Jogar com a cabeça

Frequentemente são atribuídas em público dificuldades no plano mental para justificar insucessos desportivos de um atleta particular ou da equipa. Comentadores, adeptos e por vezes também treinadores utilizam expressões como “estofo mental”, “falta de mentalidade”, “dificuldades de adaptação”, “pouca motivação”, “equipa pouco tranquila”, etc. Também para justificar sucessos o aspeto mental é muitas vezes salientado com “espírito de sacrifício”, “capacidade de liderança”, “não falha nos grandes momentos”, “equipa unida”, etc.

Numa fase em que o conhecimento académico nas várias vertentes do alto rendimento está acessível a todos e quando a informação é colossal, importa transformar os dados da ciência em ganhos práticos no terreno. Hoje, o conhecimento do treino, da medicina, da fisiologia ou da nutrição vai estando cada vez mais enraizado ao mais alto nível. Contudo, e apesar da importância informal que lhe é reconhecida, o trabalho mental é tratado ainda com uma superficialidade digna de uma não-ciência.

A Psicologia do Desporto é uma disciplina autónoma por direito próprio e possui hoje um corpo de conhecimento capaz de dotar equipas e atletas de estratégias eficazes na melhoria do rendimento. Não se trata de consertar quem está mal. Trata-se de utilizar ferramentas que ajudem a saltar da normalidade para a performance de elite, tal como todos os outros aspetos do jogo e do alto rendimento. Aperfeiçoar movimentos, atenção específica para a tarefa, níveis de ativação adequados, dinâmicas interpessoais ajustadas, controlo da ansiedade. São apenas uma pequena parte do trabalho em que o profissional do MENTAL pode atuar para que se compita em modo ótimo, seja de forma individual com os atletas, integrando uma equipa técnica ou orientando o líder da equipa nessas tarefas.

O âmbito das intervenções MENTAIS pode, por isso, ser coletivo ou individual. No caso de intervenções individuais, estas visam a melhoria do rendimento mas podem também servir para ajudar a ultrapassar doença psiquiátrica, caso exista, que esteja a comprometer a normal exibição das capacidades. Os atletas são humanos e ignorar que também podem sofrer de doença mental é reforçar o estigma e impedir que seres humanos em dificuldade se sintam disponíveis para procurar ajuda – infelizmente, os episódios quando são noticiados relatam o fim de situações difíceis em que não existiu a ajuda necessária. De qualquer modo, no alto rendimento, todas estas questões deverão ser integradas com a intenção da melhoria da performance desportiva e os profissionais envolvidos (treinadores, psicólogos, psiquiatras) deverão ter uma base sólida de conhecimento em Psicologia do Desporto.

Muitas vezes, pela experiência que a prática de largos anos confere, o treinador é capaz de intuitivamente aplicar as melhores estratégias para o problema. Aqui, claro, como nos outros campos do conhecimento “a teoria informa a prática e a prática informa a teoria”. Se, por um lado, uma área tão reconhecidamente importante não deve estar sujeita ao acaso e ao empirismo do dia-a-dia, por outro, é de suma importância que os profissionais académicos possuam o maior conhecimento possível sobre o jogo e treino no futebol.

O diálogo entre todos os intervenientes do futebol e a aplicação prática das ferramentas eficazes que a Psicologia do Desporto pode fornecer levam a uma verdadeira profissionalização do desporto, incluindo o TREINO MENTAL como rotina dos jogadores e das equipas.

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