Pepa e a construção de um grupo: ligações emocionais, criação de hábitos e o prazer pelo jogo

A pré-temporada é o pilar da época desportiva. Muitas caras novas que precisam de se conhecer, objetivos a serem definidos, existe tempo para treinar e para por em prática aquilo que se refletiu durante as “férias” e acima de tudo é o período de tempo onde o treinador apresenta e impõe as suas ideias no campo, convencendo os jogadores de que a sua maneira de jogar os vai aproximar do sucesso. Este ano podemos assistir a um projecto que tem tudo para ser animador: Pepa, o treinador revelação da época passada, assume o comando do Vitória SC, e tenta elevar os vimaranenses para patamares que fogem há já uns anos, não só em termos de resultados, mas também na solidez e regularidade de um clube que tem condições para estar no topo do futebol português.

As expectativas para esta época são muitas, e ontem pudemos assistir a um conteúdo partilhado pelas redes sociais do Vitória onde foram revelados alguns pormenores do que tem sido o trabalho de Pepa e da sua equipa técnica durante esta pré-época. Irei dividir as declarações de Pepa e o conteúdo em 3 pontos que considero essenciais na preparação para uma nova temporada:

1)Criação de um grupo: sinergia de todos os elementos da equipa, do balneário para o campo

Esta primeira fase é a menos específica do futebol, mas talvez a mais importante. Seja numa empresa, num grupo de amigos, numa família ou num plantel, nunca nos podemos esquecer que a base de todos estes grupos são ligações interpessoais, e que estas mesmas ligações tem consequências diretas no desempenho dos tais grupos, seja no escritório, num trabalho de grupo, na vida ou num campo de futebol. Desde o início que Pepa quis que os seus jogadores tivessem um tempo “a sós” para construírem estas ligações. O estágio em Troia, e acredito que toda a pré-época, foram delineados para que o grupo fosse crescendo não só no campo, não só tecnicamente ou fisicamente, mas também no balneário. Costuma-se dizer que um grupo acaba por ser sempre tão forte como a sua parte mais fraca, e nas relações no balneário as coisas são iguais. Quanto mais e melhor ligações existirem, mais fácil será o trabalho do treinador, mais fácil será integrar uma ideia coletiva baseada nas ligações humanas e que tem impacto direto no trabalho mais técnico a longo prazo, e Pepa sabem muito bem qual é a base desse sucesso… “dar a vida pelo colega”:

2)Construção de hábitos: delinear uma filosofia onde há princípios inegociáveis

Depende sempre de treinador para treinador, mas um dos principais objetivos do treino é a criação de hábitos nos seus jogadores, muitas vezes de uma maneira que eles nem se apercebam deste processo que acaba por ser repetitivo (não confundir com mecanizado) para que o processo aquisitivo seja acelerado. Esta repetição de hábitos que podem ser comportamentais, físicos, técnicos ou até psicológicos, são um meio para atingir um estado de integração total com as ideias do treinador quase de forma inconsciente, refletindo esses princípios base em cada ação e decisão dentro de campo. Para Pepa, existem princípios que são inegociáveis, e que os jogadores têm que adquirir se pretendem jogar pelo Vitória: disponibilidade coletiva (com e sem bola) e, principalmente, o momento da reação à perda da bola. Como pudemos ver no Tondela, no Paços, e em breve em Guimarães, este momento diferencia as equipas de Pepa: impõem o ritmo de jogo que querem, asfixiam os adversários e, numa consequência de ações que influenciam os colegas de equipa, tornam o colectivo coeso e pressionante contra qualquer adversário. Durante a pré-época, as ações técnicas podem nem sempre ser as melhores, o que leva a um maior número de perdas de bola e, consequentemente, maior necessidade para reagir a esse momento. É aqui que o trabalho de Pepa ganha ainda mais importância: se os jogadores forem capazes de reagir bem a este momento quando as suas pernas e cérebro não estão a 100%, durante a época as coisas vão ser ainda mais naturais e, como referi antes, inconscientes para os jogadores do Vitória:

3) Liberdade criativa: a paixão pelo golo e a influência do grupo na caminhada para a vitória

“Temos de ter prazer em fazer golo, é o melhor da p$#a da vida”. Esta paixão e quase obsessão pelo golo e pelo ataque à baliza contrária acaba por ser o início do objetivo final, que é esse mesmo golo. Uma equipa que tem as bases emocionais e táticas certas irá estar muito mais preparada para soltar o génio criativo dos seus jogadores nos momentos decisivos. Do hábito do treino até à felicidade no jogo pode ser um caminho longo, duro, mas é a base necessária para que tudo aconteça com naturalidade e de forma bastante incutida na mentalidade vencedora de uma equipa.

“Não há nada melhor do que a cobrança de pares” é também a base da pirâmide de Pepa e das suas equipas: do material de treino às competições a feijões, de uma jogada em pressão alta à frieza em frente à baliza, se o meu colega estiver bem e me passar essa mensagem, eu irei estar melhor e o rendimento da equipa será melhor. De pequenos gestos criam-se princípios e valores de uma equipa, e esses princípios e valores dão muitos pontos no final da época caso todos os membros de um clube os tenham alinhados e bem integrados. Como sempre se pode verificar quando há mais abertura de Pepa em entrevistas ou reportagens, é um homem de valores, um treinador que prioriza a abertura e frontalidade, e isso nota-se nas suas equipas e acredito que possa ser dos maiores elogios que se possam fazer a um treinador que promete muito no nosso futebol:

Sobre RobertPires 84 artigos
Rodrigo Carvalho. 26 anos, treinador adjunto-analista nos San Diego Loyal, EUA. @rodrigoccc97 no Twitter.

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