A Alma Romana do FC Vizela

A Importância da Variabilidade em Ataque Posicional

Futebol Clube de Vizela – Trepador de Divisões

Um dos maiores chavões da análise desportiva atual é definir qualquer clube enquanto projeto desportivo. No senso comum, a ideia de um bom projeto desportivo passa por uma boa planificação anual e contratação de bons jogadores e de um treinador competente e reputado que, naturalmente, levarão o clube à glória esperada.

No entanto, um projeto desportivo de sucesso é muito mais que isso, é definir objetivos a médio/longo prazo, é garantir que o orçamento definido por época é respeitado e esmiuçado para garantir as necessidades quotidianas da equipa, é olhar muito mais ao potencial que a equipa terá do que propriamente ao rendimento que pode demonstrar inicialmente e é alimentar toda a estrutura com elementos essenciais para que nada falhe, sejam eles técnicos, analistas, médicos, fisioterapeutas, roupeiros ou nutricionistas, entre outros.

Em Vizela mora aquele que, na minha opinião, é o mais promissor projeto desportivo nacional. Depois da queda nos campeonatos semi-profissionais, em 2016, o clube lutou arduamente pela subida nos dois anos seguintes. Apesar de ter terminado a respetiva série do Campeonato de Portugal, nos dois anos, em 1º lugar, o FC Vizela acabou por morrer na praia, perdendo nos Playoffs de subida.

O clique deu-se na época 2019-2020, com a entrada do fervoroso treinador Álvaro Pacheco, que lidera a equipa até aos dias de hoje. A simbiose entre a estrutura diretiva e o treinador é fenomenal. O clube evoluiu e modernizou-se de mãos dadas com o técnico nortenho, numa caminhada triunfante do Campeonato de Portugal à Primeira Liga em duas épocas.

Com um futebol baseado mais em conceitos tácticos do que em sistemas, a equipa demonstra critério e inteligência na gestão da posse de bola mas também alma, agressividade e assertividade no momento de atacar a baliza contrária.

Curiosamente, nestas duas épocas nos campeonatos profissionais, a equipa começou sempre de forma intermitente, talvez pela falta de experiência dos jovens jogadores vizelenses em jogos de maior exigência.

A espinha dorsal da equipa, composta por Koffi, Ofori, Kiki Afonso, Aidara, Samu ou Kiko Bondoso, viaja junta desde os tempos no Campeonato de Portugal, portanto, estão totalmente contextualizados com as ideias e objetivos do treinador, aos quais se têm vindo a juntar jogadores com mais andamento nacional e até internacional, como Marcos Paulo, Anderson, Guzzo, Cassiano, Rashid ou Schettine.

Apesar das dificuldades iniciais, o Vizela nunca esqueceu as suas linhas orientadoras e com princípios bem definidos tem vindo a conquistar todos com um estilo de futebol em forma de guitarra elétrica.

A Importância da Variabilidade em Ataque Posicional

O Vizela apresentou-se no regresso à Primeira Liga muito confiante, agarrado às ideias de jogo que catapultaram a equipa para duas subidas de divisão consecutivas. Os vizelenses são uma obra de autor ainda em construção, capaz de protagonizar um futebol atrativo para quem observa, com combinações simples e bastantes trocas posicionais, principalmente em corredor central, mas também agressividade e verticalidade na busca do golo.

Para além disso, a enorme qualidade, versatilidade posicional e inteligência de jogadores como Samu, Guzzo, Kiko Bondoso, Cassiano ou Aléx Mendez permite ao treinador nortenho mexer estrategicamente com a equipa sem que ela perca a sua matriz de jogo ou perca as suas principais virtudes.

Através do tradicional Gr-4-3-3, o Vizela organiza-se nos vários momentos do jogo, sempre em função da bola, promovendo um respeito posicional pelos espaços que devem ser preenchidos.

Numa análise mais abrangente do escalonamento ofensivo da equipa vizelense vemos a linha defensiva bem ampla, com centrais a assumirem a função de primeiros construtores de jogo e laterais à largura. Os extremos assumem sempre um posicionamento alto, orientando-se pela linha defensiva contrária, com o avançado a garantir variabilidade de soluções, ora em apoio frontal, ora em movimentos de ataque à profundidade.

Costuma-se dizer que no meio está a virtude e a expressão encaixa que nem uma luva na organização ofensiva do Vizela. O que salta logo à vista é a grande mobilidade entre os três homens do miolo, onde varia quem aparece como construtor de jogo mais recuado, nas costas dos avançados contrários, enquanto que os outros dois médios, rapidamente, se escondem nas costas da linha intermédia contrária, procurando ser solução no espaço entre alas e interiores contrários.

Construção de Jogo – Pressão a chegar e bola a andar

Logo na construção de jogo, conseguimos verificar a forma como os jogadores se organizam e a importância que tem a interpretação das vantagens para a equipa do Vizela. A equipa predispõem-se logo para procurar sair a jogar de forma mais curta e apoiada, com os jogadores orientados para receber nos espaços vazios.

No entanto, é uma equipa que não tem problema de ligar mais longo caso seja pressionada em zonas mais altas, sempre com o critério de procurar jogadores fortes para apoio frontal ou ataque à profundidade, como Cassiano ou Schettine.

Partindo de uma estrutura dinâmica de Gr-2-3-5 logo na saída de bola ou na saída em bola corrida do guarda-redes, verificamos entendimento por parte dos jogadores do Vizela, também pela base estratégica transmitida pelo seu treinador.

Os laterais mantém-se abertos de forma a libertar o corredor central para os interiores baixarem para serem solução para apoio frontal aos centrais. Outra variante apresentada pela equipa minhota é uma estrutura de Gr-3-2-5, utilizada para aumentar a amplitude dos centrais e distender a primeira linha de pressão adversária, entrando o médio-defensivo na linha defensiva de forma a poder jogar de frente.

Dessa forma, o equílibrio fica a cargo dos interiores que baixam para o espaço existente entre a linha ofensiva e intermédia do oponente. Com o objetivo de garantir uma linha de 5 elementos na frente para prender a linha defensiva contrária atrás, os laterais vizelenses sobem no terreno, permitindo aos extremos (Nuno Moreira, Kiko Bondoso, Zohi) aparecer nos half-spaces.

Neste momento do jogo ganham relevo duas dinâmicas muito importantes do jogo de posição, as dinâmicas de Homem Livre e de 3º Homem.

Assim que a bola começa a rolar o objetivo do Vizela é atrair e fixar um-a-um os adversários para as suas zonas mais adiantadas de forma a criar um efeito Dominó, libertando um colega para receber a bola, isto é, o objetivo é atrair a pressão para meter a bola a andar para outro espaço.

Este principio parte sempre do pressuposto de que a equipa está sempre em superioridade com bola (ajuda do Gr) e que com as dinâmicas e velocidades de interpretação, leitura e execução certas, é capaz de libertar sempre pelo menos 1 jogador (Homem Livre).

Depois, podemos verificar em vários momentos e zonas do campo que o Vizela procura potenciar a dinâmica de 3º homem para desbloquear a organização defensiva do adversário. Na verdade, existe uma preocupação de quando o central orienta o seu 1º toque para a frente, o médio centro desse lado aproxima rapidamente para ser solução enquanto apoio frontal, enquanto o médio do lado contrário mantém-se alto no terreno de forma a libertar espaço atrás.

Sempre que o central arrisca no passe vertical para esse médio, ele sabe que traz pressão nas suas costas. Partindo dessa ideia e procurando, antecipadamente, ler o que se passa nas suas costas pode decidir por rodar no 1º toque ou jogar de frente com um 3º homem que tem a vantagem de já estar de frente para o jogo. Rompendo as 2 primeiras linhas de pressão do adversário é tempo de acelerar o jogo e procurar o corredor contrário onde há mais espaço para criar perigo.

Outra solução do Vizela é através do movimento dos médios para apoio frontal, atrair os adversários para terrenos mais avançados e libertar espaço nas costas para os três homens da linha ofensiva atacarem o espaço nas costas dos defesas.

Criação de Jogo – Ligações

Independentemente da organização trabalhada e da estratégia orientada para a partida, a equipa tem sempre o mesmo princípio para o seu jogar – mexer a bola para mexer com o adversário, mantendo a equipa sempre em campo grande de forma a encontrar o espaço vazio e o homem livre. O objetivo é atrair muitos jogadores para a zona da bola para libertar jogadores mais à frente na zona de cooperação.

Uma vez ultrapassada uma possível pressão mais alta e agressiva do adversário, o Vizela varia nas decisões em chegar a zonas de finalização , também consoante as características dos jogadores presentes em campo.

Mais uma vez, a equipa apresenta uma variabilidade saudável, ora preferindo instalar-se no meio-campo ofensivo, mantendo os jogadores mais próximos, para circular a bola, reagir à perda e chegar com mais gente ao último terço do campo, ora acelerando e procurando criar perigo com jogadas mais vertiginosas, chegando ao último terço com poucas combinações mas sempre com verticalidade nas decisões.

Neste momento, a equipa organiza-se claramente num Gr-2-3-5, onde os laterais procuram preencher os espaços laterais, funcionando como carrileros. Isto só é possível devido à boa capacidade de jogadores principalmente como Koffi e Ofori, capazes de interpretar os timings para acelerar e atacar a profundidade quando os jogadores de corredor central pretendem variar o centro de jogo.

Esta dinâmica, provoca o movimento de aproximação dos médios-interiores ao médio-defensivo, libertando espaço aos extremos para trabalharem nos half-spaces, entre os laterais e o avançado. A referência espacial é jogar entre as linhas intermédia e defensiva do adversário de forma a criar dúvida no momento de saltar na pressão.

Outra opção apresentada pela turma vizelense é manter lateral e extremo aberto para potenciar situações de 2×1 no corredor lateral permitindo a jogadores como Samu e Mendez trabalharem mais próximos de Cassiano ou Schettine, onde se sentem mais confortáveis, numa estrutura quase de Gr-2-2-6, demonstrando para variabilidade e versatilidade que a equipa tem de se adaptar ao contexto – tempo, espaço, adversário, etc.

Enquanto jogadores como Aléx Mendez, Samu ou Guzzo demonstram uma fantástica capacidade de conciliar uma excelente relação com bola, com inteligência de decisões, interpretação de contexto envolvente, boa orientação corporal, passe curto e longo, remate, último passe e ataque à profundidade que lhes permite jogar em espaços, muitas vezes, reduzidos e combinar rapidamente de forma a chegar a zonas de finalização, Nuno Moreira e Kiko são jogadores que tanto são fortes em confrontos de 1×1 nas alas como rapidamente conseguem aparecer para combinar por dentro e rematar.

Esta linha ofensiva de 5 (ou 6) permite não só trancar a linha defensiva a zonas mais recuadas mas também a garantir vantagens numéricas perante linhas defensivas de 4 jogadores, posicionais por se colocarem como solução nos buracos deixados pela linha intermédia contrária.

Concretização – Agressividade no ataque à baliza

Finalmente, quando o Vizela chega a zonas de concretização há muito menos organização mas existe, contrariamente, muito mais liberdade de movimentos e criatividade.

No entanto, ao analisar os vizelenses, podemos verificar três princípios diferentes no momento de atacar a baliza adversária:

  1. Ao defrontar equipas com as suas linhas intermédias e defensivas mais próximas mas que deixam algum espaço à frente da área, a equipa de Álvaro Pacheco prioriza o passe exterior para os extremos/laterais ou passe vertical entre lateral e central para o ataque à profundidade tendo sempre 3 homens a atacar zonas de finalização (1º poste, penálti e 2º poste) deixando um jogador, do lado da bola a prevenir uma 2ª bola na entrada da área.
  2. Por outro lado, contra equipas que afundam a linha defensiva, a equipa prioriza combinações em corredor central de 2×1 ou 3×2 de forma a chegar a linha final e colocar a linha defensiva orientada para a sua própria baliza, libertando espaços ou na zona do penálti ou no 2º poste. Neste pormenor, a capacidade de jogar a 1 ou 2 toque de Samu, Mendéz, Guzzo ou Kiko salta à vista, triturando espaços em zonas de grande aglomerado e pressão.
  3. Por último, a equipa tem como referência ofensiva o ponta-de-lança Cassiano. Sempre que a equipa consegue chegar ao último terço, é recorrente verificar o portador da bola a procurar o goleador brasileiro na área. Cassiano, é um avançado possante mas rápido no ataque a zonas de finalização e que demonstra muito critério no momento de finalizar.

Apesar das naturais dores de crescimento decorrentes do regresso à Primeira Liga, o FC Vizela não mudará, facilmente, a sua mentalidade e ideia de jogo, tão bem personalizada na forma de estar do seu líder, Álvaro Pacheco. Os vizelenses prometem continuar a lutar arduamente pelos 3 pontos em todos os campos, agarrados aos princípios do seu modelo de jogo. Com toda a certeza um projeto desportivo com IDENTIDADE…

Sobre JuanRiquelme 2 artigos
Treinador UEFA B Licenciado em Ciências do Desporto Mestre em Treino Desportivo para Crianças e Jovens Treinador-Adjunto Clube Condeixa (CP) Treinador de Formação AF Sporting Coimbra

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*