Inter de Conte e City de Guardiola. Uma reflexão-convite ao entendimento da Cultura Táctica Parte II

Nota: esta é a segunda de um artigo de duas partes. Para melhor interpretação desta segunda parte, sugiro a leitura também da I parte.

Na primeira parte deste artigo, usei o Inter de Conte e o City de Guardiola (época passada), como exemplos, creio, elucidativos de uma coexistência entre uma ordem – que se expressou numa invariância em termos de padrão e que deu a respectiva identidade a cada uma dessas equipas – e uma variabilidade – expressa pela emergência do aqui e agora – e assim, a partir desses exemplos, poder partir para uma reflexão sobre o entendimento da Cultura Táctica.
Relembrando alguns dos pontos que foram levantados e que servem agora de ponte para esta segunda parte:


A Cultura Táctica, do jogo, como natureza inquebrantável, tem necessariamente tudo. O ter tudo é ter abertura na variabilidade mas assente numa Matriz da qual essa variabilidade emerge, como uma necessidade até…


Essa variabilidade, sendo essencialmente do jogo, pode também advir do estratégico se incluída e assente na Cultura construída, dominada, que se manifesta já com uma certa consistência e quando acontece com espontaneidade.

A variabilidade presente nos jogos de Inter de Antonio Conte e City de Guardiola, resultado essencialmente de algo construído e aculturado coerentemente durante mais que uma época até, caracterizou-se por um JOGO TODO, onde o aqui e agora regeu em parte o rumo da circunstância em vez de o jogo ir forçadamente para onde se predeterminou.


Coerência foi o que guiou o Inter de Conte e o o City de Guardiola (até antes da final da Champions). Coerência foi o que guiou à consolidação de uma Cultura de jogo, que obteve na maximização da redundância com a maximização da variabilidade duas fontes de energia para crescer.


A partir destes mesmos pontos, e agora saindo agora um pouco da análise ao Inter de Conte e City de Guardiola, procurarei apresentar as implicações desta concepção.

Implicações

Garantir ao mesmo tempo a maximização da redundância com a maximização da variabilidade, como condição para o emergir de uma Cultura de jogo, é um dilema que exige aferição. Em que doses proporciono organização Táctico-estratégico e em que doses espontaneidade?; como se ligam uma com a outra?; de que forma a alternância semanal em termos de processo as vai enquadrar?;em que dias as apresento e porquê?; Que interferência na operacionalização do Modelo de Jogo, nas escolhas para o onze, e até na dinâmica de gestão do grupo, constituição do plantel e política desportiva? são questões que daí podem (devem) advir.

Ponto prévio

As convicções que exponho não são feitas com qualquer tipo de pretensão de que a pólvora tenha sido descoberta. Sei que hoje em dia o Treinador é co-agente numa indústria organizada, onde, num contexto clubístico, a sua intervenção é extremamente sensível em todos os níveis de interacção, e onde é parte integrante de um trabalho de Equipa(s). Contudo, pelas especificidades da sua posição, o Treinador é um articulador entre cima e baixo, entre baixo e cima e entre outros elementos que se encontram ao mesmo nível. Um articulador, com uma posição (cada vez mais) complexa mas que, para além disso, tem uma responsabilidade de tal forma directa e influente no desempenho desportivo da Equipa que que essa mesma responsabilidade/influência é consequentemente extensível aos desempenhos desportivos e financeiros do clube. Isto é algo que não deve na minha opinião ser subvalorizado. E é sobre este poder de influência nomeadamente que incluo nesta reflexão a sensação convicta de que o mesmo tem sido desvalorizado na definição dos planos de intervenção dos clubes e do sistema futebolístico e na valorização (desportiva e por consequência financeira) dos jogadores e do espectáculo.

Resistir à tentação e convidar à serenidade

O dilema de que falo requer de facto… extrema sensibilidade.Se por um lado existe a necessidade de organizar a Equipa e dotá-la de um Colectivo que expresse uma invariância/Identidade – que por sua vez lhe dê regularidade, consistência, referenciais, princípios que orientem as InterAcções entre os jogadores – existe, por outro lado, a necessidade de se estar preparado para lidar com a imprevisibilidade do jogo.

Resistir à tentação de tudo querer controlar/prever (para que o espontâneo apareça), mas, ao mesmo tempo, conseguir que a sua Equipa tenha um poder de controlo sobre o jogo, é uma arte por parte do Treinador. E toda a arte exige paciência, abertura e serenidade para que o caminho vá aparecendo com fluidez e com naturalidade. Só tendo uma imagem na cabeça do que queremos para o nosso jogo, que nos acompanhe sempre nesse caminho, a nós e aos jogadores, é possível dar significado/enquadramento a tudo o que fazemos sim, mas só perante alguma abertura e dando o tempo necessário para essa ideia se entranhar/consolidar é que a definição vai aparecendo. Só assim é possível dar vida a um processo de Aculturação consistente.

O aculturar só possível se numa máxima implicação

Aculturar é, sob este ponto de vista, literalmente entranhar e enraizar um saber, ir expandido uma rede de memórias, conhecimentos, de associação de conceitos, um corporizar de sentimentos. Por um lado, um saber fazer que queremos também que seja um saber (tornar consciente) sobre um saber fazer.

“Pensamento é para o cérebro, emoção é para o corpo“ (Joe Dispenza, 2018) – cérebro e corpo, funcionando como um todo completamente implicado, liga pensamentos a sentimentos e sentimentos a pensamentos, daí que, num processo de aculturação verdadeiramente aquisitivo, esse mesmo jogar só se torna realmente seu (da Equipa, do Treinador, dos jogadores) – isto é, torna-se um hábito – se for vivenciado – um hábito que se adquire essencialmente na (inter)Acção – com a máxima intensidade possível e total implicação do corpo-mente.

Chegamos assim ao conceito de máxima intensidade (embora relativa ao nível funcional disponível de cada dia).

Máxima intensidade que é relativa (ao dia). Hábitos que se adquirem na (Inter)Acção

A máxima intensidade é o que mobiliza o todo corpo-mente a adaptar-se, a modelar-se. E é através da acção que se adquire o hábito.

Quando falamos em Cultura de jogo, implicamos nela necessariamente o conceito de intenção, “uma representação mental muito especial: ela representa o que é apenas possível, implica obrigatoriamente o agente na preparação da acção, e pode ser muitas vezes, não consciente(Jacob e Lafargue, 2005 citados por Jorge Reis, 2018).

Daí que se faça a distinção entre dois tipos de intenção, intenções prévias, conscientes, deliberadas e anteriores à acção e intenções em acto, as que ocorrem no decorrer da acção. E é daqui que vem um problema.

É que grande parte das decisões que acontecem durante um jogo, no calor da acção, não são premeditadas, conscientes, ou pelo menos não deveriam ser. São estas, as quais dependem de uma espécie de corpo-hábito, do que está enraizado e mais automatizado, que leva a que as coisas saiam mais espontaneamente e sem serem propriamente pensadas. Simplesmente saem.

Sistemas de aprendizagem conscientes e automáticos

Conceber o Modelo de Jogo como uma Cultura Emergente, enquanto processo dinâmico e concretizado no aqui e agora – é fazer aparecer em treino intenções em acto adequadas às intenções prévias (representações mentais) com o objectivo de fortalecer laços de significado mais fortes ainda, tendo como tema de fundo o jogar que se pretende. No fundo, modelar uma Especificidade, através da operacionalização no aqui e agora, onde a intervenção do Treinador é outro aspecto fundamental.

Contudo, em tal lógica, onde a presença da Especificidade pode ocorrer de forma mais ou menos explícita (já lá vou), é importante reconhecer em primeiro lugar que pelo meio há sistemas de aprendizagem mais conscientes e sistemas de aprendizagem mais automáticos, cuja solicitação é, em ambos os casos, potenciadora de ganhos.

Sou em seguida a explorar cada um desses sistemas, sob o ponto de vista das suas individualidades, nomeadamente os seus diferentes tipos e níveis de esforço, mas também da sua articulação.

Uma nota sobre o papel da consciência

Estes sistemas de aprendizagem estão neste caso, como em qualquer processo de aprendizagem, interligados. Mas creio ser importante acrescer uma nota sobre a importância do papel da consciência, na medida em que constitui um meio para nos apropriarmos dos nossos actos e, como tal, através de uma repetição sistemática (mas consciente e intencional), tornar a aquisição mais eficiente.
Assim, exercendo um certo controle sobre o subconsciente, através da consciência, o desenvolver de uma Cultura de jogo é um desenvolver concomitante do saber fazer e de um saber sobre um saber fazer.
Para além de um simples fazer, todo o processo de descoberta ganha maior significado quando há uma intencionalidade e uma emotividade implicadas, que fortaleçam o sentimento de causalidade entre acção e efeito. Aqui desemboca a máxima intensidade, embora relativa ao dia, e máxima implicação que falei anteriormente, como necessidades para o entranhar/aculturar.

Fazer evoluir (simultaneamente) processos conscientes e subconscientes

A necessidade de fazer evoluir concomitantemente processos conscientes e subconscientes, implica perceber a lógica de como se articulam, se influenciam e diferem entre si.

Daniel Kahneman, prémio Nobel da Economia de 2002, pegando na denominação de Keith Stanovich e Richard West, refere-se a estes dois tipos de processos, como o Sistema 1 e o Sistema 2:

“O Sistema 1, relacionado com os processos mais subconscientes, opera automática e rapidamente, com ou sem nenhum esforço e sem a sensação de controlo voluntário. Já o sistema 2, distribui a atenção pelas actividades mentais esforçadas que a exigem, incluindo os cálculos complexos. As operações do Sistema 2 estão muitas vezes associadas à experiência subjectiva de actuação, escolha e concentração.”

No seguimento desta descrição, mais algumas ideias do autor sobre os dois Sistemas enquanto agentes com as suas capacidades individuais, limitações, funções e relação mútua.

Sistema 1, sistema intuitivo

“As funcionalidades do Sistema 1 incluem capacidades inatas, que partilhamos com outros animais… percepção do mundo em redor, reconhecer objectos, orientar a atençãoOutras actividades mentais tornam-se automáticas através da prática prolongada (como é o caso do treino); o Sistema 1 aprendeu associações entre ideias; o conhecimento está armazenado na memória e é acedido sem intenção em esforço (comoum saber fazer)…

Destaquei a bold o orientar a atenção para evidenciar uma funcionalidade que é partilhada pelos dois sistemas e, mais adiante, relacionar a questão do “orçamento limitado” da atenção com a alternância semanal, nomeadamente o estorvo que pode advir da atenção estar demasiadamente focada nas questões não-aculturadas, como o pode ser o excesso do lado estratégico.

Sistema 2 e controlo da atenção intencional

O controlo da atenção é partilhado pelos dois sistemas. Orientarmo-nos em relação a um som alto é em geral uma operação involuntária do Sistema 1, que mobiliza de imediato a atenção voluntária do Sistema 2″. O autor dá um exemplo: “perante um comentário em voz alta e ofensivo numa festa cheia de gente, a nossa atenção é inicialmente atraída para esse comentário pelo menos durante algum tempo”. Quer o autor evidenciar que, mesmo que não queiramos, não podemos ser insensíveis a estímulos que activam o Sistema 1, pelo menos até o Sistema 2 estar alerta.

No entanto, “a atenção pode ser desviada de um foco indesejado se a focarmos intencionalmente noutro alvo,o que acontece por via do Sistema 2. As suas operações diversas têm como característica mobilizarem uma atenção voluntária. Exemplos:

– concentrar-se para o tiro de uma partida;

– Procurar uma mulher de cabelo branco;

Manter uma passada mais rápida daquela que normalmente é a vossa;

– Contar as vezes que a letra a aparece numa página de texto;

– Estacionar num espaço apertado (para a maioria das pessoas excepto para os empregados de parque de estacionamento);

Verificar a validade de um argumento lógico complexo.”

Em todas estas situações têm de prestar atenção e realizarão pior as tarefas, ou não as realizarão, se não estiverem prontos, ou se a vossa atenção não for dirigida adequadamente para o estímulo relevante.

O Sistema 2 pode programar o Sistema 1

Relacionando esta questão com o capítulo Uma nota sobre o papel da consciência, onde falei sobre a influência da consciência no tornar a aquisição de hábitos mais eficiente, o autor refere que o Sistema 2 tem alguma capacidade para mudar o modo como o Sistema 1 funciona, programando inclusive as funções normalmente automáticas da atenção e da memória, o que serve para reforçar a analogia que vou pretendendo fazer com a perspectiva de evolução concomitante do saber fazer e do saber sobre um saber fazer.

Por exemplo, “quando esperam por um familiar numa movimentada estação ferroviária, podem dispor-se voluntariamente a procurar um homem de barba e, assim, aumentarem a possibilidade de detectar um familiar à distância. Podem programar a vossa memória para procurar capitais que comecem por N, ou quando alugam um carro no aeroporto de Heathrow, Londres, mentalizarem-se que conduzirão pela esquerda”.

A questão é que em todos estes e os outros casos apresentados no capítulo anterior, é-vos pedido que façam algo que não surge naturalmente e onde têm de prestar (maior) atenção para realizar a tarefa. Descobrirão que a manutenção consistente de uma série dessas operações, é constrangedora e exige o exercício contínuo de pelo menos algum esforço.

Ora, é da presença de determinados tipos de constrangimentos, com elevado nível de complexidade e relevância, que o JOGO, perante padrões de problemas/soluções igualmente complexos e constrangedores, faz com que prestar atenção, seja em determinados momentos, necessariamente desapressar… mas sem o Sistema 1 desligar (Prof Vítor Frade, 2021).

A interacção entre os dois sistemas I

Indo um pouco mais profundamente à interacção entre os dois sistemas, o autor refere que “o Sistema 1 gera continuamente sugestões para o Sistema 2 – impressões, intuições e sensações que se forem apoiadas pelos Sistema 2, transformam-se em crenças e os impulsos em acções voluntárias.”, algo que acontece no processo de construção de uma Cultura de Jogo, quando agregadores culturais, como os são os Princípios e a intervenção do Treinador, articulam coerentemente o plano do significado e o plano da emergência. Funcionando, os jogadores passarão a acreditar cada vez mais. Mas para isso é preciso ver para crer.

Outras das ideias expostas por Daniel Kahneman são:

Quando o Sistema 1 encontra uma dificuldade acorre ao Sistema 2 para que forneça um processamento mais detalhado e específico, quando surge uma questão para a qual o Sistema 1 não ofereça resposta, exemplo 17×24.,

Poderão também sentir um acesso de atenção consciente (Sistema 2) quando são surpreendidos, o estímulo surpresa activa e orienta a vossa atenção.

..

Contínua monitorização do controlo do comportamento (Sistema 2) .

O Sistema 2 é mobilizado para aumentar o esforço quando detecta um erro.”

“Em suma, a maioria daquilo que pensam e fazem tem origem no Sistema 1 mas o Sistema 2 prevalece quando as coisas se tornam difíceis”.

A interacção entre os dois sistemas II.

A divisão do trabalho entre o Sistema 1 e o Sistema 2 é altamente eficiente. minimiza o esforço e optimiza o desempenho. A combinação funciona bem porque o Sistema 1 é, em geral, muito bom naquilo que faz, os seus modelos de situações familiares são precisos, as suas previsões de curto prazo geralmente exactas e as suas reacções iniciais aos desafios são velozes (relação com espontâneo) e geralmente apropriadas. O Sistema 1 apresenta, contudo, enviesamentos, erros sistemáticos com tendência para cometer em circunstâncias específicas. Outra das limitações é que o Sistema 1 não pode ser desligado.”

O mesmo autor, apresenta um exercício.

A seguinte Figura é uma experiência clássica que produz um conflito entre os dois sistemas. Deverão tentar o exercício antes de continuar a ler:

Quase de certeza que tiveram êxito ao dizerem as palavras correctas em ambas as tarefas e com certeza que descobriram que algumas partes de cada tarefa eram muito mais fáceis do que outras. Quando identificaram as maiúsculas e as minúsculas, a coluna da esquerda foi fácil e a coluna da direita obrigou-vos a abrandar e talvez gaguejar ou tropeçar. Quando nomearam a posição das palavras, a coluna da esquerda foi difícil e a da direita muito mais fácil.”

Abrandar necessariamente

Estas tarefas suscitam o Sistema 2, pois dizer maiúscula/minúscula ou direita/esquerda não é o que fazem habitualmente perante uma coluna de palavras. Aconteceu que tiveram de programar a vossa memória para que as palavras relevantes (maiúscula e minúscula para a primeira tarefa) estivessem na “ponta da língua”. A ordenação das palavras escolhidas é eficaz e era relativamente fácil resistir à tentação de ler outras palavras, quando percorreram a primeira coluna. Mas a segunda coluna era diferente, porque continha palavras para as quais estavam impulsionados e que não podiam ignorar. Na maior parte das vezes foram capazes de responder correctamente, mas ultrapassar a resposta concorrente foi uma luta, o que vos fez abrandar. Experimentaram um conflito entre uma tarefa que pretendiam levar a cabo e uma resposta automática que interferia com ela”. E perante este tipo de conflito somos obrigados a abrandar.

Uma das tarefas do Sistema 2 tem que ver com isto, vencer os impulsos e regular o autocontrolo. O conflito entre reacções automáticas e intenções de controlar algo é tão comum nas nossas vidas como o é no jogo (dotar o jogar de uma redundância perante a necessidade de se ser espontâneo).

Autonomia do sistema 1 e o saber ler nas entrelinhas

Para avaliar a autonomia do Sistema 1, bem como a distinção entre impressões e crenças, olhem bem para a seguinte figura…

Duas linhas horizontais de diferentes comprimentos, com setas acrescentadas, apontando em sentidos diferentes. A de baixo é obviamente mais comprida que a de cima. É isso que todos vemos e naturalmente acreditamos naquilo que vemos...“.

Contudo, esta imagem é uma ilusão.

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“Trata-se uma de ilusão, famosa, chamada ilusão de Müller-Lyer. Como poderão facilmente confirmar medindo-as com uma régua, as linhas horizontais são de facto idênticas no comprimento:

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Agora, que mediram as linhas, vocês – através do vosso Sistema 2, o ser consciente ao qual chamam Eu – têm uma nova crença: sabem que as linhas têm o mesmo comprimento, porque as mediram, apesar de ainda verem a linha de baixo mais comprida. Escolhem acreditar na medição, mas não podem evitar que o Sistema 1 faça o que lhe compete.

Saber sobre um saber fazer= Aculturação

“Para resistir à ilusão, têm de aprender a desconfiar das vossas impressões. Para aplicar essa regra têm de ser capazes de reconhecer o padrão ilusório e recordar aquilo que sabem acerca dele”. E isso não é mais do que um dos poderes de um verdadeiro processo de Aculturação. Tendo o plano do significado sempre presente, o treino é o momento ideal para entrar o supracognitivo. Parar o treino nos momentos certos e alertar “estás em posição de receber com segurança?”; “Não estás a ver que te estás a dar à marcação, tens o adversário a vigiar-te?”; “tomaste a melhor opção? Vê lá bem outras opções que terias?”

Trata-se da necessidade de experienciarem e de verem (o que por vezes é não visível, fruto dos enviesamentos do Sistema 1), e tendo a intervenção do treinador, através da sua sensibilidade, um papel fulcral para aproximar à intenção consciente (tendo como plano simbólico a imagem do jogo), intervindo nos momentos e doses certas. Porque assim, associada a uma emotividade, relembrando que há uma intencionalidade, parando nos momentos adequados e marcando o jogador, há um processo de aprendizagem marcante e aculturante:com a verdadeira intensidade presente,aquela que mobiliza a total implicação do todo corpo-cérebro.

A questão essencial

“A pergunta que se faz com alguma frequência acerca das ilusões cognitivas é se podem ser superadas. Acontece que os erros do pensamento intuitivo são muitas vezes difíceis de evitar, pode acontecer também que o Sistema 2 não detecte qualquer indício de erro… Mas mesmo quando os indícios de erros estão acessíveis, eles só poderão ser prevenidos por uma mais intensa monitorização e pela actividade esforçada do Sistema 2.

Como forma de viver as nossas vidas, porém, a vigilância contínua não é certamente boa e é até impraticável. O questionamento constante do nosso próprio pensamento seria entediante até mais não e o Sistema 2 é demasiado lento e ineficaz para servir de substituto do Sistema 1 na tomada de decisões rotineiras, um raciocínio que tem toda a aplicabilidade no processo de treinabilidade.

Identificar e reconhecer situações onde os erros são prováveis mas onde os aceitamos por forma a lucrar com a actuação do Sistema 1- o corpo-espontâneo- e identificar as prioridades semanais onde o erros mais significativos devem ser alvo de intervenção consciente, através do Sistema 2, creio que deve ser a questão essencial a transpor desta reflexão.

Uma coisa é certa para já: sendo o Sistema 1 tão difícil de desligar, só através de um processo coerente monitorização, é possível ir tendo cada vez maior controlo (um controlo não descontrolando) sobre enviesamentos significativos.

Periodizar, permanentemente dosear, sem a Especificidade largar (Frade, 2021)

A necessidade de combinar esses processos conscientes e subconscientes durante a semana, leva-nos por arrastamento à questão de como os enquadrar, dosear e sequenciar. No fundo, também esta questão não pode fugir à periodização, vista a periodização como estando enquadrada numa codificação da temporalidade, um permanente dosear de solicitações do fazer pensar mais depressa (Sistema 1) e do pensar mais devagar (situações mais constrangedoras onde o Sistema 2 está mais presente).

Na minha opinião, esta problemática, do fazer evoluir concomitantemente um saber fazer com um saber sobre um saber fazer, ganha sentido se for feita em relação com outras problemáticas ou dilemas, aliás até surge como uma necessidade natural. Podendo inter-relacioná-la com outras questões, debruçar-me-ei, sobre a sua relação com o dilema desempenho-recuperação e com a alternância da semana.

Sobre a presença da especificidade (mais ou menos explícita)

Uma primeira nota sobre a Especificidade. Quando se refere sem a Especificidade largar, intui-se o tal pano de fundo presente naquilo que se faz. Contudo, creio ser importante esclarecer que a Especificidade, sendo relativa a uma determinada forma de jogar, ela pode aparecer de uma forma mais explícita, isto é, onde há declarada e conscientemente padrões de problemas/soluções a serem treinados, onde o treinador apresenta os objectivos e relação com a Ideia Prévia, intervém, pára, corrige, consciencializa, etc. Isto seria uma analogia com os exemplos dados anteriormente, onde o Sistema 2 intervém. Mas a Especificidade pode também aparecer de uma forma mais implícita e dissimulada, onde o Treinador se afasta mais um pouco e dá espaço para a situação respirar, onde pode inclusivamente optar por não dizer nada ou pouco intervir, mas onde a Especificidade pode estar garantida por uma conjunctura representiva do Todo, seja através de uma situação de jogo com presença de sub-estruturas; de uma configuração que seja fractal do Todo, isto é, adequada em termos de propoção, de geometria das relações, subdinâmicas, etc.; pela presença da emotividade, de competição, de outras especificidades da Especificidade, onde os objectivos e/ou os padrões de problemas/soluções emergem mais naturalmente e sem serem apresentados tão explicitamente.

Nestas situações a Especificidade do contexto aparece (intencionalmente por parte do Treinador) como tácita para que aconteça e solicite o espontâneo, o criativo, o emergente e não sobrecarregue o racional e consciente Sistema 2. São estas situações a que, por analogia com os exemplos anteriores sobre a actuação do Sistema 1 (pensar depressa), me refiro como potenciadoras do corpo-hábito, do automático, do saber fazer.

Tendo já salientado a importância de desenvolver tais processos mais subconscientes, quero agora salientar, como nota introdutória, que, não é pelo facto de acontecerem em situações mais selvagens, podendo induzir a uma incorrecta interpretação acerca da presença de Especificidade, que elas não decorrem, pelo contrário, com a Especificidade bem presente.

E só depois de salientar esta nota, introdutória mas tão importante, posso apresentar de forma mais fundamentada o raciocínio sobre o enquadramento deste tipo de contextos na matriz semanal.

A lei dos 4 dias como dando sentido ao enquadramento do corpo-hábito e da atenção consciente

<<A expressão comummente utilizada «prestar atenção« é adequada: dispõem de um orçamento limitado de atenção que podem atribuir a actividades e se tentarem ultrapassar o vosso orçamento falharão.>>

Daniel Kahneman, prémio Nobel da Economia de 2002

Apresento o seguinte raciocínio, baseado numa opção própria que decorre de um reflectir/experienciar ao longo do tempo. Se mais no início entendi ser importante esse reflectir/experienciar dever abranger uma base diversificada no que confere a opiniões, perspectivas, paradigmas, etc., no decorrer do tempo, e fruto desse permanente confronto de perspectivas (repito, experienciadas e estudadas), o filtro tem sido no sentido de estreitar e seleccionar aquilo que me pareceu funcionar, fazer sentido, me pareceu estar melhor e mais coerentemente fundamentado e que, por isso, me fez acreditar como sendo o caminho a escolher. Se no decorrer do tempo há novas dúvidas que se levantam, outras anteriores, vão passando, lá está, a dar lugar a crenças e fortes convicções.

Acredito que a evolução concomitante do saber fazer e do saber sobre o fazer é exponenciada quando combinada com a lógica bioenergética, a qual por sua vez depende da lógica/matriz processual, da adaptabilidade que quero atingir. Na lógica das intensidades máximas relativas, o termo relativas quer dizer relativas ao dia, dado que a disponibilidade energética vai sofrendo uma alternância ao logo da semana. Perceber o impacto dos estímulos (desempenhos) na adaptabilidade em termos de efeitos retardados, exige de nós perceber nomeadamente QUANTO tempo se demora, perante um estímulo com determinadas características, a atingir um novo nível funcional (curva da parabiose) e assim, em função disso, podermos gerir e guiar a adaptabilidade. Tendo isto aplicabilidade a várias escalas (seja no decorrer de um exercício, de um treino, de um treino para o outro, etc) , há um ponto-escala que me parece ser um dos pontos de partida essenciais e que é a lei dos quatro dias: o tempo que se demora, do ponto de vista da recuperação colectiva, ou seja de TODA a Equipa, a atingir o mesmo nível funcional após um jogo de exigência máxima. É em função da consideração dessa lei que, creio, rentabilizaremos melhor o enquadramento dos processos de decisão do corpo-hábito e da atenção intencional.

<<É a diferença entre ter jogos com intervalos de 72 horas ou com 96 horas. É que faz toda a diferença.>>

Carlos Carvalhal, durante o Fórum de Treinadores da ANTF 2021, sobre a frequência de jogos a que o SC Braga foi sujeito em 20/21, reforçando que as entidades organizadoras deviam pensar seriamente em não permitir que blocos de 2 jogos com distância de 72 horas entre eles se repetissem sequencialmente sob pena de comprometer a saúde dos jogadores e a qualidade de jogo.

Terças, Quartas, Sextas e sábados, dias da variabilidade do padrão

<<As operações automáticas do Sistema 1 geram padrões surpreendentemente complexos de ideias>> (Daniel Kahneman)

Analogia com processos criativos dos treinos destes dias

São estes dias, os que medeiam entre o jogo anterior (Domingo) e o treino de quinta e os que medeiam o treino de quinta e o próximo jogo (Domingo), aqueles onde me parece fazer mais sentido estar presente o corpo-hábito, o estimular da criatividade, da espontaneidade e fazer depender a adaptabilidade do mais automático. Mas isto só se entendermos a recuperação como prioritária, ou melhor, como uma necessária dominância, para estes dias (dada a lei dos quatro dias).

Fazendo tal opção, embora cada um desses dias tenha particularidades diferentes em termos aquisitivos (i), em todos eles a recuperação aparecerá como dominância. Em termos aquisitivos (principalmente os treinos de quarta e sexta) os contextos aparecerão subjugados à Especificidade mas numa dimensão mais profunda relativa aos hábitos e à funcionalidade, entre outras estruturas, dos gânglios da base, estruturas responsáveis, entre outras funções, pelos comportamentos de rotina.

Contudo, apesar destes dias objectivarem a adaptabilidade mais dependente do subconsciente, do mais automático e do pensar depressa, importa esclarecer que a perspectiva de hábito, rotina, ou repetição deve ser entendida numa lógica de não fecho. Relembrando o problematizar do funcionamento do nosso corpo-cérebro, onde foi evidenciado a sua orientação pelo menor dispêndio energético (Sistema 1), criando regras e automatismos, os mesmos ganham mais força se forem relativamente abertos, objectivando a variabilidade dos problemas do jogo.

Assim, nestes dias, os ganhos e associações que obtemos através do mais automático, ganham mais expressão tendo como meio o jogo, com toda a sua variabilidade inerente, onde os ganhos são conseguidos pela experienciação e ensaio-erro (Jorge Reis , 2018). Trata-se pois de uma rotina sem cair na rotina e do dia de experienciar a variabilidade do padrão.

É uma propensionalidade tácita, a tal Especificidade mais implícita e até dissimulada às vezes, propensionalidade essa que deve oferecer características como o prazer, a criatividade pela ausência de condicionamento, a alegria, a repetição não fechada e a competição num espírito de futebol de rua e tendo jogo como alicerce.

Por acontecerem do corpo-hábito, e portanto, com muito menos esforço associado em comparação com a mobilização do consciente e vagaroso Sistema 2, permitem o restabelecimento energético do jogo anterior (Domingo) para quinta e de quinta para o jogo seguinte (Domingo).

O aparecer do consciente nestes dias funcionaria como um constrangimento extra em termos energéticos, o que comprometeria a presença das Intensidades Máximas Relativas respectivas a cada um destes dias e obviamente também Intensidade Máxima Relativa que quero para Quinta-feira.

(i) Uma nota, não contemplei as solicitações aquisitivas destes dias do ponto de vista individual, nomeadamente dos treinos de quarta e sexta, sessões de cariz aquisitivo fundamentalmente mais individuais/individualizantes, nem as suas especificidades em termos de efeitos retardados e recuperação por querer centrar a minha análise no enquadramento dos processos de decisão subsconscientes nos blocos de recuperação jogadas.

Quinta-feira, dia da redundância do Padrão

<< Só o vagaroso Sistema 2 consegue construir pensamentos numa série ordenada de passos.>>

Daniel Kahneman

Voltando à bioenergética, se, e só SE, se considerar a recuperação como algo prioritário nos dias entre o jogo anterior (Domingo) e quinta e entre quinta e o jogo seguinte (Domingo), na Quinta-feira estaremos em condições de frescura ideal para a maior Intensidade Máxima Relativa dos dias de treino, embora, dado que estamos a três dias do jogo seguinte (Domingo), nunca será no nível da intensidade Máxima do jogo. Se isso acontecer, há condições para estarem presentes constrangimentos mais complexos, como o são o padrão de problemas/soluções Colectivos associados à Intenção Prévia através dos quais mobilizamos os processos conscientes, mais vagarosos e esforçados. Também é o dia, desde que alicerçado neles e em doses bem mais micro, para incluir o lado estratégico.

Dada a nossa capacidade limitada de gerir a atenção, conseguir mobilizá-la para os estímulos que consideramos relevantes para este dia é algo que é exponenciado em condições de frescura, daí a noção que temos de ter sobre as consequências retardadas dos estímulos de treino, pois o efeito de uma atenção demasiado esforçada nos outros dias comprometerá os momentos em que queremos a capacidade de atenção do (vagaroso e esforçado) Sistema 2 a top: Jogo (Domingo)e treino de quinta.

Daí que, neste dia, a contextualização dos propósitos de treino seja explícita, seja tornado claro aos jogadores da subalternização desses mesmos propósitos aos Macro Princípios, agregando coisas a coisas que já temos, ou seja, a tal Intenção Prévia que está sempre como pano de fundo no processo. Só que, neste dia, de forma consciente. É, assim, o dia da redundância do padrão.

Dois jogos por semana e/ou ciclos mais curtos

Com dois jogos por semana e/ou em ciclos mais curtos, mais se torna evidente e necessária a prioridade sobre a recuperação, embora, enquanto lógica e, lá está, concebendo treino e competição como um só processo, se mantenha semelhante.

Nestas situações fazer depender os ganhos do corpo-hábito, com a variabilidade presente, usando a variabilidade do jogo para recuperar (e para aquisição de especificidades da Especificidade, isto é, questões não Colectivas, logo não tão constrangedoras), e resguardar o Sistema 2 para estar a top no dia dos Jogos. Sim, prescindindo mesmo de sessões Aquisitivas Colectivas.

<<Mas não se treina/fala de organização de jogo nestes dias, situações a campo inteiro, mais colectivas? >>

Admito que com tempos muito curtos e por breves períodos do treino sim, só como forma de reforçar algo, mas que esteja alicerçado na dominância, isto é a dominância da sessão ser de recuperação e com situações onde o consciente não esteja presente. Quero antes de tudo, que os jogadores nestes casos estejam espontâneos no dia do Jogo em vez de a tentação de querer treinar mais comprometa isso. Admito isso sim, sem comprometer a recuperação, por breves períodos, tal como a utilização de sessões de vídeo ou através de pequenas reuniões, embora até essas sessões e reuniões devam ser bem geridas.

Outras Implicações

Reporto-me agora a outras tipo de implicações…

Existência de um Onze base, prioridade para a consolidação de dinâmicas

A criação de dinâmica de jogo, que queremos ver consolidada, desenvolvida, refinada, leva-nos obrigatoriamente para a necessidade de ter uma base invariante que dê suporte à sua emergência. Para essa invariância concorrem vários factores, como já referi mais que uma vez a presença regular e ininterrupta dos Grandes Princípios mas não só. Aliás, sendo os Princípios concretizados efectivamente pelas interAcções dos jogadores, a dinâmica pode ser substancialmente diferente ao jogar com este(s) ou com aquele(s)jogador(es). Onde eu quero chegar é essencialmente até que ponto alterações constantes no onze contribuem para a consolidação da dinâmica ou para o seu deterioramento. Nesta perspectiva, a opção por um onze base deve ser desde logo, por parte do Treinador, creio, uma prioridade a definir logo nas primeiras semanas do período pré-competitivo.

<Ok, mas perante as exigências de calendário, em que é preciso recuperar jogadores, não é possível repetir sempre o mesmo onze...>>

E eu coloco esta questão: as necessidades de recuperar, quando há calendário apertado, são devido efectivamente à proximidade dos jogos, ou são, porque tendo poucos dias entre jogos e quero passar conteúdos, tenho que treinar mesmo que descure a recuperação?

Se for devido à proximidade entre jogos, a opção por alterar o onze e/ou a sua base invariante é, creio, motivo lógico para (algumas) alterações, desde que em jogos que distem até 3 dias entre si. Com quatro dias, é possível recuperar totalmente o onze. Inclusivamente na continuidade. Recuperando, com jogo (ainda que com cuidados com os tempos), fazendo maior uso do vídeo e usando os jogos (momentos competitivos) como os momentos mais aquisitivos, isto claro, vendo o processo de aculturação como algo que não separa treino de jogo.

Do ponto de vista de alterar constantemente a base invariante do onze em função de pormenores, seja o lado estratégico, seja só considerar o que aconteceu no jogo anterior e descurar a continuidade a la longue, seja o que for, isso sim é na minha opinião perigoso a longo prazo.

Constituição do plantel e política desportiva

Isto leva-nos até a olhar para a forma de perspectivar a constituição do plantel, desde o número de jogadores (serão necessários plantéis tão extensos?), à sua composição, até a própria dinâmica de gestão do grupo.

Todas estas questões, estando de tal forma articuladas com tantas outras, são de tal forma importantes que me atrevo a dizer deveriam inclusivamente ser altamente ponderadas na própria política desportiva do clube, desde que entendidas as vantagens de tal concepção.

À luz de outros processos criativos

Condições para a espontaneidade

Johnan Lehrer, no seu livro Imagine. De onde vem a criatividade, cita as ideias de um dos entrevistados, Yo-Yo Ma, um dos intérpretes clássicos mais famosos do mundo:

<<A perfeição não é muito comunicativa. Se estás apenas preocupado em não cometer erros, então não comunicas nada. Vais passar ao lado do objectivo da música que é provocar alguma sensação nas pessoas>>

(Yo Yo Ma)

As ligeiras nuances da interpretação de Ma – silenciar um pianíssimo, acelerar uma progressão melódica de notas, exagerar um crescendo – transformam uma obra de intricados padrões tonais numa narrativa apaixonada. Essas nuances não estão na partitura e, no entanto, revelam o que ela está a tentar dizer. Na maior parte das vezes, Ma não consegue explicar o que inspirou essas alterações, mas isso não interessa: ele aprendeu a confiar em si próprio, a seguir os seus instintos narrativos, refere Lehrer.

<<E é quando estou menos consciente do que estou a fazer, quando estou simplesmente perdido na emoção da música, que dou o meu melhor a tocar>>

Yo Yo Ma.

O espontâneo assente na forma

Mas libertar a mente não basta. No seguimento deste capítulo do seu livro, Leherer apresenta conclusões de entrevistas com cientistas que estudaram a improvisação com pianistas de jazz e que explicaram como a activação/desactivação de determinadas área do cérebro relacionadas com a inibição/desinibição dos impulsos (ver córtex pré frontal dorso-lateral) influenciava a capacidade de improvisação. Uma das conclusões que Lehrer cita é que a espontaneidade não é descuidada ou aleatória, ela assenta e é condicionada pelas regras específicas da forma, no caso de Yo Yo Ma das exigências da estrutura da música, do ritmo, ao qual ele se ajusta… Na citação anterior (é quando estou menos consciente do que estou a fazer… que dou o meu melhor), o estar menos consciente não significa completamente estar não consciente, como refere: <<Acho que a melhor forma de tocar é quando temos o inconsciente completamente disponível para nós, mas também ainda estamos um pouco conscientes>> , diz Ma.

Este excerto serve como analogia a uma das ideia base deste artigo: o padrão (lado da redundância) vive junto com a espontaneidade.

Mais do que isso, vivem inclusivamente um do outro.

O improviso dá (muito trabalho)

O que levou Inter de Conte e City de Guardiola a poder expressar variabilidade no jogo, ou o que permite a Guardiola por exemplo usufruir de variantes táctico-estratégicas por exemplo, acredito não ser apenas o nível dos seus jogadores, mas também possivelmente o tempo de consolidação e refinamento das respectivas Culturas. Tal como com o Inter de Conte ou o City de Guardiola, uma última analogia com o livro de Lehrer: os músicos improvisam, após anos de estudo musical, quando o processo de articulação (aculturação) começa a tornar-se automático… E é só nesse momento, após adquirir a especialização, que é possível improvisar. Quando é precisa música nova, as notas estão simplesmente lá. Parece fácil porque esses músicos já trabalharam tão arduamente… E depois, assim que encontrámos a coragem de criar uma coisa nova, o cérebro surpreende-nos com uma explosão perfeitamente sintonizada de expressividade. É assim que soamos quando não há nada a refrear-nos.

Daí o cuidado com este tipo de raciocínio do imediatismo:

estudámos o adversário durante a semana e é por ali que os podemos ferir”;

Vamos de consciência tranquila para o jogo porque passámos tudo o que tínhamos que passar.”

Será realmente assim? Ouvi dizer uma vez, não faças demasiados planos para o jogo, pois não sabes que planos o jogo tem para ti.

Um Abraço,

Carlos Miguel

www.carlosmiguelcoach.pt  | carlos_miguel10@hotmail.com

Referências:

Daniel Kahneman (s/d). Apontamentos Prof Vítor Frade 2021.

Frade. V., 2021. Anotações no texto de Daniel Kahneman sobre pensar depressa e pensar devagar. Apontamentos Prof Vítor Frade 2021.

John Lehrer (2021). Imagine. De onde vem a criatividade.

Jorge Reis (2018). La Sustentabilidad del Morfociclo-patrón. La célula madre de la Periodización Táctica.

Sobre CarlosMiguel 3 artigos
"Iniciei-me como treinador no Sporting CP em 2011/12, logo após concluir o Mestrado em Treino de Alto Rendimento pela FADEUP. Seguiram-se Dragon Force-Porto, Academia Figo (China), Global Premier Soccer (EUA/Canadá) e, em 2016/17, a minha primeira experiência no futebol profissional no Zamalek SC (Egipto), como adjunto de Augusto Inácio. Em 2019/20, trabalhei na Académica Coimbra OAF, como treinador principal do escalão de sub 15. Na época transacta (2020/21), após ter estado como treinador adjunto no Episkopis FC (Grécia), acompanhei, Março, Manuel Machado no regresso deste último ao Nacional da Madeira, desempenhando as funções de Treinador Adjunto. Na minha formação, e em paralelo com a minha actividade de jogador, licenciei-me primeiro em Ed. Física, seguindo-se um Master en Alto Rendimiento FC Barcelona e um Mestrado em Alto Rendimento na FADEUP. Nestes ciclos, conheci de perto as filosofias e realidades operacionais do FC Porto e FC Barcelona, sob mentoria ideológica de dois grandes nomes, Vítor Frade, e Paco Seirul.lo respectivamente., cujos paradigmas me influenciaram e inspiraram, nesse momento de início de carreira, na forma como me passei a interessar, a ver e a procurar perceber a arte do treino e do jogo em si. ​ Com o horizonte no futebol profissional, procurando uma carreira sólida e em constante evolução, procurei mais tarde ir também ao encontro de vários treinadores de top no futebol profissional como Vítor Oliveira, Manuel Cajuda, Luís Castro, Mauricio Pellegrino, Marco Rose - entre outros - os quais me possibilitaram a oportunidade de conhecer mais de perto a realidade do treino a top em contexto profissional. O que motiva é vencer e evoluir. Tornar melhores as equipas e os jogadores com quem trabalho. Apontar um caminho para ganhar e crescer. Esta é a minha missão no Futebol." www.carlosmiguelcoach.pt | UEFA A https://www.youtube.com/channel/UCXoYiXyYVbz-MvICj_tm2XQ

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