Mão de Taremi corta dedo de Sérgio

Para que se tenha uma noção de como as coisas mudam, e de quem as faz mudar, o Atletico Madrid foi, aqui há uns anos, uma das vítimas do FC Porto de Jesualdo Ferreira. E na altura do sorteio, para os oitavos-de-final, nenhum portista ficou com calafrios, ou passou alguma noite em claro. Era um tempo em que os colchoneros não assustavam, e em que Hulk&cia sossegavam quem projetava a eliminatória. E assim foi, o FC Porto passou aos quartos sem ter estado em grande risco de os ver pela TV, batendo uma equipa (e um clube) que estavam patamares abaixo de um FC Porto em plena hegemonia nacional, vindo de dois títulos europeus e a caminhar para outro.

Anos depois, já depois da Liga Europa de Dublin, o Atletico calhou outra vez em sorte aos dragões – desta feita na fase de grupos. Mas desta vez a coisa não pintou da mesma maneira. O que mudou então? Várias coisas. Desde logo um Porto em renovação (que só culminaria em 2017) e com um técnico que, é reconhecido publicamente pelo próprio, não se adaptou à exigência. Mas também, e sublinhe-se o nome, Diego Simeone! Foi ele, num estilo pouco amado que fez crescer o clube para o patamar que os colchoneros sempre sonharam. Nem vale a pena citar os muitos títulos, ganhos e perdidos (para se perderem há que estar nas decisões) para se chegar a 2021 e antever um confronto muito desequilibrado com o FC Porto de Sérgio Conceição.

Mas, azar de Simeone e dos hinchas dos colchões, o FC Porto não ficou preso naquele limbo pós Vítor Pereira. E depois de Lopetegui dar um ar da sua graça, chegando aos quartos-de-final, Sérgio (depois de Nuno ter prosseguido a travessia no deserto nacional) arrumou a casa. Como Simeone também o ex laziale português catapultou o nível. E não fossem Benfica e Sporting estarem vários furos acima do que eram quando o FC Porto dominava a bel-prazer a Liga, talvez os números de Sérgio fossem ainda mais condizentes com o nível do seu trabalho. Ainda assim (e ainda bem para a Liga que tem hoje um nível diferente para melhor) Conceição deu aos portistas 2 campeonatos. Mas não satisfeito (raramente está), o técnico elevou bastante o nível na Europa. E não são só as passagens às fases a eliminar, e as duas presenças nos quartos, que o explicam. É o que levou a isso.

Na 1.ª parte não houve muitas saídas do Atleti para o FC Porto pressionar e travar. A bola do Atletico veio da pressão e da reação à perda dos de Simeone – fortíssima nos primeiros 45 minutos. Ainda assim, este era um dos posicionamentos mais altos do FC Porto, no habitual 442 que, em zonas mais baixas, vai incluindo números na linha defensiva.

E tal como nos lembramos do Atleti ser uma vítima para o FC Porto, também nos lembramos que sempre que se apanhava um colosso, o FC Porto da hegemonia acabava por tremer. Ou era um atraso mal feito, um passe com força a mais, um duelo perdido, um escorregão ou um frango, tudo lhes acontecia – isto exceptuando os anos dourados. E se há coisa que os faz lembrar, é ver o FC Porto não ceder um milímetro nas suas pretensões. Seja com a Juve, seja com um Chelsea que acabou com a Champions na mão, ou contra um City que acabou na Final, o Porto deixou de escorregar, deixou de frangar, deixou de oferecer brindes. E joga hoje no Wanda Metropolitano, discutindo o resultado e o domínio do jogo até ao fim – estando até mais perto de o vencer do que os milionários.

As já referidas pressão e reação dos colchoneros deixou poucas hipóteses ao FC Porto de assumir a organização ofensiva no primeiro tempo. Houve saídas sim, em transição mas pouca bola no meio-campo ofensivo. Mérito dos de Simeone.

E isto acontece porque Sérgio (que viu o Liverpool força-lo a aprender a lição à força) é hoje um treinador com olhos opostos no futuro. E a maneira como a equipa desenha o sistema que mais lhe convém, conforme a posição que o adversário ocupa é o garante de estabilidade que não existiu nos dois confrontos contra o Liverpool. E mesmo que a primeira-parte não tenha corrido de feição (a pressão do Atleti foi demasiada para os portistas se soltarem e pegarem realmente no jogo), a equipa manteve-se estável mentalmente e não se desequilibrou como no fim-de-semana passado contra o Sporting.

Organização defensiva de Conceição desdobra-se como um acordeão. Como contra a Juve, como contra o Chelsea, a pressão alta a dar frutos e a causar enorme desconforto no adversário

Ao invés partiu para uma segunda metade mais ao nível do que se viu frente ao Chelsea e esteve bastante perto de conseguir a vitória. Ora não se entenda com isto que o FC Porto foi ao último terço fustigar a linha defensiva de Simeone, mas mantendo-se estáveis em organização defensiva (alternando no 442, 541, ou 631 conforme a zona da bola) os portistas conseguiram os momentos para se soltarem e irem aproveitando cada vez mais uma sede, e obrigação, do Atleti em vencer, mas que nunca passou de falsas ganas e fogachos anulados pela superior organização defensiva de Sérgio. E já com linha de três, o Atletico esqueceu-se de quem tinha pela frente. Valeu-lhe que haja leis que protegem uma maioria de lances e se esquecem de que cada caso é um caso. E neste caso a interpretação geral anulou uma interpretação individual fácil de aceitar por todos: o toque de Taremi não muda em nada o curso da jogada mas acabou por cortar o dedo de Sérgio. Vale ao técnico ter ainda mais dedos para o que aí vem.

Atletico Madrid-FC Porto, 0-0

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