Vias-Boas

Numa altura em que as palavras dos treinadores são usadas contra si próprios como armas de arremesso, raream as vezes que essas suas sentenças são usadas, por bem, para descodificar o que foi, ou o que aí vem. Mas neste caso o Marselha-FC Porto desta quarta-feira teve o condão de ser descrito atempadamente quer por Sérgio Conceição, quer por André Villas-Boas, tendo o momento sui-generis dos gauleses como pano-de-fundo. É conhecida a história recente do Olympique nos jogos de Champions mas é sobejamente esquecido que esta equipa carrega o peso de derrotas passadas. Às suas, desta edição, se lhes juntam outras, das quais Mandanda, Payet, Cuisance&cia não têm qualquer culpa. Mas às suas falhas vêem também ser associados os desastres passados do clube. Isto para, claro, lembrar que por mais que afines o modelo, por mais que afines a estratégia e as rotas, o momento mental e emocional dos jogadores tem um peso essencial na reprodução de ideias subjectivas para o relvado.



Assim, como Villas-Boas se fartou de lembrar nas suas antevisões e conferências, o Marselha automutila-se. Qualquer coisa que em ténis será visto como erro não-forçado, tem na equipa de Villas-Boas uma atração fatal. E Sérgio Conceição, jogando com isso, lembrou que se o FC Porto tivesse de baixar, assim o faria, privilegiando a segurança e a necessidade imperativa de não sofrer, para depois aproveitar erros que, naturalmente, surgiriam. E surgiriam naturalmente porque não marcando, o Marselha rapidamente caíria no limbo em que a espiral negativa de resultados o deixou. E não marcando, não só o número de jogos sem vencer o assolaria. Também o número de jogos sem marcar teve um peso absurdo nas contas do jogo que deixou os dragões com nove pontos e a um pequeno passo dos oitavos (olhe-se por exemplo para as oportunidades que Benedetto desperdiçou já perto do fim, para se perceber o nível anímico da equipa).

FC Porto alternou entre esperar num bloco médio e entre uma pressão adiantada que colocou dificuldades ao Marselha – especialmente perto da sua área. À medida que a 1.ª parte foi avançando os dragões sentiram-se mais confortáveis subidos no terreno

E fez-se assim a introdução deste Marselha-Porto a invocar o momento dos gauleses porque o hábito, para quem tem de vender cenários e criar emoções, é a de se catapultarem feitos para uma irrealidade que não costuma ter paralelo no futebol real. No seio do FC Porto se saberá, por exemplo e melhor que ninguém, que os mesmos 9 pontos não chegaram para garantir a qualificação em 2015 – sendo que as derrotas no Dragão frente ao Dinamo Kiev e em Stamford Bridge frente ao Chelsea deixaram a equipa de Lopetegui pelo caminho. Por isso, ao invés de exacerbar um belo resultado, convém pegar-lhe para antever o que aí vem: Manchester City em casa e Olympiakos fora. Jogos em que todos os cenários, positivos ou negativos, estão dentro das contas.

Bloqueio de Otávio determinante para Grujic ganhar a primeira bola – determinante também para que Zaidu pudesse abrir a contagem



Daí que seja um bom sinal o jogo adulto que o FC Porto fez em Marselha. Como referimos, os portistas não se coibiram de baixar linhas, de dar iniciativa, com um plano em mente. E uma equipa que se encontra na situação do Marselha tem, nesse cenário de protagonismo com bola, de encontrar o golo obrigatoriamente. Mas a letargia evidente nos jogos na Grécia e em Portugal (descontamos aqui o jogo com o City por razões óbvias) teletransportou-se de novo para o meio-campo ofensivo dos olímpicos. Poucas ideias e muita apetência para cair naquela planta carnívora que foi a organização de um FC Porto que, à medida que os da casa iam caíndo no desespero de nada criarem, foi subindo no terreno.

A criatividade de Payet trouxe maiores problemas ao azuis-e-brancos. Aqui, numa altura em que Corona fechava na lateral, Zaidu, do outro lado, foi fundamental e excelente a cortar uma bola com selo de golo



De organização ofensiva, ainda assim, pouco fluída (muitos repelões e hesitações que impediram os dragões de criar situações) o FC Porto conseguiu períodos de controle que lhe valeram, por exemplo, o pontapé-de-canto que resultaria no 0-1 (Zaidu). Mas, não interessando muito o que vão contar hoje sobre uma importante vitória forasteira, convém referir que ao FC Porto bastou esperar pelos erros de um Marselha novamente inoperante, facto evidente também na criação do segundo golo – que teve origem num lançamento lateral para a profundidade, que redundou num penálti convertido pelo cada vez mais líder Sérgio Oliveira. Ficarão assim como pontos-chave a segurança e o carácter de uma organização bem delineada (que resistiu também a jogar com menos uma unidade, marcando nesse período) à qual se lhe terá que subtrair a ingenuidade e incapacidade habitual do Marselha. Isto para não se embandeirar em arco em relação ao que aí vem: dois jogos que, aparte dos 9 pontos, continuam a ser de alto risco. E as hiperbolizações em relação a um jogo bem conseguido e de resultado altamente satisfatório distraem mais do que propriamente ajudam. Algo que num clube com ADN Champions não passará certamente despercebido, como não passará incauto o facto dessa seriedade e sobriedade permitirem ao FC Porto uma palavra a dizer nas contas do 1.º lugar do Grupo.

7 Comentários

  1. ‘Teremos muito orgulho, nós os portistas, se o Hulk jogar no Porto’

    ‘Sim, serei um dia candidato a Presidente do Porto’

    Palavras para quê? É um artista PortoGuês.

  2. “No seio do FC Porto se saberá, por exemplo e melhor que ninguém, que os mesmos 9 pontos não chegaram para garantir a qualificação em 2015 – sendo que as derrotas no Dragão frente ao Dinamo Kiev e em Stamford Bridge frente ao Chelsea”

    Uma retificação, na edição 2015/16 da Champions, o FC Porto à 4ª jornada somava 10 pontos, e não 9 pontos como erradamente referem. Em 15/16, um empate na 5ª jornada com o Din de Kiev chegava para carimbar os oitavos, todavia, essa derrota por 0-2 no Dragão, e nova derrota em Stamford Bridge “chutou” o segundo Porto de Lopetegui para a Liga Europa.

    A talhe de foice, na edição 2004/05, o FC Porto à 4ª jornada somava apenas 2 pontos, e estava praticamente eliminado, porém, nas duas jornadas finais, o Porto de Fernandez venceu em Moscovo o CSKA, e na última jornada venceu no Dragão o Chelsea de Mourinho, e, com 8 pontos seguiu para os Oitavos final.

    • Bem lembrado, Manuel. A situação é praticamente a mesma ainda assim. O Porto precisa de um ponto frente ao City. Achei que o recado se ajustava mas, sinceramente, fiz de cabeça (podia ter ido confirmar mas confiei que era como pensava).

      Forte abraço

      • ” A situação é praticamente a mesma ainda assim”

        Caro Brian Laudrup,

        Discordo, e explico, na edição 2015/16, o Dinamo de Kiev vencendo no Porto, e em casa o Maccabi na 6^jornada, só precisaria que o Porto não vencesse em Stamford Bridge.

        Nesta edição 2020/21, num cenário hipotético, o Porto perdendo ambos os jogos, ora com o City, e no Piréu, e o Olimpiakos em contraste, vencendo nas duas jornadas finais, ambos somariam 9 pontos, fórmulas de desempate, confronto direto, o Porto venceu o Olimpiakos por 2-0, teria de perder 0-3, ou 1-4 no Piréu para não seguir para os oitavos (recordo que o Olimpiakos marcou um golo em 360 minutos nesta Champions). Já no desempate por GA, FC Porto 8-3 (5 golos positivos), Olimpiakos 1-6 (5 golos negativos).

        Na minha opinião, o Porto está virtualmente nos oitavos, só precisa de ganhar ao “matemáticamente”, e sublinho, esta será a 16ª passagem aos oitavos, isto em 24 presenças na Champions, é notável. E como nada é bom, ou mau, se não for por comparação, recordo que a 2ª equipa Portuguesa com mais presenças na Champions (neste formato), é o Benfica, soma 15 presenças na Champions, e apenas 5 passagens à fase seguinte…

        “Isto para não se embandeirar em arco em relação ao que aí vem: dois jogos que, aparte dos 9 pontos, continuam a ser de alto risco.”

        Volto a discordar da sua expressão “alto risco”, os 2 jogos podem ser de alto risco relativo, já a passagem à fase seguinte não me parece de alto risco, como em cima expliquei.

        1 abraço

  3. Ou será que o Porto de Vilas Boas era uma super equipa que qualquer treinador mediano conseguiria levar á gloria? Vilas boas para mim é um projecto de marketing muito bem conseguido. ele é pouco mais que um treinador vulgar.

    • Se calhar estava no clube certo, com o plantel certo, com o contexto certo para activar o portismo (Benfica era campeão e havia que destroná-lo). Na vida dos treinadores não há só projectos certos. Não é por não atingirem sempre o nível do melhor projeto que são maus ou medianos. Onde é que o Zidane vai ganhar mais 3 champions?

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*