Sinisa, o padrasto

Com a subida meteórica do reconhecimento europeu do treinador português, a nossa peculiar Liga tem agora o condão de recrutar poucos, ou nenhuns, treinadores estrangeiros. Compreende-se, até porque esse efeito-estufa tornou o campeonato português num lugar difícil de habitar por quem não o conhece de ginjeira. Para se ter uma ideia, um treinador que foi campeão da Europa no escalão de sub-21, que trouxe para Portugal jogadores com qualidade (formando um plantel fortíssimo com mais que uma solução para cada posição), que trouxe também uma ideia aceitável em termos de estratégia, não conseguiu ganhar a um Benfica que desinvestiu mas que confiou no skill de Jorge Jesus para conseguir o bicampeonato.

Lopetegui, que depois da experiência no FC Porto liderou La Roja até ao Mundial, sendo recentemente destituído do cargo por ter assinado pelo… Real Madrid, não percebeu algumas peculiaridades do seu próprio clube e da sua própria Liga – o que redundou em alguns pontos perdidos que o manteriam afastado do ceptro até à última jornada.

E bastou uma dessas opções – neste caso a excessiva rotatividade  – para lhe roubar aquele que seria um título normal para uma equipa com Danilo, Alex Sandro, Marcano, Casemiro, Herrera, Óliver, Brahimi, Tello, Quaresma, Jackson… mas na nossa Liga as equipas ditas pequenas reagem às mudanças no onze-base como piranhas ao sangue. Sim, há uma enorme reverência dos ‘pequenos’ aos onzes de gala (que permite goleadas atrás de goleadas) mas há também uma espécie de grito de guerra contra o desrespeito que é mudar a equipa guardando a base para jogos de maior importância. Assim sendo, a Liga ganha-se com o onze-base (mudanças só forçadas), ganha-se pressionando o mais alto possível (hoje todas querem sair limpo mas poucas o conseguem quando pressionadas por um grande) e ganha-se com enorme presença na área (joga-se com dois avançados auxiliados pelas chegadas de um médio, de um extremo e, em casos aflitivos, de um lateral).

Este é o padrão da era JJ-Vitória-Conceição. E não seria fácil a nenhum treinador do Mundo chegar a este rectângulo de jogo à beira-mar plantado e levar a Taça. Lopetegui teve impacto, e a outro nível Julio Velásquez também. Mas ambos saíram pela porta pequena. E para contrariar isso segue-se Sinisa Mihajlovic, o novo treinador do Sporting.

O que quer Bruno?

É ainda grande (cada vez mais até) a indefinição em Alvalade. Mas de tudo o que podem apontar a Bruno de Carvalho, a má escolha de treinadores não será certamente uma delas. Contudo não foi por escolhas acertadíssimas que BdC conheceu o sucesso. Esse ainda tarda, mas talvez por não o ter conseguido com estrategas como Jardim, Silva ou Jesus, o presidente leonino procura agora uma 2.a via. E uma coisa é certa, não será fazendo as mesmas coisas que se obterão resultados diferentes. Se esses serão acima ou abaixo de Jardim, Silva e Jesus, essa é a grande dúvida em relação a um perfeito desconhecido em Portugal.

O que pretende então Bruno com esta mudança de estratégia em relação ao treinador? Primeiro que tudo, pelos nomes que antecederam a confirmação de Mihajlovic, parece-nos que a principal preocupação é a de manter os jogadores numa certa linha. BdC não estará agora tão preocupado com estratégias e modelos, mas sim com questões comportamentais e de liderança. Porque outra razão estariam os nomes de Sá Pinto, Scolari e Mihajlovic na mesma mesa?

Referindo-se aos jogadores, Bruno de Carvalho fala constantemente em família e, neste momento, parece querer dar-lhes um novo pai. Assim, parece crível que o próximo técnico teria de ter um efeito extremamente aglutinador. Um pouco, se quisermos, como o efeito que Conceição teve no FC Porto. Será é cedo para se confirmar que Mihalovic possa dar esse elan positivo ao balneário. De trato difícil, o sérvio foi criticado por deitar facilmente abaixo os seus jogadores ao invés de os levantar. Consciente disso mesmo procurou estudar novas formas de liderança e discurso, sendo neste momento aquela incógnita que representa um padrasto: tanto pode ser fixe como uma pain in the ass.

E se essa é a primeira preocupação (a de aglutinar), obviamente que a segunda terá de ser o nível estratégico de uma equipa técnica que terá de ombrear com uma vasta panóplia de desafios. E aí, hoje em dia, será difícil encontrar alguém que não siga as tendências. Sinisa estagiou, observou e conviveu com Guardiola e Mourinho e, vindo da Liga que vem, certamente não será um básico. Nos tempos que correm será difícil encontrar um técnico europeu sem noções algo evoluídas de organização ofensiva, defensiva e transições. O problema, para todos, é saber como e quando usá-las. E a esse nível Mihajlovic parece, pela sua carreira até ao momento, partir atrás.

Pesquisando por Mihajlovic surgem várias palavras-chave: rejuvenescimento, identidade e citação. Por todos os clubes onde passou, o sérvio foi obrigado a consertar vasos partidos. E o padrão parece simples e igual: começa com dificuldades, opera mudanças, cria identidade, rejuvenece e… estagna.

Bologna, Catania, Fiorentina, Sérvia, Sampdoria, Milan e Torino. E em todos eles a história em comum. Raramente até ao fim, apontamentos interessantes pelo meio (várias mudanças tácticas, aposta em jovens, citações e metáforas nas conferências de imprensa) mas pouco ou nenhum sucesso. O que não quererá, à partida, dizer que o Sporting não será o sítio certo para Mihajlovic. Afinal de contas, que sucesso tiveram Zidane, Conceição ou Villas-Boas fora da sua zona de conforto? Será um tiro no escuro que assim seja em Alvalade para Sinisa. Mas, falando de futebol, nunca se sabe se esta não será uma aposta arriscada mas vencedora.

Fotos: https://runningtheshowblog.wordpress.com

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