O trânsito de Gales, na noite em que David bateu o Golias

Fez um trabalho fantástico em Sheffield e não vejo com qualquer surpresa a sua mudança para o Swansea. As equipas dele jogam sempre um futebol muito atractivo, e num dia bom, dão espectáculo. Espero que consiga a manutenção na Premier League

Ivo Pinto, sobre Carlos Carvalhal

As palavras reflectem sobretudo o que é o modelo que Carlos Carvalhal procura impor nas suas equipas. A matriz da qual parte para obter os resultados.

Independentemente daquilo que é o nosso próprio modelo, quando se defrontam equipas com características e mais do que isso, qualidades substancialmente superiores, o modelo é completamente insuficiente para vencer.

No texto “Porque não vencem sempre os melhores”, expliquei: No futebol, o jogo é sempre bastante mais difícil para os melhores do que para os seus adversários. Quando refiro o jogo, não me refiro ao “conseguir o resultado”, mas ao conjunto de situações que se enfrentam ao longo de uma partida, e que carecem de resolução para então se conseguir o resultado. Ou seja, um clube ou uma equipa melhor, acaba forçosamente a assumir as despesas do ataque, enfrentando sucessivamente situações contra mais opositores e em menor espaço. Já a equipa menos capaz, tem regra geral um jogo mais fácil para resolver. Mais espaço, menos oposição. Campo aberto! Naturalmente que os melhores, porque são bastante melhores, acabam por vencer muito mais vezes, mesmo tendo um jogo mais difícil. Mas é precisamente por ser o jogo composto por situações de maior complexidade de resolução para os melhores, que no futebol tantas vezes os menos aptos triunfam nos seus jogos.

Em suma, aqueles que dispõem de menos armas precisam de maximizar possibilidades, e preparar-se para dar o tal jogo com situações de maior complexidade de resolução para os adversários resolverem, para que as suas chances passem de 1 em 10, para 3 em 10. Continuarão a ser menos favoritos, continuarão a perder mais vezes. Mas, com a estratégia adequada, vencerão mais vezes do que as que seria normal.

Portanto, vencer um grande envolve sempre três variáveis indispensáveis:

  1. Modelo de Jogo. Um modelo bem estruturado. Pensado e que consiga garantir mínimos de qualidade nos posicionamentos em cada momento do jogo;
  2. Estratégia. Adaptações obrigatórias mesmo mantendo o modelo, em função das características totalmente diferentes do jogo. Diferentes porque perante adversários substancialmente melhor apetrechados;
  3. “Sorte” expressa numa eficácia que terá de ser invulgar e bastante superior à do adversário. “Sorte” porque consegui-lo nunca é fácil, e muito menos quando na frente a finalizar estão jogadores com menos capacidade que os outros, que para além de melhores ainda terão mais bolas de “golo”.

Quando és o Swansea e defrontas o Liverpool, não há outra forma de competir que não pela estratégia.

Identidade não é jogar sempre com os nossos argumentos expostos. Nenhum grande general faria isso… Estratégia é utilizar o que temos de melhor…

Francisco Silveira Ramos

Com tamanho desnível, mas sobretudo, com aquelas que são as características do Liverpool, possivelmente a melhor equipa, a seguir ao PSG a sair em ataque rápido do mundo, só pensando um jogo que contrariasse aquilo que de tão bom fazem, podia subir um pouco as probabilidades do Swansea. Mesmo que estas não passassem a ser de 50 / 50, não seriam pelo menos de 10 / 90.

O Liverpool é uma equipa de topo, um Fórmula 1. Mas no meio do trânsito de Londres, às quatro da tarde, esse Fórmula 1 não anda… Foi isso que tentámos fazer: obrigar o Liverpool a jogar de uma forma que não gosta.

Carlos Carvalhal

A comunicação e a analogia do técnico português, ao nível de como pensou o jogo, para reduzir um pouco mais as chances de Klopp vencer – Brilhante.

Quanto maior a dificuldade e o desnível, mais o lado estratégico do jogo importa. O Swansea tirou ao Liverpool o que tanto gosta, o espaço para as motas correrem após recuperações com campo aberto, e deu-lhes o tipo de jogo em que os “reds” se sentem mais desconfortáveis. A analogia ao trânsito que o Swansea provocou, e ao fórmula 1, não poderia ter sido mais assertiva.

Na noite de ontem o Swansea continuou a caminhar para uma recuperação na tabela que o possa levar para porto seguro. Contra todas as previsões, o Swansea bateu o pé ao todo poderoso e milionário Liverpool. Não o teria feito sem ter alguém de excepção a pensar em como o fazer, por trás.

Sobre a forma como na semana prepara os confrontos, a equipa técnica de Carlos Carvalhal, aquando da sua passagem por Sheffield partilhou com o Lateral Esquerdo como trabalha.  Vale a pena perceber como se trabalha no topo, e entender que mesmo os feitos mais improváveis, têm muito mais de inteligência do que de sorte. Embora precisem de ambos.

“A nossa preocupação consiste sistematicamente na evolução do nosso jogo e são as nossas ideias que orientam a planificação ao longo dos dias e das semanas.

Apresentamos o caso prático da semana 35 para dar-vos a conhecer a nossa  forma de operacionalizar, e exemplificar, o caminho que percorremos de um jogo ao outro.

A estrutura do ciclo semanal é determinada pelo número de jogos a realizar nessa semana. O exemplo que apresentamos refere-se a uma semana com apenas um jogo. Neste(s) caso(s) jogamos ao sábado,  folgamos ao domingo e treinamos de  segunda-feira a sexta-feira.

Iniciámos a semana de treinos com uma reunião conduzida pelo Carlos Carvalhal com o objectivo de elaborarmos o plano semanal.

Nesse planeamento semanal e, consequentemente diário, a organização dos conteúdos de treino são designados em relação directa com a evolução do nosso jogo e as características do próximo adversário, em função da estratégia eleita e, simultaneamente, estabelecendo uma relação própria entre o esforço e a recuperação.

 

Tendo em linha de conta os objectivos definidos e conteúdos a desenvolver durante a semana de treino, diariamente, preparamos e organizamos a sessão de treino, onde idealizamos e elegemos os exercícios a implementar no treino, hierarquizámo-los no sentido de haver a dinâmica e progressão pretendida e distribuímos as tarefas a realizar pelos treinadores.

 

Após terminar um jogo iniciamos, automaticamente, a preparação do jogo seguinte e tudo é realizado com a intenção de o vencer:

 

Na nossa ideia de jogo, em termos ofensivos, entre outras coisas, pretendemos sair a jogar por trás, em construção, e ter capacidade para ligar o jogo entre linhas. O vídeo seguinte demonstra bons exemplo do que pretendemos:

 

Na análise de desempenho com o Leeds United verificamos que, por vezes, não realizamos o melhor posicionamento nestes dois aspectos que consideramos importantes para o nosso jogo:

 

Na analise ao adversário verificamos que o Norwich, em organização defensiva, permite espaço e tempo na construção – devido à fraca pressão dos avançados – e espaço entre linhas para receber e jogar:

Em função da informação recolhida da análise de desempenho, e na análise do adversário e, tendo em linha de conta, as considerações estratégicas que possamos eventualmente utilizar, idealizamos os nossos exercícios.

Pretendemos que os exercícios tenham um máximo de continuidade e fluidez, respeitando a ligação entre os diferentes momentos do jogo. Assim, um exercício que sirva fundamentalmente para treinar a nossa organização ofensiva deve ter o momento de transição defensiva, eventualmente o momento de transição ofensiva após rápida recuperação da posse da bola, organização defensiva e novamente organização ofensiva.

Por outro lado, e respeitando a aleatoriedade do jogo, pretendemos dar‑lhe o nosso sentido em função das regras que estabelecemos e também através de feedbaks oportunos e que marquem emocionalmente o que pretendemos, sem de forma alguma “robotizar” os jogadores, bem pelo contrário, levá‑los a descobrir o melhor caminho:

 

Neste contexto competitivo em que passamos grande parte do tempo em recuperar para poder competir, numa semana em que apenas realizamos um jogo, é determinante não desperdiçar tempo útil de treino e, como puderam verificar, o nosso objectivo passa por criar contextos competitivos em que treinamos simultaneamente o nosso jogo, numa situação próxima da que podemos encontrar no próximo jogo e, como disse anteriormente, com diretrizes estratégicas:

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

10 Comentários

  1. Grande Carvalhal. Uma pena do caraças que os meus Hammers não tenham corrido o Slavo no início da época para o ir buscar. O Wednesday bem tentou mudar para melhor, mas os resultados não estão melhores, e o futebol está muito pior.

    Esperemos que se aguente na Premier.

  2. Se uma equipa pequena cá “mete o autocarro” contra um grande chora tudo, o Swansea ontem esteve com 11 nos últimos 30 metros durante 90 minutos e afinal foi fantástico.

    Mas se estamos numa de frases feitas cá, nem foi o Swansea que ganhou, foi o Liverpool que perdeu, não fosse a falta de acerto na decisão/finalização e a falta de criatividade/mobilidade em alguns períodos no ataque posicional, tinham goleado. Para não falar de “azar” e coisas do género que lances como o último também evidenciaram.

    • O Carvalhal levou a melhor estratégia para combater o Liverpool, que é o autocarro, mesmo quando tinham o Coutinho passavam dificuldades em ganhar contra equipas que se fecham atrás e não tentam sair apartir de trás. Olhando para os números o Liverpool rematou 21 vezes, sendo que 4 acertaram na baliza e um no poste. Se fosse um inglês se calhar tinha ido para lá jogar à inglesa e tinha levado uma rebocada ao não preparar a transição defensiva contra o Liverpool.

      Fala em azar, se jogo após jogo deste tipo o Liverpool falha em levar todos os pontos tem que ser mais que azar a condicionar a equipa, acho mais importante a “falta de criatividade/mobilidade” que é constante nestes jogos neste Liverpool neste tipo de jogos. Acho que é mais equipa de taça/Champions que de liga.

      Eu não gosto de ver autocarros(até comecei a ver o jogo ontem e desliguei), mas tem que se dar mérito se essa estratégia é definitivamente a melhor contra certo adversário.

    • Mas Vasco, não acabam por ser autocarros diferentes?

      O Swansea não abdicou de ir lá à frente, como por vezes se vê cá por casa, com equipas que ganham a bola na área e aqui vai chutão para o mais longe possível porque nós não saímos daqui, simplesmente ficaram mais atrás para não serem apanhados em contrapé. O Swansea não abdica de jogar o jogo, fê-lo sim de outra forma, parece-me.

    • ninguém ganha a uma equipa com jogadores 10000x melhores sem essa sorte, que falo no texto. A questão da estratégia é o que te permite candidatar-te ou não a vencê-la…

      Klopp ano passado deu 5 no Hull na 1a volta, na 2a já com M.Silva, perdeu… este ano com Swansea idem …

      em 2 anos 6 jogos contra Tugas na Premier, marcou em apenas 2 (logo o liverpool que marca como quase ninguém…)…. há sorte, sim… mas há muito mais do que isso…

      • Caso para dizer se o kloPP fosse treinador da liga portuguesa e,visto que não há treinadores estrangeiros…teria o pior ataque da liga!

        • Caso para dizer que o Klopp, mesmo à frente de um Über Borussia, dominava jogos na Bundesliga mas custava-lhe a conseguir números dominadores, expondo-se mesmo a levar umas quantas batatas e tendo de batalhar duramente por cada centímetro de terreno.

          As dificuldades do Klopp frente a equipas de portugueses, sendo confortantes para os treinadores portugueses, dizem muito mais da pobreza do treinador médio da Premiership.

          A questão é se um autocarro é sempre um autocarro, ou se podem haver autocarros diferentes.

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