Sérgio Evolução

Bem sabemos que o futebol se tornou extremamente atrativo para quem procura algo para se validar a si próprio. Desde a imposição de ideias, a filosofias, a teorias, tornou-se bastante normal a colagem de uma teoria a todas as situações. Vemos isso nas tais batalhas filosóficas entre dois estilos de jogo, como vemos na abordagem a certos momentos do jogo, onde aparece sempre a alguém a defender determinada teoria como solução para um erro visível. Contudo, permitam-me desiludir-vos, o futebol não é o lugar certo para quem quer conforto ou validação. E a evolução do jogo torna cada vez mais óbvio que ficar estático e agarrado a uma ideia não tem lugar no jogo. Porquê? Primeiramente porque o posicionamento de um jogador ou de uma equipa não pode ser estático. Cada vez mais cai então em desuso a observação de que certa equipa joga em 442. Cai também em desuso a observação de que a mesma equipa defende em 442, porque é cada vez mais normal as equipas desenharem diferentes sistemas consoante a posição da bola, consoante a posição dos opositores. Tudo isto é tudo menos estático. É até bastante intuitivo porque obedece a estímulos. Tanto que arredou os famosos print screens (por si sós) da análise futebolística. Isto porque determinado posicionamento pode ser considerado certo por frações de segundo e rapidamente deixar de estar por haver determinado movimento de um opositor que um defensor – ou a linha defensiva por inteiro – não se apercebem. São nesses estímulos, e na resposta aos mesmos, que se faz a evolução do jogo.



Ninguém,por exemplo, ousará dizer que a linha defensiva do FC Porto está mal trabalhada. Mais ainda quando a mesma vem de duas vitórias frente ao Benfica, num agregado de 6-1. Este é o cenário que quem quer fazer vida no futebol sonha, mas que tem pouca correspondência com a realidade. O cenário de que se pode pausar o momento para desfrutá-lo simplesmente não existe em futebol. Porque mesmo um FC Porto que bateu por 6-1 um dos maiores rivais, no espaço de uma semana, tem aspectos a melhorar, tem aspectos a evoluir. Desconfiem pois de quem vos oferece, dia após dia, semana após semana, o conforto de uma ideia que garanta estes momentos de sucesso sem terem que a transcender – o que implica muitas vezes deixá-la para trás. Bem sei que é o sonho de muitos e que o futebol começa a ser chato quando deixa de obedecer a teorias e nos dá chapadas de realidade. Mas a verdade é que o futebol e sua evolução é uma coisa muito prática e muito pouco teórica.



Há uma semana trouxemos as críticas à linha defensiva do Benfica no lance do terceiro golo do FC Porto, em comparação com o passar em claro do posicionamento da linha defensiva portista no lance de Darwin (o tal que não deu golo pelo tamanho de uma chave de um carro). E esta semana outro posicionamento benfiquista fica na retina no lance do segundo golo do FC Porto (Pepê). E como a vitória fica gorda, dobrando de volume no espaço de uma semana, volta a passar em claro o comportamento da linha defensiva dos portistas no golo de Yaremchuk. O que prova que mesmo as linhas mais trabalhadas, que mesmo aquelas que são consideradas competentes, podem reagir mais tarde (e fatalmente) a estímulos. E se a linha do Benfica prova a desordem que reina compreensivelmente no Seixal, e coloca em xeque a ideia de Veríssimo em alterá-la a dois dias de um jogo tão importante, a linha do FC Porto prova que mesmo as já consideradas melhores necessitam de transcendência. E isto indica que quer para as melhores, quer para as piores, o caminho é exactamente o mesmo. Sempre a subir, sempre a transcender, sempre a evoluir. E ainda assim, não vão deixar de haver erros. Não vão deixar de haver golos. Se Mbemba se apercebe, como Yaremchuk se apercebeu, de que a bola podia realmente passar, o seu posicionamento seria naturalmente mais baixo aquando do passe de Rafa. Mas com a bola coberta, a confiança do portista de que a bola não passaria é compreensível, passando a validar – de alguma maneira – o seu posicionamento. Não é um erro estrutural. É um erro de percepção. É um julgamento que teve de ser feito. E é trabalhável (não por aposta mas por previsão e intuição). E isto é só o lado de Mbemba. Há também o lado de Fábio Cardoso e a forma como aborda a bola.

Daí o trabalho de um treinador não ter aquele glamour que aqueles que querem essa profissão imaginam. Deixar passar estas hipóteses de evolução pode ser feito por adeptos e comentadores (especialmente aqueles que vos vendem panaceias), enquanto que Sérgio Conceição teve menos umas horas de sono a ver coisas deste género. E é por isso que nas suas equipas cada vez mais vemos os posicionamentos a obedecerem a certos estímulos, a prepararem-se para isso, e não a quererem validar uma ideia de one size fits all. E o lado triste da vida de um treinador é que nem assim serão sempre perfeitos. O que é então a perfeição? É a constante procura desse mais para a qual é preciso um certo desapego e uma certa noção de ignorância própria que muitos não estão dispostos a aceitar.

Não se trata de crucificar a linha defensiva do FC Porto. Não se trata de colocá-la no mesmo patamar da linha do Benfica no golo de Pepê. Trata-se de clarificar que mesmo num cenário altamente glorioso para a equipa, há sempre margem de evolução e de transcendência. Mbemba confiou numa bola coberta que na realidade não existiu. A possibilidade de offside não existe. O porquê do posicionamento mais alto de Mbemba e a abordagem de Fábio Cardoso não deixam os treinadores dormir. No futebol celebrar é perder tempo – ainda mais, vitórias que não dão títulos.

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*