José Mourinho. Modelo de jogo. Incongruência. Evolução?!

A primeira de muitas, efusivas, e mais célebres manifestações de alegria por parte de José Mourinho tiveram um significado especial na minha formação enquanto treinador. Desde que chegou ao Benfica, tendo passado pelo Leiria, pelo Porto, tendo tido continuidade no Chelsea, foi um treinador que sempre me impressionou por tudo o que fazia. Pelo método de treino, pelo rigor no seu trabalho, pelo “circo” que montava na imprensa, pela defesa dos valores da equipa e protecção dos seus jogadores. Mas, aquilo que mais me impressionou, desde sempre, e que para mim era a grande bandeira do brilhante treinador português, foi sempre o modelo de jogo distinto. Organização colectiva de grande qualidade, em TODOS os momentos do jogo. Defensivamente fortíssimo, com zonas de pressão fantásticas. Em transição ofensiva letal, pela sistematização desse tipo de lances no treino, e pela qualidade na tomada de decisão dos seus jogadores. Em organização ofensiva, como poucos no mundo. Futebol de posse, posse de qualidade, criatividade, superioridade numérica constante no meio campo, onde os médios eram (a excepção de Costinha) elementos de grande capacidade cognitiva e qualidade técnica. No fundo, a superioridade do modelo de Mourinho para outros era tão grande, que não foi de estranhar a avassaladora conquista consecutiva de títulos, em Portugal e fora de portas. Mourinho mostrava o futuro do futebol. Mourinho era, então, o melhor treinador do mundo, por larga margem.

“Quero alcançar melhores resultados com um futebol mais alegre”

“Para mim, a beleza no futebol passa sobretudo por ter o controlo do jogo através da posse de bola, dos ritmos de jogo, trocas de passe e os jogadores criativos terem preponderância dentro do colectivo.” 
Mourinho, in A Bola.

Mourinho dizia-me: Assumir sempre os jogos, não se descaracterizar perante os adversários, é uma característica das minhas equipas. Já o era quando treinava o União de Leiria, que era uma equipa que não tinha essa obrigação. Para mim, o mais importante é sempre a nossa própria equipa e não o adversário

Ter um modelo de jogo perfeitamente definido e não fugir dele, acreditar nele, é um aspecto marcante das minhas equipas. E é fundamental que assim aconteça”
Eu não vou para nenhum jogo em que a organização defensiva me exija mais do que a organização ofensiva. Assim como não vou para nenhum jogo sem que todos os jogadores tenham a sua função ofensiva e defensiva. Inclusivamente, o guarda redes tem a sua função ofensiva.”

“Não consigo dizer se o mais importante é defender bem ou atacar bem, porque não consigo dissociar esses dois momentos.”

“Acho que a equipa é um todo e o seu funcionamento é feito num todo também.”

“Penso que isso tudo está demasiado interligado para eu fazer essa separação”

“Numa equipa que quer ser de topo, todos os jogadores têm de participar nos quatro momentos do jogo… guarda redes incluído”

“Algo que para mim também é muito claro é que, para se assumir o jogo, é necessário ter a bola. Assumir o jogo é ter a bola e usufruir dela.”

A minha ideia táctica principal passa por termos noção clara da coisa mais importante do futebol moderno para além de marcar golos: ter a bola.”

Campo grande a atacar, linhas juntas a defender; uma reacção forte à perda da posse de bola; uma estrutura fixa em termos posicionais e uma estrutura móvel, ou seja, há jogadores que têm posições fixas no campo e há outros que, pela sua dinâmica, têm mobilidade, apesar de haver sempre equilíbrio posicional”

Gosto que a minha equipa seja uma equipa com posse de bola, que a faça circular, que tenha muito bom jogo posicional e que os jogadores saibam claramente como se posicionam. Aliado a isso, defender bem e ter qualidade individual também são aspecto cruciais.

“Há equipas exageradamente preocupadas com o aspecto defensivo e, muitas vezes, no jogo, têm grande dificuldade em sair de uma situação de pressão para uma situação de posse. Esse é um aspecto que eu trabalho imenso: a saída após recuperação da posse de bola. Isto é, ter a capacidade de jogar de uma forma a defender e, depois, em posse de bola, modificar aquilo que é fundamental: a recuperação das posições em campo, o tirar a bola da zona de pressão, etc.”

“Para além da posse e circulação, outro grande princípio que facilmente se identifica nas minhas equipas é o «pressing» alto zonal. E, para mim, o pressing não é mais do que um meio para se recuperar a posse de bola e só faz sentido se depois a equipa souber fazer uso dessa posse.”

“Quando cheguei ao Leiria, a União jogava com muita gente atrás da linha da bola, num sistema de contra-ataque ou ataque rápido, e a sua organização ofensiva era muito fugaz. A minha intenção era torná-lo numa equipa mais dominadora, com mais tempo de posse de bola, com mais iniciativa de jogo, com mais controlo sobre o jogo e que jogasse mais em continuado. E, nessa perspectiva, a equipa teria que defender bem, mas sem utilizar o principio da «povoação», porque há equipas para as quais defender bem significa «povoar» muito. Portanto, as dificuldades que se criam ao adversário não são pela qualidade do jogo defensivo, mas sim pela aglomeração dos jogadores. Se uma equipa da terceira divisão com maus jogadores, mas onze jogadores todos eles em situação defensiva no primeiro terço do campo, for jogar contra o Real Madrid, o Real Madrid vai ter sempre algumas dificuldades. Agora, aquilo que eu quero é defender bem, mas não pelo princípio da aglomeração de jogadores.”

“Para mim, defender bem é defender pouco, é defender durante pouco tempo, é ter a bola o mais tempo possível, é estar a maior parte do tempo com a iniciativa de jogo, não tendo necessidade de estar em acções defensivas. Para outros, defender bem é defender de uma forma compacta, é defender, por exemplo, com todos os jogadores atrás da linha da bola, retirando espaço aos seus adversários. Para outros ainda, defender bem é anular, sob o ponto de vista individual, os jogadores fundamentais da equipa adversária. Para mim, defender bem é uma mistura de «pouco», em termos de quantidade de tempo, mesclado com o momento da perda da posse de bola.”

“Pode-se defender bem em qualquer lugar. Agora, eu prefiro defender longe da minha baliza, porque, quando recupero a bola, estou mais perto da baliza do adversário, que é o meu objectivo no jogo.”

“Há quem diga que os jogadores mais criativos – aqueles com grande potencial ofensivo – devem ser poupados ao nível das tarefas defensivas. Eu penso que quem disse isso percebe pouco de futebol! Quem diz isso ou é o adepto comum, ou é o jornalista ou o crítico que, como quase todos, sabe pouco de futebol, ou é o treinador que ainda não chegou ao topo ou que já esteve e já desapareceu. Porque, no futebol de hoje, esses conceitos estão completamente mortos. Os onze jogadores têm que saber o que fazer em posse de bola e os onze jogadores têm que saber o que fazer quando o adversário tem a posse de bola.”
Citações retiradas do livro de Bruno Oliviera, Nuno Amiero, Nuno Resende, e Ricardo Barreto, de 2006: Mourinho. Porquê tantas vitórias?

Assim, nesta época, o treinador português encheu-me de esperança ao ouvir no início da época, as suas intenções para com o modelo de jogo do Chelsea.

Mas as incongruências desde cedo se vislumbraram. Veja-se as mudanças que operou contra o Everton, uma equipa sem qualidade individual que se compare ao Chelsea. No qual o treinador também está no seu primeiro ano de trabalho. Mourinho mudou demasiadas vezes o seu modelo, para que as regularidades que dizia querer se manifestassem com qualidade, consecutivamente. Tudo em nome de uma ou outra vitória, onde a equipa foi tendo reforço positivo de comportamentos, que contrastavam com as suas intenções iniciais.

Depois do jogo de ontem, que não vi, é o treinador com mais presenças em meias finais da Liga dos Campeões (8). Depois desta época, é um treinador talhado para provas a eliminar. Que trabalha o seu modelo para os jogos “grandes”. Mais uma vez, depois do Chelsea, Mourinho constrói uma equipa que não se sente confortável quando está em posse, em organização ofensiva (aqui). Assim, nas suas palavras, a equipa não quer assumir o jogo. Não joga como os grandes. Espero que o próximo ano traga as mudanças que Mourinho prometeu no início da época. Espero que depois do mundial eu tenha “o meu” Mourinho de volta. Aquele que não muda em nome de vitórias esporádicas. Aquele que no longo prazo, em provas de regularidade, demonstra superioridade ao nível de jogo, sobre todos os outros. Aquele que no final, vê isso mesmo reflectido na tabela classificativa, sem que equipas de menor valia individual consigam beliscar o seu percurso. Integrando isso na mais valia que é a forma como prepara os grandes jogos, e a consequente vitória no campeonato em que participa.
Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

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