Comorbidades e Velhas Senhoras

E se hoje ligaram tanto à notícia de que o Duque de Edinburgo foi internado como medida de precaução como eu, talvez liguem mais à notícia de que uma Velha Senhora esteve nos Cuidados Intensivos do Dragão durante um largo período. E o ponto em comum entre as duas, é que as mensagens de força, tanto da Família Real, como as dos bianconeri, esbarram nas comorbidades encontradas pela realidade e não pelas narrativas. E se ainda se lembram do optimismo reinante ecoado de Turim em relação à enésima tentativa da conquista da Champions League desde 1995, e se o compararem com a prestação dos eneacampeões italianos frente a um competente Dragão, verão facilmente a diferença entre narrativa e realidade, entre desejo e possibilidade. Isto porque com dois tiros fugazes, quase furtivos e à traição, o FC Porto materializou um jogo quase perfeito. E mesmo que o destaque sejam os dois golos do par de avançados que Sérgio fez subir nesta quarta-feira ao relvado – apenas atenuados pelo solitário tento de Chiesa -, convirá imenso não esquecermos o restante conteúdo.

FC Porto ajustou sistema à altura da bola. Se a Juve encontrasse espaço no meio-campo ofensivo, ou no último terço, Corona juntava à linha defensiva. Algo que teve o condão para livertar o criativo para missões também elas bem importantes.



Esqueçam por isso alguns pontos essenciais em algumas derrotas amargas para os azuis-e-brancos na Europa. Entre eles, as desatenções, os erros não-forçados, as ofertas, e a predominância por escolher um só momento do jogo (normalmente a organização defensiva). E lembrando este último ponto, esqueçam a equipa totalmente recolhida que enfrentou o City no Dragão para a fase-de-grupos. Aquela que teve imensas dificuldades em sair, em ligar, em criar. Isto porque este FC Porto olhou olhos nos olhos a equipa de Pirlo, e nesse olhar matador encontrou comorbidades que a deixaram na dúvida. E bem assente num 442 – que desta vez só formava linha de 5 quando o adversário chegava ao último terço (Corona a fechar a lateral) – os dragões entraram logo a ganhar assim que cavalgaram para atropelar a saída-de-bola da Juve.

Não só no lance do primeiro golo o FC Porto foi pressionante. Foi-o a campo inteiro atropelando uma saída-de-bola bianconeri que revelou debilidades colossais


Aí, não se sabe o que Szczęsny e companhia esperavam, mas de certeza que não era o famoso pressing com que Conceição brinda os adversários. A confirmá-lo estão a cabeça, o pescoço e o olhar de Bentacur que, antes cometer o crime, olha para todo o lado menos para… Taremi. Uma espécie de oferta forçada criada por tentativas que foram tendo sequelas a todo o campo. Repetimos, o FC Porto meteu-se em bicos de pés, mirou o adversário e nele reparou que a vontade não era a mesma. E mais, a criatividade para romper linhas e forçar outra coisa que não o jogo exterior, também era inexistente. E pelo meio, com o FC Porto imponente em todos os duelos que se faziam acontecer, a Juventus asfixiava, sofria de febres altas e tinha os pulmões em falência. E pudesse o FC Porto ter capitalizado a ligação com os avançados (o que desta vez aconteceu mas só na etapa complementar) e talvez o colapso pudesse ter acontecido ainda hoje.

E a prova disso é que Marega e Taremi (importantíssimos e ultrabriosos no momento defensivo) só conseguiram acertar um dos seus passes nos primeiros 45 minutos. Números que contrastam com os duelos ganhos por cada um deles, e com (a título de exemplo) a estatística de um desaparecido Ronaldo – que em 19 toques averbou 11 passes certos. Importâncias da ligação para que o jogo altamente competente dos dragões pudesse subir (ainda mais) de nível. Outra prova inequívoca da importância disso mesmo é o claro exemplo de uma segunda metade onde a equipa de Sérgio Conceição subiu de produção nesse aspecto – de onde nasceu a outra entrada de rompante que fez emergir a ligação Manafá-Marega que aumentou a contagem.

Qual caruncho em madeira velha, a sociedade Manafá-Marega intrometeu-se entre central e lateral para daí (cada um para seu lado) arranjar espaço para o 2-0



A ordem não era então para descer linhas e esperar. A julgar pelo posicionamento, pela atitude, pela bravura e pelo aumento da qualidade com bola, a ordem era para matar a eliminatória. Não de uma forma desorganizada, não de uma forma descontrolada e não de uma forma tem que ser e tem que ser já, até porque o FC Porto ia subindo e baixando, fazendo linha de cinco ou de quatro, quando mais lhe convinha, ao mesmo tempo que Corona, Otávio e Sérgio (com o limpa para-brisas Uribe por trás) contrastavam com aquelas indecisões e paragens cerebrais que tanta vez vemos as equipas lusas cometer na Europa. E com qualquer tipo de amedrontamento completamente ultrapassado e a léguas daquelas corajosas feições, o FC Porto teve o 3-0 nos pés de Sérgio Oliveira. E quando não teve esse tipo de vantagem nos pés, foi sabendo não complicar, temporizando para aparecerem espaços, não se perdendo por linhas de passe complicadas.

FC Porto não conseguiu corresponder à extrema largura no golo da Juve. Optando por sistema híbrido haverá acções em que os jogadores não chegaram a tempo de formar linha de cinco (Luis Díaz já havia sido visto a tapar essa zona). E não podendo (o que é normal) a jogada fica dependente do que o lateral (Zaidu) pode ou não fazer. Chiesa, num movimento sub-reptício, terá conseguido escapar ao radar do nigeriano


Mas um Adamastor é sempre um Adamastor. E mesmo nos Cuidados Intensivos a Juve arranjou maneira de capitalizar o alarmante sintoma de não conseguir entrar no bloco portista, para na única distração evidente dos dragões levar o golo fora que nunca fez por merecer. Um golo que acaba uma impressionante série de horas (nove e alguns minutos) do FC Porto sem sofrer golos na milionária competição. O último havia sido no Etihad (Ferrán Torres) após jogo que havia também mostrado a alma, a mestria táctica, e veneno nas saídas. Este foi mais longe (momentos de circulação mais longos e competentes a juntarem-se à festa) e para além de ser a primeira vitória do FC Porto frente à Juventus, abre (e de que maneira) o apetite para a deslocação a Turim.

Revendo o primeiro golo podemos observar Bentacur a mover a cabeça para se aperceber de Oliveira e Marega mas fica a dúvida se o campo de visão terá abrangido o raio de ação Taremi

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