Descoberto(s)

Muito do que gira à nossa volta resume-se a uma, e só uma coisa. Todos os desfechos que auguramos, todos os resultados que almejamos, todas as expectativas que perseguimos, se resumem à produção de um sentimento. Assim, em futebol como na vida, uma vitória produz um sentimento de felicidade. E a razão porque grandes massas de adeptos seguem um clube que lhes dá chances de vitória, não se iludam, é mesmo essa: a possibilidade de criar esse sentimento, que o adepto em si mesmo não consegue (ou acha que não consegue) criar por si mesmo. Quer isto dizer que a necessidade da sua equipa obter certo resultado para a produção desse sentimento se torna obrigatória. Ora, isso criará a necessidade da narrativa dos líderes desse clube se tornar, pelo menos, parecida às expectativas de quem faz (ainda que não se dê conta, muitas vezes) com que o clube se mantenha vivo. Daí a necessidade da narrativa deste Benfica da 2.ª Vinda ter sido a de prometer sentimentos. Sentimentos de orgulho, sentimentos de grandeza, sentimentos de que os adeptos se podem sentir especiais, porque seguem o clube mais especial, and so on, and so on.

A história já é velha. Os adeptos, ou o povo, quer(em), os líderes prometem. Mas olhando para a história deste Benfica, algo não bate certo. Ou é a expectativa dos adeptos (que os seus líderes incentivaram de maneira desmesurada) que não bate certo, ou é o modus operandi e o modelo escolhido pelos líderes que não bate certo. Alguma coisa não baterá certo porque o Benfica, nestes 16avos da Europa League, acabou de perder uma oportunidade única para beber um pouco desse orgulho, para criar (ainda que artificialmente) esse tal sentimento que os seus adeptos perseguem. E mesmo com dois jogos com alguma maturidade e pouco erro nos momentos com bola, o Benfica voltou a ser demasiado curto para travar um Arsenal bem longe do que os adeptos gunners almejam para a produção de sentimentos de felicidade.

Movimento gunner que atrasou a bola da ala para o meio criou dúvida na linha defensiva do Benfica. Quando o pé do médio abre para endossar a bola, Aubameyang aproveita para ser mais rápido que Veríssimo



Um pouco como o Benfica também o Arsenal surge a anos-luz das suas expectativas. Tal como os encarnados, a equipa de Arteta faz algumas coisas bem mas cede a momentos de auto-destruição. E a sorte para os do Norte de Londres é que o Benfica se mantém em rota semelhante, não conseguindo capitalizar o relativo controle do jogo, e da eliminatória, que chegou a ter, como não conseguiu tirar partido de três golos criados do nada e que ainda assim não chegaram para satisfazer quem se queixa de que a falta de golo tem sido nuclear. E foi assim mesmo, o Benfica tentou recriar os seus melhores momentos da 1.ª mão e partindo do mesmo sistema (532) tentou retirar espaço entrelinhas e profundidade ao Arsenal. Esses, avisados, não caíram na tentação de despejar bolas sem critério nas costas da defesa e tinham agora um plano mais consciente de como o fazer.

Com o movimento de atrasar a bola a partir da ala, e a movimentação de fora para dentro do jogador que a carregava, a linha defensiva do Benfica acabou por ser batida e ficar a descoberto. E do raio-x ao lance inúmeras teorias podem emergir: que só Veríssimo estava bem (o que não é verdade), que os outros estavam todos mal, que Otamendi deveria ter entrado no lance de outra forma, que ninguém se entendeu, e que esse movimento (que de alguma forma também surge no golo decisivo da eliminatória lá mais para a frente) acabaria por deixar a nu as deficiências numa linha sem treinos aquisitivos. O que é certo é que, vendo o lance, Lucas Veríssimo lê a jogada uma fração de segundo depois de Aubameyang. O ganês parte, e o brasileiro vai atrás. Ora, num Mundo ideal seria o brasileiro que teria de partir primeiro para chegar àquela bola. Isso ou um movimento à Sporting de Rúben Amorim onde o movimento de todos é inverso ao que foi o de Lucas. Whatever works, portanto.

Nos golos do Arsenal é notória a percepção mais rápida dos gunners em relação às movimentações. Willian com espaço, teve tempo para se aperceber de Xhaka antes de Everton. Depois o brasileiro não contém e é ultrapassado facilmente pelo suíço


Algo que minutos depois, em jogada tirada a papel químico, acabou por ter o desfecho esperado para as águias, que é o mesmo que dizer que Aubameyang foi apanhado pela bandeirola do liner – tal como várias vezes o Arsenal havia sido apanhado na 1.ª mão. Mas enfim, um golo sofrido não tiraria o Benfica da eliminatória, sendo que o objectivo seguinte dos de JJ continuava a ser o mesmo: pensar golo a golo, marcar o seguinte, pois o 1-1 mantinha as águias vivas. Mas como é que esse golo haveria de chegar para uma equipa que viu o seu treinador a queixar-se de não ter aquele golo fácil que se via há uns anos com Rodrigos, Limas, Jonas, Jiménez, Mitroglous e até João Félix? E na senda dos Ferreyras, Castillos, RdTs que se foram seguindo, Seferovic (que desta vez viu Darwin sentar-se no banco) não parecia servir de muito lá na frente, sendo que Rafa, que o acompanhou, não tirava grande partido do imenso espaço que o Arsenal lhe deixava.

Com surpresa, ou sem ela (dependendo do ponto de vista e de como se contar a história), os golos que o Benfica almejava teriam de surgir de uma maneira não antes vista ou, pelo menos, pouco prevista. Sendo que ninguém apostaria num livre irrepreensível de Diogo Gonçalves (gentilmente cedido pelo homem menos do jogo, Ceballos) para igualar as contas e ir para o intervalo a pensar em como se marcar o segundo.

Mais uma vez a antecipação a ser fulcral. Saka, com espaço, num movimento atrasado que Auba aproveita para (de novo) se antecipar a Veríssimo.



E por vários minutos, após o reatamento, o Benfica circulou e deixou o Arsenal na dúvida. Mas, lá está, a circulação e momentos sem grande erro de posse (que costumam acontecer nestes jogos às equipas portuguesas) não chegavam para se ser incisivo, para se ser criador e contundente. E assim sendo, de onde poderia vir o segundo golo para uma equipa que não tem grande afinidade com os cordames? Pois bem, em segundo na lista para os improváveis de quinta-feira, segue-se uma reposição aérea de Helton Leite (vulgo chuto para o ar), um mau atraso de Ceballos (em jogo para esquecer) e um rapaz que não sabe a história de 1991 mas que também acabaria por marcar ao Arsenal numa espécie de jogo fora. Quem o critica não poderá dizer o mesmo, mas segundo a narrativa das expectativas desmesuradas poderá sempre dizer que o Benfica não soube controlar a vantagem e que cedeu nos momentos decisivos – mesmo que não saiba explicar porquê, juntando-lhe as palavras querer, garra, ambição e mística. Mas a verdade é que o Arsenal, mesmo passando minutos alheado do jogo, mesmo parecendo que já deitou a toalha para depois a voltar a encontrar, conseguiu criar soluções para virar o jogo a seu favor. Aconteceu depois do 1-0 em Roma, e aconteceu depois do 1-2 em Atenas. E aqui será de sublinhar que passividade do Benfica com bola (que lhe serviu em grande parte da eliminatória) e a pouca coordenação de uma linha defensiva arranjada à pressa para estes dois confrontos ficam bastante mal na fotografia. Que isso sirva a narrativas de revolução não retira alguma razão a Jorge Jesus – que no meio de todo o seu habitual nonsense, não tem treinos aquisitivos para aprimorar detalhes que toda a gente lhe reconhece, os quais muita gente hoje repara por causa… dele próprio.

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