do Schalke, apesar da sua curtíssima experiência ao mais alto nível, foi-lhe impossível recusar. Antes disso, já tinha substituído o Nagelsmann nos sub-19 do Hoffenheim, mas, curiosamente, terminou à sua frente no último grau do curso de treinadores (foram os dois melhores daquela turma). Nagelsmann que uma vez disse que ser treinador era “30% táctica e 70% competências sociais” e dá-me ideia que isto se aplica na perfeição a estes dois. O treinador do Hoffenheim tem uma imagem que ‘vende’ melhor, em público parece surgir sempre muito mais à vontade que o seu colega Tedesco, e talvez por isso esteja destinado a liderar equipas com grandes jogadores (também já foi associado ao Bayern), compensando dessa forma o facto de não ser tão forte quando Tedesco (sempre com uma expressão mais fechada) naquilo que é o treino propriamente dito (não conhecendo a fundo, é apenas uma opinião baseada no que vou lendo/ ouvindo). Na 2. Bundesliga, e num país como a Alemanha, que vai dando cada vez mais oportunidades aos jovens treinadores, também vão surgindo outros nomes dos bancos muito interessantes. Um deles deve chegar em breve à I liga, o outro, já é um dos dinossauros da competição, mas ofensivamente, ninguém tem uma proposta mais atractiva que a da sua equipa.

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