A horrorosa Itália

Na linha do sair a jogar, da linha defensiva alta, ou do jogo posicional, a discussão do Euro’ 20 promete ser a do tão propalado jogo-interior. Bem sabemos da necessidade constante do ser humano para criar panaceias que evitem tudo o que o assusta, ao mesmo tempo que são solução milagrosa para toda a maleita. Um fenómeno que se tenta intrometer recorrentemente na área da saúde, mas que se estende à política (onde não poucas vezes se vende uma ideologia como solução milagrosa para todos e quaisquer problemas de um país), à religião e, como não podia deixar de ser, se entranha também pelo mundo do futebol adentro. E depois de séculos de civilização, depois de milhentas batalhas dualistas sobre o que é bom e sobre o que é mau, o não se compreender que uma ideologia fechada acabará por implodir (ver 2.ª Lei da Termodinâmica) só pode ser explicado com a necessidade constante do ser humano em obter validação exterior. Mas, não me entendam mal. Não se trata aqui de negar as valências do tal jogo interior, como nunca se tratará de negar as valências de sair a jogar desde trás com a bola controlada. Essas, tais como a pressão alta, a linha defensiva subida, e o jogo posicional, são ferramentas que todas (mas todas!) as equipas devem ter em conta.

Mas quer isto dizer que a ausência de alguma delas durante parte de um jogo (ou mesmo um jogo inteiro) explicará por inteiro os sucessos ou insucessos de alguma equipa? Parece-me evidente que não será o caso. Isto porque um jogo de futebol não tem uma só equipa como interveniente e nem sempre se desenrola de forma igual. O que explica também que algo que pode resultar num certo momento, seja um tremendo erro noutro. Assim, se já aqui explicámos que Portugal, por exemplo, abdicou de forçar pelo meio no jogo contra a Hungria, resta-nos trazer outro exemplo que pela distância, pelo desapego e por todos os elogios que já foram proferidos, será de mais fácil compreensão e (talvez) aceitação.



Falamos da Itália ou, perdão, da bella Italia que segue retumbante em direção às decisões deste Euro ’20. Mas um olhar mais atento à performance transalpina no jogo de abertura, frente à Turquia, revela também a opção de não insistir pelo meio. Também o agora tão elogiado Roberto Mancini cedeu (como Fernando Santos) a não cair no engodo adversário e a esperar pelo momento certo para explorar essa excelente arma que é o jogo interior (nunca ninguém o negará aqui). E foi ver a Itália a ter o domínio, a assumir o jogo, e a reagir à perda de forma intensa, mas sem tentar numas vezes, e sem conseguir noutras, ligar sectores. Isto até à jogada do primeiro golo que serve de perfeito exemplo de quando se deve jogar obrigatoriamente(!) por dentro.

Quer isto dizer que Mancini não tem qualidade? Que é ultraconservador? Quererá dizer que viu a luz no intervalo e encontrou a panaceia? Certamente que não, mas teve a cautela de não forçar os momentos para explorar o potencial que a sua equipa mostra quando joga pelo corredor central. E quando a Turquia abriu esse espaço, a ordem foi explorá-lo. E essa é uma opção equilibrada tomada por um selecionador com experiência, que claramente não odeia esse tipo de jogo, mas que sente na pele as consequências das suas decisões. Porque há contingência, porque há um jogo de abertura jogado fora, com público, frente a uma equipa desenhada para tapar esse espaço, a opção foi a de não explorá-lo como quem vai com demasiada sede ao pote. E isso é totalmente diferente de não se saber o que é, de não se querer explorá-lo, ou de lhe negar totalmente as valências.

Um momento de desorganização turco permitiu à Itália explorar aquilo que raramente havia conseguido na primeira metade. Lance é também exemplo perfeito de quando explorar obrigatoriamente o corredor central

Quer isto dizer que Portugal poderá competir com a Itália pelo título de campeões do jogo interior? Muito provavelmente não. Tendo pela frente a Alemanha e a França nos dois próximos jogos, o cenário não é de todo favorável a que, de repente, Fernando Santos passe a valorizar mais essa arma. Raramente o fez no seu reinado, o que não quer dizer que não se tenha explorado a espaços ou que não se vá utilizar totalmente no que Portugal jogar neste torneio. E quer isso dizer que as aspirações portuguesas estão comprometidas? Não o diria, ainda que também eu gostasse que essa opção aparecesse mais vezes explorada, com rotinas e entrosamento suficientes para poderem ser decisivas mesmo quando os espaços entrelinhas teimam em não abrir. Mas isso é diferente de achar que nos concederia outro Euro por decreto, ou que a opção de Fernando Santos é idiota e sem qualquer validade. Perguntem à Alemanha como foi jogar por dentro e perder com a França. É que a missão de um selecionador não é agradar a ideólogos, não é a de criar uma obra-de-arte. Ao fim do dia, a equipa tem de ser competitiva, e de poder ganhar qualquer jogo que dispute. E isso a Seleção de Fernando Santos, goste-se ou não do estilo, tem-no sido – com troféus até, para o provar.

PS: O título é obviamente irónico e pretende realçar a dissonância cognitiva nas análises à prestação portuguesa e italiana nos seus primeiros jogos no Euro’ 2020. O texto que o segue deixa a ironia de parte e pretende demonstrar a opção comum aos dois técnicos na forma de encarar as dificuldades que hoje se encontram para explorar o corredor central na criação. Fruto de um golo aos 53′, uma Itália mais modelada para esse estilo de jogo conseguiu explorar as debilidades de uma Turquia em desvantagem, mas até esse momento as dificuldades foram notórias. O mesmo para Portugal que, ainda assim, nesse espaço temporal criou mais oportunidades que os transalpinos. No fim, um resultado igual para as duas equipas mas análises, e apreciações, totalmente diferentes – o que se compreende mas só até um certo ponto.

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