A enésima história de um hábito Félix

Este não é um campeonato já escrito. Mas a história, nesta nossa Liga à beira-mar plantada, tem-se sobreposto, e de que maneira, a novos contextos (leiam-se tentativas de mandar o status quo dar uma volta). E por falar em não querer saber do estado de coisas, esta será tudo menos uma crónica que vos dará novidades. Não se lhe deverá, até, chamar de crónica, a este pedaço de texto que carecerá de novidade mas, também, de informação. É que este será um amontoado de palavras sobre o Benfica-Aves, do passado domingo, sem que o autor tivesse visto, sequer, um segundo do jogo.

Sim, há que inovar. As crónicas aos jogos de futebol começaram por ser descritivas. Aos 15 minutos aquilo, aos 25 o outro, e aos 68 aqueloutro. Depois, por via da maior informação a que temos acesso, a descrição tornou-se redundante e a componente opinativa começou a fazer sentir-se. Coisas como críticas a sistemas tácticos, ou até modelos-de-jogo, são agora bastante usuais, nas nossas tentativas de saber mais sobre um jogo que, provavelmente, vimos em directo, que, provavelmente, vimos três resumos vídeo, consultámos estatísticas e mais um par de chuteiras que não as Copa Mundial. Hoje, para além, da vulgar componente opinativa é já usual pegar-se numa ideia, ou teoria, e fazer dela a base para explicar como foi um jogo. Pode contar-se a história de uma partida fazendo uso de coisas socráticas, platónicas ou cartesianas ou, até, partir para as explicações com base num jantar que o jornalista deglutiu na semana passada. Mas com o passado haverá sempre um ponto em comum: quer os descritivos, quer os opinativos, terão, forçosamente, de ter visto o jogo!

Eu cá não vi. E não vi porque, de momento, me encontro privado de ver, como até há bem pouco tempo, todos os jogos que me apeteçam ver. Mas esse período de ócio pode ainda ser bem útil. E foi tanto que o vou espremer até à última gota. Ele que foi um período que me permitiu, pelo menos, pensar que conheço bem este SL Benfica e esta Liga portuguesa – incluindo obviamente o modo e a maneira como os adversários dos grandes se deslocam ao seus estádios. E este Benfica-Aves, com o Benfica a começar em 4x3x3, com o miúdo João Félix no onze e com a contratação Gabriel também de início no miolo, sabe manter uma premissa que fez dele campeão por cinco vezes nos últimos nove anos: sabe que se pressionar no campo todo é provável (bastante provável, até) que 95% das equipas portuguesas não consigam saídas limpas. E daí até que uma bola perdida apanhe em contrapé a organização defensiva, não será preciso (quase nunca é) esperar muito. É um esforço que tem compensado. O Benfica tenta, sempre, entrar subido, pressionante e intenso, no seu estádio. Tenta explorar debilidades nas saídas e instalar-se no seu meio-campo ofensivo para criar a instabilidade e confusão necessárias para que o adversário ceda. Esta é uma premissa que vem dos tempos de Jesus ao comando das águias, da qual Rui Vitória não abdica. E, cá entre nós, faz muito bem. Seria até um esforço inglório para qualquer um de nós lembrar-mo-nos de um campeão sem essa característica (Não é, André? Não é, Vítor? Não é, Jorge? Não é, Rui? Não é, Sérgio?).

Não surpreende então que o Benfica tenha começado forte e que, por via, da sua forte dinâmica ofensiva tenha encontrado debilidades em dois momentos do Aves: organização ofensiva e transição defensiva. São o que basta para alguém como Seferovic, Salvio, Cervi (que desta vez cedeu o lugar ao puto Félix mas que entrou para depois marcar o 2-0 e sossegar as hostes), Pizzi ou, desta vez, o miúdo de quem os benfiquistas esperam magia e repentismo, são o que basta, dizíamos, para alguém encontrar o caminho do golo na Luz.

Take 2

Claro que, depois, há o reverso da medalha. Um reverso que já custava, noutros moldes, a Jorge Jesus, mas também custa a Rui Vitória. Um outro lado da moeda que na Luz não costuma trazer consequências de maior, mas que noutros campos (onde os adversários sabem que pressionar o Benfica traz vantagens por lhe encontrar debilidades – alô, equipas perfeitas? andam por aí?) podem fazer notar-se. O Benfica, lembramos, aguenta nesta espiral positiva até ceder ao cansaço, ou à ideia de que o jogo está controlado. E seja qual destas duas a consequência será sempre que as linhas baixem e que os adversários tenham mais espaço. Segue-se o diálogo depois do monólogo. E os argumentos contra o Benfica aparecem. E seja o penúltimo classificado da Liga, ou o quarto, todos eles têm mais tempo para mostrar o que sabem. Nuns casos isso dá golos sofridos e jogos apertados. Noutros casos essa maior exposição faz aparecer a maior qualidade individual dos encarnados. Tantas e tantas vezes foi Jonas a apagar esse mau momento no jogo (que bem regressado seja, um dos melhores que esta Liga já viu, e que fez RV voltar ao 4x4x2 neste jogo) mas desta vez foi Cervi que quebrou os impulsos de uma equipa que não sabendo sacudir a pressão inicial benfiquista, e não tendo argumentos para aproveitar a habitual quebra das águias, pouco pôde fazer para gerar surpresas.

Foi assim ou não foi?

Benfica-Aves, 2-0 (João Félix 34′ e Franco Cervi 63′)

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