Sem bola, deixamos de ser nós – Pep e a posse que esconde defeitos

“É a bola. Se analisarem individualmente a nossa equipa, não temos jogadores fortes defensivamente – Bernardo, Gundogan, Kevin, Riyad, mesmo o João, o Alex [Zinchenko] – mas temos a bola. A bola é a única razão pela qual somos estáveis, bem como o que fazemos com ela – criamos muitas oportunidades, é a bola; concedemos poucas oportunidades, é a bola -, está relacionado com a forma como nós jogamos no centro do jogo e a forma como lidamos com isso define a nossa estabilidade lá atrás e a nossa produtividade lá à frente. Sem isso, estes mesmos jogadores vão conceder muitas oportunidades. Contra o Newcastle foi assim, simples: três ou quatro passes e perdemos a bola. Queríamos atacar muito rápido mas não o podemos fazer, nós não somos o Liverpool e eles são mestres a fazer isso, nós não. Nós temos de jogar com a bola. Na segunda parte fizemos mais passes, mais passes, mais passes, com mais paciência e paciência não significa lentidão! Se tens a bola, a tua equipa está em ordem e tudo está estável. Estabilidade é a bola, não é sobre defender 40 metros atrás ou 40 metros à frente ou pressionar alto ou defender baixo ou jogar longo ou o que for… Para se ser estável como equipa é preciso ter a bola, só isso.”

Pep Guardiola, treinador do Manchester City

De facto e se pensarmos na posse como uma forma de proteger os jogadores dos momentos do jogo onde são mais débeis? Uma abordagem holística na implementação de um modelo de jogo deve obviamente incluir as características dos jogadores na construção do jogar a que se quer alcançar. O que Pep afirma acima liga-se um pouco com isto e vai para além das suas ideias e convicções como treinador (que bem sabemos quais são…): se se tem à disposição jogadores que no momento de transição defensiva e posteriormente de organização defensiva não tão aptos (seja por motivos físicos, volitivos, o que for) o ideal é construir um jogar que os esconda desses momentos e dar-lhes essencialmente largos momentos de organização com bola – trata-se de incutir princípios que respeitem uma posse segura (opções próximas geometricamente racionais no que toca ao jogo de posição – triângulos, losangos, apoios frontais dos apoios frontais), intencionalmente paciente (no sentido da tomada de decisão permanente do portador tender para a conservação da posse e não de acelerar o jogo verticalmente sem necessidade) e bem executada tecnicamente (passes tensos com alternância curto/longo). Trata-se de tentar retardar ao máximo a entropia do jogo (inevitável, pois toda a posse tende para a perda tal como a ordem tende para o caos na natureza), com os jogadores mais tempo nas suas posições de organização e sem partir o jogo para um registo de transições rápida – a estabilidade que se quer.

E para quem acha que esta posse tende a ser inofensiva vejamos então o que o Manchester City produziu ofensivamente neste Boxing Day, com 6 golos e, particularmente na primeira parte, num registo de grande segurança e conforto no jogo. Olhando para o plano de jogo, alinhando na estrutura de 1-4-3-3 já característica dos modelos de Pep, derivamos cada vez mais para um 1-4-1-3-2 numa saída em construção apoiada em 2+1 com o 6 à frente dos dois centrais e os dois laterais baixos (uma saída em 4+1 quase), extremos posicionados em largura e profundidade máxima e depois a dinâmica do “falso 9” exacerba-se com este a descer mesmo à altura dos interiores configurando o meio-campo em 1+3 e funcionando muitas vezes como apoio frontal para 3º homem com o interior a ativar rotura subsequente.


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Sobre Juan Román Riquelme 97 artigos
Analista de performance em contexto de formação e de seniores. Fanático pela sinergia: análise - treino - jogo. Contacto: riquelme.lateralesquerdo@gmail.com

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