Taremi, Evanilson e a misericórdia

Misericórdia é algo que nos remete para tempos medievais onde se clamava e suplicava pela mesma aos executores. E ainda que tenha essa componente mais épica, a misericórdia será necessária em bem mais do que isso. Diria eu que a falta de misericórdia pode ser também tirar uma foto de alguém e julgar esse alguém só a partir dessa imagem. Nos tempos que correm está mais em voga dizer que se criam rótulos, que se objetifica, mas a parte principal desse negativo processo é a falta de misericórdia. Algo que existe pela pouca apetência, talento, vontade e crença do Mundo em transcender algo visto como negativo ou inferior. Pensemos bem, se soubéssemos como resolver um problema esse deixaria de o ser, e à partida não haveria mau ou bom se não houvesse problemas. Algo mau poderia transformar-se em algo bom e, como tal, tais designações cairiam em desuso. Alguma coisa é o que é e pode ser ainda mais do que é agora. Mas, como em quase tudo na vida, o futebol não escapa à falta de misericórdia. E nele a um jogador que não cumpra as exigências, ou as expectativas, não lhe chegará clamar ou suplicar por misericórdia. Imediatamente dará lugar a outro que as cumpra ou que, pelo menos, pareça que as possa cumprir.



No caso do FC Porto há muito que se debate a dualidade criação/destruição. Sabemos da escolha primordial de Sérgio Conceição em ter uma equipa intensa e que consiga sufocar adversários a campo inteiro. Como sabemos também que essa escolha vem acompanhada de um handicap na criação. E essas escolhas (legítimas) são bastante notórias na escolha dos avançados que jogaram ou jogam nas equipas que Conceição montou no Olival. Não precisamos de recordar as discussões sobre Marega, mas podemos lembrar também Soares ou Toni Martínez – que revelam esse mesmo handicap entre a intensidade defensiva e a criação ofensiva. Aqui, talvez Aboubakar e Taremi fujam um pouco a esse perfil. Mas falando no presente, e por consequência, falando em Taremi, o iraniano consegue, de facto, ter outra participação no jogo ofensivo da equipa. Mas a competência do 9 azul-e-branco chegará para equilibrar essa dualidade?


E à partida, não em relação a Aboubakar mas aos outros mencionados, Taremi subiu um degrau (ou dois) na criação. Envolve-se melhor, liga melhor com o meio-campo, e assume (quase sempre) as despesas da frente avançada nesse aspecto. E se até aqui não precisa de misericórdia, a coisa complica-se (a meu ver) na definição. E quando falo em definição não me refiro só à finalização mas também ao último passe. E observando Taremi observam-se também lacunas na definição de assistências para golo, ou na definição do último toque (aquele que se quer que beije o cordame). Não é, portanto, um definidor, como não me parece um matador. Quer isto dizer que se deva prescindir dos seus serviços? Aqui é que voltamos à introdução do texto e à necessidade de transcendência que escapa ao futebol (e à maioria das áreas na sociedade). Se não corresponde a tudo o que se espera daquela posição, é para matar, para deitar fora.


E que ferramentas oferece o futebol a quem é competente, ou bom, mas não é excelente? Sim, Taremi é um bom jogador, que realizou uma boa primeira época no Dragão. Mas quando falamos em avançados referência no FC Porto (e não preciso de nomear) todos eles foram excelentes. Não foram só bons. E há a hipótese de Taremi se tornar um deles? Bem, se há [a hipótese] então a misericórdia só servirá para se ter sempre em conta essa mesma hipótese. Não servirá para não reconhecer que o jogador não está ainda no patamar que se deseja. Como se costuma dizer, não se pode curar aquilo que não se pode ver, e de Taremi vêem-se falhas na definição dos lances – principalmente quando eles já cheiram a golo. Algo que intercala, e bem, com jogos onde isso não se nota tanto e onde o golo, ou golos, que consegue mascaram um pouco isso. Mas no geral, para o patamar que o FC Porto exige, o vídeo (não editado) das ações do iraniano neste recente FC Porto-Belenenses dá um cheirinho do que se fala neste texto. Dá um cheirinho também de tudo o que faz de bem (sem bola está num patamar incrível) mas do ponto de vista de uma equipa técnica, e sua análise, não se pode ignorar a tal falta de definição no último terço.

Para relembrar, falei em misericórdia para se ter sempre em conta que um jogador pode evoluir. Para não se tirar essa foto e se fazer dela rótulo. Este é o momento em que se encontra Taremi e (com as ferramentas certas) acredito que possa evoluir para outro patamar. Certas definições quando a bola não anda tão perto da baliza demonstram-no. Certas finalizações, também (e nem preciso de recordar a melhor de todas)! A regularidade nessas ações é que merece um olhar mais emocional, mais mental mais profundo. Mas a certeza de que há aqui um padrão e a certeza de que ele se pode resolver, é que nunca se pode esquecer. De outra maneira, o que acontecerá é o que costuma acontecer em futebol: entrará alguém que (pelo menos) pareça ser capaz de cumprir com todas as expectativas. E terá o FC Porto esse alguém?

1 Comentário

  1. A questão que se coloca é pertinente mas aquilo que Taremi dá ao jogo é o que o Sergio Conceição quer.
    Permite que a equipa ligue o meio campo ao ataque(mesmo que seja por principios primitivos) sem penalizar o seu modelo preferencial(ataque á profundidade pelo outro avançado ou flanquear com cruzamentos para area).

    A aposta em Evanilson teria sempre de vir com uma troca de sistema(saida de Toni e Taremi e incorporação de Fabio Vieira) como foi testado com o Lyon.
    Dado o resultado da experiencia(desagradou claramente ao Sergio Conceição) só num caso de bloqueio total da equipa é que mudará

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