3 Tópicos que ajudam a entender a crise dos CAMISAS 9 – Porque não produz o Brasil mais pontas de lança?

É cada vez mais latente o debate sobre DNA do futebol Brasileiro, a busca ou retomada da identidade do futebol canarinho parece ser uma das prioridades da nova gestão da CBF. Qual é o nosso jogar?  Que tipo de jogadores queremos formar? E quais os conteúdos que identificam o nosso futebol? São perguntas que estão no centro do debate.
Um dos sintomas de quem acredita que o Brasil perdeu seu DNA futebolístico é a falta de pontas de lança. Terra que já produziu Careca, Ronaldo, Romário, Adriano, Coutinho, Reinaldo e Leônidas da Silva, hoje vive uma crise nessa posição. Na Seleção, Firmino, que hoje é o maior 9 do Brasil no futebol mundial, é visto muito mais como um 10 que se adaptou a jogar ali, o que não deixa de ser verdade, do que um 9 característico e não tem o apreço popular. O seu concorrente, Gabriel Jesus, é mais ressaltado pela voluntariedade nos momentos defensivos do que pela capacidade de ser o cara da posição, jogou a Copa América como extremo direito e teve ali o seu melhor rendimento jogando pelo seu país e não de ponta de lança. O artilheiro do campeonato local, Gabigol, vive a sombra do eterno debate se ele realmente é ponta de lança ou não. Pois bem, desenhado o cenário, vamos elencar 3 tópicos que ajudam a entender o porquê dessa crise:

  1. O brasileiro não gosta do 9 “original” – Apesar de termos vários grandes jogadores dessa posição, o nosso 9 é historicamente diferente em características dos jogadores das mesma posição de outros países tradicionais do futebol: o jogador que dá peso na área, que joga arrastando a última linha para profundidade, que tem um bom jogo de imposição, um jogo físico, que tem como a principal ou uma das principais características técnicas o cabeceio, que tem um papel mais de “brigar” para gerar o espaço para si ou para os companheiros e que define as construções ofensivas com finalizações a um toque não é bem visto pelos brasileiros em geral, logo chamado de “caneleiro”, esse jogador não faz parte do imaginário do time dos sonhos do torcedor/imprensa/treinador brasileiro. Preferimos um 9 que ataque as costas da linha em ruptura, na linguagem da bola, que saiba fazer o “facão”, que tenha qualidade técnica, que tenha 1×1 com finalização em seguida, que seja mais móvel do que físico. Essa constatação, quem vos escreve, sentiu na pele quando se aventurou, mais jovem, dentro do campo, quem sabe se eu não tivesse nascido inglês, não era hoje um grande jogador. Paciência.  
  2. Copia e cola – O intercâmbio com o futebol de outros lugares (natural de todas as profissões na era da informação) e no caso do Brasil, principalmente com Portugal, trouxe incontáveis benefícios, porém, a utilização das ideias de fora sem o devido critério de se aquilo era condizente com o nosso contexto pode ter sido maléfico para algumas situações e a formação do camisa 9, tal qual o camisa 10, pode ter sido uma delas. No futebol do Brasil, tradicionalmente não joga-se com sistemas que tenha extremos, por exemplo, na década de 90, o 1:4:4:2 losango ou quadrado era o sistema, de longe, mais utilizado pelos treinadores: muita densidade no corredor central, o jogador muito bom no 1×1, que hoje é empurrado pela configuração sistemática para a beirada do campo, era um segundo avançado e com liberdade para movimentar e gerar superioridade nas diferentes zonas do campo, desequilibrava mais próximo da baliza; a amplitude era quase sempre dada pelos laterais o que os obrigava a desenvolverem características ofensivas; e o 9, por ter o corredor central denso, tinha sempre mais opções para jogo associativo e jogadores próximos com qualidade, era mais vezes acionado no jogo e recebia mais bolas limpas. Isso mudou, passamos, principalmente na nossa formação, a adotar ideias que não encaixam no nosso contexto, mas que são utilizadas a priori simplesmente porque vem de fora e não porque é o melhor para o momento ou para os nossos jogadores, passamos a não olhar mais o tipo de atleta que tínhamos para tentar adequar as novas ideias a eles e suas características histórica e sim, tentar adequá-los ao que era feito em outros lugares. O atleta rápido, móvel com 1×1 e agilidade não era mais segundo avançado, se tornou extremo; o jogador com qualidade no passe, visão, com inteligência para conduzir o ritmo da posse, tinha que desenvolver um jogo mais físico e vir construir mais atrás, morreu o 10 e o atleta rápido, forte com 1×1 e finalização viraria extremo ao invés de 9. Não digo que essa adaptação aconteceu de forma equivocada em um todo, o jogo evoluiu e diminuíram os espaços, no entanto, quanto dessas mudanças é pela evolução do jogo e quantas são por tentar implantar uma copia sem critério do que se fazia lá fora? Fica a pergunta.
  3. O mercado – Alguns anos atrás, um bom jogador para se destacar no Brasil tinha que ou vencer no próprio país ou vencer na Europa e os mercados alternativos ficavam como uma opção para “fazer a vida” em uma fase mais terminal da carreira. Essa configuração mudou, cada vez mais temos jogadores jovens com potencial para estar nos grandes centros indo para os mercados periféricos mais cedo: China, Rússia, Oriente Médio, EUA seduzem antes os jogadores jovens com possibilidade de desenvolvimento e isso implica em eles sumirem do raio das seleções e dos adeptos e/ou não desenvolverem a plenitude do potencial que poderiam desenvolver porque passam boa parte da carreira com um nível de enfretamento mais baixo. Os clubes desses centros buscam principalmente os jogadores que tem gol, então progressivamente, os jogadores que se destacam nesse aspecto saem antes e, por questões lógicas, o ponta de lança, que é quem geralmente tem mais gols, sai mais.

O futebol tupiniquim precisa sim resgatar seu DNA, não só em relação ao camisa 9 como em todo o resto, adaptando-se ao novo futebol que é praticado hoje, alinhando-se ao que existe de mais moderno em metodologia de treino e equilibrando-se entre o que se faz cá fora e o que é a identidade cultural histórica do futebol brasileiro.

Texto de Rafael Marques
rafaelmarquesfutebol@gmail.com

Instagram: @rafael.marques.oliveira

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