The Last Touch

Falou-se aqui – na última crónica sobre o FC Porto-Roma – sobre finalização e eficácia. E dela(s) muito se fala e falará, sempre. E é do mais comum ouvir-se, e ler-se, que só o golo conta (ou algo do género). Eu próprio, nessa mesma crónica, enfatizei que a única coisa que valida identidades, ideologias, teorias, sistemas é a eficácia. E tudo isto pode ser (ou parecer) muito bem dito, mas quando falamos na eficácia estamos a falar de um bicho, de um animal diferente do resto. Isto porque, tal como nos desempates por pontapés de penálti, a tentativa de recriar as reações que os jogadores podem ter é completamente impossível. Ora, também de uma bola corrida que possa decidir muita coisa se pode dizer o mesmo. É assim um facto que a eficácia nas ações de finalização é chave. Seja para quem defenda catenaccios, seja para quem defenda tiki-takas. Se o real objectivo é vencer (e não ser validado e bajulado pela vitória moral do jogámos melhor ou o futebol é injusto) a única coisa que conta é os golos que se apontam a favor e os golos que não se deixam apontar contra. Mas por mais que isto se repita… não torna mais fácil arranjar solução para quando uma equipa não finaliza com sucesso – ou, já agora, para quando não impede o adversário de finalizar com sucesso.

É claro que para este problema existir, primeiramente, outro terá que já estar resolvido. É óbvio que a equipa tem de criar para finalizar. De outra maneira estaria sempre à espera de uma hail mary para poder marcar. E daí vem a discussão sobre identidades, ideologias e sistemas. Umas – com determinado tipo de jogadores – vão criar mais do que outras. E no plano teórico a discussão pode arrastar-se por temporadas ou décadas, mas no terreno é imperativo ter a noção que a tentativa de criação paga hoje um preço mais alto que pagava há uns anos. Sabendo isso, e chegando onde eu queria chegar, Sérgio Conceição desenhou uma equipa que impede a criação de chances do adversário ao mesmo tempo que, na enorme maioria dos jogos que disputa, cria as oportunidades suficientes para ganhar. E se assim o é porque é que, mesmo tendo sido bem sucedida nos seus quatro anos como líder, viu Benfica e Sporting, ainda assim, roubarem-lhe os títulos conquistados?

Em futebol, como em tudo, há e sempre haverá upgrades a fazerem-se. A organização que se move com o tempo – e que muitas vezes se antecipa a ele, é a que terá sucesso. E olhando para o FC Porto, goste-se ou não da identidade, goste-se ou não do estilo, a competitividade está bem patente. E a eficiência do seu estilo de jogo é evidente, sendo até um exemplo de adaptação a vários estilos, como é também exemplo do crescimento de vários jogadores em relação a todos os momentos do jogo e não só a alguns. Mas, ideologias à parte, este é um FC Porto que ainda não conseguiu o grau de excelência que tem noutros momentos naquele que é talvez o mais importante de todos.

Disse eu, na tal crónica sobre o FC Porto-Roma, que Phil Jackson costumava catalogar todas as temporadas com um tema (sendo o mais conhecido como The Last Dance) e que Sérgio Conceição, ao avisar que a equipa tem na mente melhorar o registo das dez primeiras jornadas, deveria dar à sua 5.ª temporada no clube o tema de Em Busca da Eficácia Perdida. No entanto, e para capturar melhor a essência do fabuloso documentário sobre a dinastia dos Chicago Bulls, The Last Touch soará bem melhor para tema deste novo FC Porto. E melhor se perceberá quando revisitarmos a frase mais dita por Sérgio Conceição naqueles recorrentes empates (ou derrotas) num qualquer campo parecido com Tondela, Paços ou Barcelos (certamente saberão de que jogos estou a falar…). E quando Sérgio diz, recorrentemente depois desses jogos, que o FC Porto criou o suficiente para ganhar, e quando a semanas do início desta época diz também que o FC Porto tem de melhorar o registo pontual nas dez jornadas iniciais, parece estar implícito que se terá de arranjar maneira de ser mais eficaz no último toque.



Mas aqui do dizer ao fazer vai uma enormidade. E nós aqui podemos dizê-lo à vontade. [dentro] têm de se arranjar soluções. E como já se reparou este não é um Mundo muito virado para uma coisa tão subjectiva, e até abstracta, como a finalização. Ou se acerta, ou não se acerta. Porque é que uns acertam mais do que outros? Costuma-se atirar para a mesa que são mais talentosos, ou confiantes e tal. Mas, mesmo assim, não se passa muito do abstracto. E como tal na maioria das vezes pede-se para se fazer aquilo que é o mais simples: muda-se os jogadores que têm como missão finalizar (normalmente os avançados, claro) e esperam-se resultados diferentes. Mas Sérgio Conceição, como em todos os detalhes do jogo, é específico nos avançados que escolhe. Ainda nesse jogo contra a Roma se viu Taremi e Martínez a fazerem coisas defensivas que já não se vêem no Benfica há anos. Roubos de bola no meio-campo adversário não são coisa recorrente, nem fácil, mas esses dois conseguem-nos. Uma coisa é condicionar uma saída-de-bola e estragar o que vem a seguir, outra coisa é ganhar mesmo a bola e iniciar transição. E Sérgio sabemos dá, com toda a lógica, muito valor a isso.

E ao ver o futebol de hoje também eu lhe dou razão. Isso tem de lá estar. Não é um problema. O problema é que Taremi, Martínez, tal como Soares e Marega (não vi o suficiente de Evanilson para o incluir) apesar de conseguirem golos não são finalizadores natos e regulares. E aqui o normal no mundo futebolístico será a troca por alguém que o seja. Mas estará isso totalmente certo? Não haverá um padrão que possa ser corrigido nos dois que possa aumentar a eficácia? Lembro-me de reparar que Marega, por exemplo, raramente finalizava de primeira na área. Dava sempre mais do que um toque na maioria das vezes, e que isso, provavelmente, estaria a prejudicar a sua eficácia. Para Taremi e Martínez podem haver outros padrões físicos e técnicos que possam ser corrigidos, mas olhando para os dois e para a forma como conseguem certos golos (não, não são maus finalizadores mas podem ser bastante melhores) parece-me claro que o problema está na reação de bloqueio que certas ocasiões lhes despertam. Vou então pelo lado mental. Podia fazê-lo com Seferovic também, por exemplo. Até porque algumas vezes o suíço parece que não teria lugar no CNS e noutras encarrila uma sucessão de golos digna de matador. O que difere de uma dessas vezes para a outra? A técnica é a mesma (bastante bom nos movimentos de profundidade e a ganhar o espaço mas pouco hábil no restante) mas a eficácia é diferente. Porque será?

E se for pelo lado mental que ferramentas temos? Temos certamente a psicologia. Mas estará ela tão refinada ao ponto de um jogador não reagir da mesma forma que vem reagindo a um certo tipo de lance, situação ou contingência? Confiando que muitas dessas reações são até subconscientes, o que pode fazer alguém para transcendê-las? O que sentiu, por exemplo, Simone Biles quando todo o Mundo a reconhece como a melhor atleta mas a sua mente não? Toda a especificidade que tem de cumprir (e é imensa naquele desporto, quase como ter de marcar um golo a cada movimento) lhe pesa mais do que quando aquele desporto era somente uma diversão. Não querendo ir tão longe com Taremi e Martínez parece-me que há dificuldade na mudança de chip no que é ser agressivo, intenso sem bola para, depois, se poder cumprir com ela. É um facto, Sérgio Conceição criou uma equipa emocional. Um colectivo que usa a emoção como força, como combustível, que reage ao externo com força emocional e física na maioria das vezes. E isso pode estar a fazer com que os seus avançados finalizem também com essa força emocional ainda presente. É que enquanto isso pode ser bom para os momentos defensivos, a mente tem que estar tranquila para finalizar. Até porque um avançado já tem muito na cabeça para se preocupar, e tudo o que tem na mente vai reagir à contingência que o jogo e a situação na Liga lhe mostrarem. Mas se os seus corpos identitário, mental, emocional contiverem já dúvidas é difícil que não haja hesitação, que não haja reação. E essa condiciona a execução! Mas tal não é definitivo. Resta a Sérgio, e à estrutura, encontrar a fórmula. E num desses jogos difíceis num desses quintais mencionados acima, já o ouvi dizer depois de lhe perguntarem o que disse aos jogadores no intervalo para depois virarem o jogo que o importante foi dar-lhes tranquilidade. Talvez o caminho seja por aí.

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