O desenho de Thomas

Não estivemos ao nosso melhor nível, e para um jogo destes precisas de estar ao melhor nível. Fomos muito bons a defender o nosso último terço mas simplesmente não conseguimos ser bons no restante campo. Depois do golo senti que a equipa acreditou mais, que a crença em ganhar era maior do que o medo de perder. Libertámo-nos mais, o City mostrou-se mais cansado também, e com a ajuda do público fomos melhores e o empate podia acontecer. Não aconteceu, não pelo desenho [formação táctica] mas porque não senti a crença nos jogadores. Não senti que podíamos escapar com jogo curto, não senti a 100% que acreditávamos no jogo directo para o Lukaku. Foi como se tivéssemos algo a perder mas havia muito mais a ganhar do que a perder. Mas ok, pode acontecer. Faltou-nos também alguma frescura, energia, também. Talvez o responsável seja eu, talvez as escolhas não tenham sido as melhores, ok.

(Thomas Tuchel, logo após a derrota com o Manchester City no passado sábado)



O Chelsea-City do passado sábado remete-nos para alguns dogmas em futebol. Vindo de três vitórias contra os cityzens, Thomas Tuchel decidiu mudar o sistema. Porque perdeu, a agulha das análises vira-se para a decisão do técnico como provável causa do debacle. Porém, se todas as análises serão sempre redutoras (não acreditam mesmo que alguém consiga explicar tudo o que de relevante aconteceu no jogo, pois não?) reduzir tudo a uma escolha táctica pode ser extremamente minimalista. Sim, o Chelsea mudou. E ao invés do habitual 343/523, os blues apareceram com Kovacic a juntar-se aos dois médios, trocando a habitual frente ofensiva de três elementos por uma de dois antecedida pelos tais três médios. Não quereremos com o que se segue dizer que a troca não teve alguma preponderância. Aliás, vendo o jogo, a mente resvala imediatamente para aí. Mas o que Tuchel nos diz na sua (brutalmente honesta) análise à partida é que o mindset com que a equipa abordou o jogo condicionou as suas ações e o seu possível sucesso.

E olhando para a explicação do excelente técnico alemão, não tenho como não me recordar da hesitação que tive em explicar a um director de uma Academia que a primeira coisa a analisar é a vibração competitiva da equipa. Ou seja, uma equipa pode dispor-se de várias formas e pode organizar o seu jogo de diferentes maneiras. Há quase uma panóplia infindável para planos em futebol. Mas a vibração, o mindset com que individualmente e colectivamente se encara, ou reage ao jogo vai condicionar de sobremaneira as execuções dos planos, o sucesso dos desenhos tácticos. Diz Tuchel que não sentiu a crença em ganhar na equipa. Como também diz, logo de seguida, que o medo de perder se sobrepôs à vontade de ganhar. E, hoje em dia, é muito mais fácil olhar para o físico e apontar a uma questão táctica a razão das derrotas. Isto porque explicar a alguém que as reações da equipa não foram as mais altas, é claramente olhado de soslaio. E escrevo mais altas porque se enumerarmos as emoções numa escala, há claramente sentimentos mais baixos e mais altos. E o que Tuchel quis dizer foi que a sua equipa, mais do que qualquer desenho que tenha apresentado, se mostrou com uma vibração baixa.



Quer isto dizer, por exemplo, que a reação que este jogo de sábado provocou na equipa foi bem diferente do que a reação provocada pela Final da Liga dos Campeões entre as duas equipas. Dizer que a entrada de Kovacic foi fulcral, será o mesmo que dizer que a mudança de Grealish para o City (ou a deslocação de Bernardo para o meio) decidiu o jogo. E não que esses pormenores não contem (ou contem pouco) mas o todo é maior que a soma das partes. E as partes do jogo fizeram com que o Chelsea tivesse uma reação negativa. E, assim sendo, será que com uma reação mais alta o Chelsea teria mais hipóteses? Parece-me evidente que sim – mesmo não sabendo se ganharia na mesma.

O objectivo do jogo é ganhar. E assim sendo, visto desse prisma, a visão sobre o jogo torna-se declaradamente a duas faces, a duas cores. A preto e branco, se quisermos. Pode dar-se que o Chelsea, com a melhor escolha táctica possível (sabe-se lá qual) e com a vibração mais alta possível pudesse perder o jogo. Isto porque do outro lado há uma equipa com uma valia muito semelhante em termos de resultados e qualidade. E se olharmos para os dois jogos falados acima, talvez não seja errado dizer que a reação do City à final da Champions não foi muito diferente da do Chelsea neste último jogo. Só uma equipa pode ganhar, e lembrando a máxima mais acertada em futebol (não ganharás sempre!) rapidamente percebemos que o futebol é um jogo onde se cresce reagindo à derrota. E se assim é, será totalmente inteligente ter medo de perder? Não será uma daquelas sensações que todos deveríamos saber evitar por ser quase que uma profecia?



Ainda que a pergunta possa parecer algo imbecil, a verdade é que o medo de perder é uma reação bem comum e intimamente ligada a certas derrotas – nada fácil de evitar, portanto. Tolda a criatividade, encobre a coragem e aprisiona as ações. Tuchel (claramente um técnico atento ao lado mental e psicológico) sabe perfeitamente disso. Mais ainda quando já sentiu na equipa a vibração totalmente oposta – até com o mesmo adversário. Assim foi-lhe extremamente fácil reconhecer a falta de algo que, para si, é fundamental em qualquer equipa, em qualquer desenho, em qualquer plano. As vitórias começam no mindset, no desapego em perder trocado pela enorme certeza em ganhar. Pela confiança no processo e na própria valia. E faltando isso, o resto colapsa. Obviamente que este é ainda um campo de estudo com muito para evoluir no futebol. Mas à medida que se for reconhecendo como essencial e preponderante – que as reações emocionais que advêm da mente dos jogadores e treinadores condicionam a execução – as ferramentas para transcender reações serão muito mais aceites e mais utilizadas. E algo como o que o City provocou ao Chelsea pode não ser tão drástico ao ponto de o campeão da Europa não conseguir sair para os últimos 80 metros e ser a equipa que conquistou o Velho Continente. O mesmo vale, claramente, para o que o Chelsea provocou ao City em maio – ao ponto da mais valia dos cityzens no pressing deixar de chave.



E no sábado vimos City muito mais capaz do que havia sido em maio. Com a pressão azul celeste a ditar o destino do jogo, os de Guardiola sufocaram o adversário. E só uma equipa com uma fome enorme, só uma equipa a acreditar plenamente que essa pressão era nuclear e essencial, poderia aguentar tanto tempo a fazê-lo. E esse aprisionamento (algo não conseguido na Final do Porto) provocou a dúvida de onde emergiu o medo blue. O City era claramente superior no embate, o que não tinha sido nada evidente nos últimos três encontros. Mas ainda que as vitórias anteriores dos blues possam dar aquele ar de perfeição, a verdade é que ganhar ao City nunca é feito com uma perna às costas. E as dificuldades sentidas em todos os jogos (mesmo com vitórias para mostrar) levaram Tuchel a testar algo diferente para ter mais controlo a meio-campo. E isso não alterou o espaço onde o Chelsea defende maioritariamente contra este adversário (bloco médio-baixo; bloco baixo) como não foi isso que levou a que as saídas não pudessem existir (várias situações houve em que um Chelsea mais confiante poderia ter saído como nos habituou). É que como Tuchel disse, mesmo tentando jogar directo para Lukaku não resultava. Quando a vibração é baixa, o acerto é pouco. Seja no curto, seja no longo. E quando não consegues arranjar forma de sair, a equipa decresce e o adversário cresce. Curiosamente, quando o City conseguiu finalmente o que queria e a libertação emocional aconteceu, a pressão decresceu e deixou algum espaço ao Chelsea para aparecer. E como que a colocar ainda mais a dúvida, curiosamente essa alteração coincide também com a mudança para o esquema táctico habitual. Mas estará Tuchel totalmente enganado e tudo isto não passou de um desconforto táctico que nos remete para o que ouvimos regularmente no café? tira este, mete aquele. Tem nada que saber!

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