FC Porto: o próximo passo

Para início de conversa, e para a mesma não ficar presa no registo bom e mau que impede os jogadores e as equipas de realmente transcenderem certos padrões, convém primeiramente reconhecer que todo e qualquer padrão pode ser ultrapassado. Se o reconhecermos podemos ultrapassar também aquela barreira que tanta vez nos deixa presos: levar tudo como uma crítica, levar tudo para o campo pessoal e ficarmos presos ad eternum no registo de nos defendermos daquilo que nos parece um ataque. Assim, convém lembrar que reconhecer um padrão menos aceitável no FC Porto, ou em qualquer outra equipa, não é um ataque ao grupo, ao treinador, ou a certos jogadores em particular. Mas o que acontece quando se apontam padrões que é necessário transcender, ao FC Porto ou a qualquer outra equipa, quem os quer resolver encontra o problema dos próprios jogadores, ou da própria equipa técnica, tentarem defender-se. Mas no caso que trago – e que está publicamente mais do que reconhecido – é que há um padrão neste FC Porto que não deixa a equipa explorar o seu maior potencial. É assim do interesse maior do clube resolvê-lo e não negá-lo. Reconhecê-lo como algo que existe e é ultrapassável e não enfiá-lo numa gaveta à espera que deixe de existir, quando vários jogos – especialmente aqueles com mais peso na mente – demonstram o contrário.



E a verdade é que quando temos um problema, a primeira coisa que nos impede de resolvê-lo é… essa mesma consciência de que temos um problema. De outra maneira não seria visto como um problema. É que a definição de problema está intimamente ligada à dificuldade de resolver a questão que nos assola. De outra maneira seria somente um padrão menos aceitável que se substituiria por outro mais aceitável às expectativas do clube. Mas o facto de ser visto como um problema remete-nos imediatamente para a dificuldade em resolvê-lo, pois é essa a reação da enorme maioria das pessoas quando têm algo para resolver. Imediatamente a mente entra no modo lutar ou fugir. Ou luta para que o problema desapareça ou então, quando já não tem força, tenta fugir do problema. Um problema que lembramos só o é porque não temos (ou pensamos que não temos) a solução.

O FC Porto, recordamos (porque já aqui se escreveu várias vezes sobre isso) é uma equipa emocional. Bem sei que a palavra provocará reações, mas peço que as coloquem de lado e tentem ver a análise de forma neutra. Ser emocional em futebol tem muitas vantagens, como trará outras desvantagens – não é assim uma crítica dizer que se é mais emocional, mais mental ou mais físico. É o que é, e trabalha-se a partir daí. E vendo a situação como um todo, reparamos facilmente que esse lado emocional torna o FC Porto numa equipa imensamente competitiva. A forma como se entrega fisicamente e emocionalmente ao jogo dificulta imenso a maioria dos adversários (basta ver o que o campeão europeu sofreu contra o FC Porto em Sevilha) e equilibra jogos que de outra maneira não estariam ao alcance. Ou seja, nos momentos sem bola o FC Porto consegue levar a maioria dos jogos para onde mais lhe convém. E ninguém dirá que isso é uma desvantagem, que isso é algo mau. É uma característica da qual Sérgio Conceição não abdica. E a evolução dos resultados em relação àquele período de jejum que o antecedeu, dá-lhe razão.



Mas se os portistas são uma equipa emocional sem bola, não bastará então estalar os dedos para quando ganham a bola deixarem de o ser. Já o dissemos acima, a emocionalidade do FC Porto leva a equipa para onde quer quando não tem a bola, deixando-o mais perto do seu objectivo. Mas acredite-se ou não, a proximidade do objectivo ser concretizado cria, mais vezes que poucas, uma reação nos jogadores e uma reação colectiva, que não é positiva. Chamam-lhe medo do sucesso, e poderão chamar-lhe o que quiserem, mas a verdade é que existe. E o FC Porto não é caso único em provar que pode realmente conquistar o seu objectivo e na hora da verdade deixá-lo fugir. Este é um problema transversal ao futebol. E acontece pelas reações que os jogadores têm a certos jogos e a momentos específicos de certos jogos. Sendo que no caso do FC Porto, o padrão fica visível (diria imensamente visível) no momento da finalização.

E se falamos nas reações dos jogadores a momentos específicos do jogo, nomeadamente a situação de finalizar quando o golo é realmente possível (vide Otávio, Taremi e Uribe ontem em Anfield) teremos de nos questionar onde têm essas reações origem. Já falámos em emocionalidade, e já falámos nas situações físicas nas oportunidades não concretizadas em Anfield (mas também em Milão, ou no Dragão, como também naquelas deslocações onde o Porto deixa alguns pontos na Liga, como poderíamos falar de outras épocas também), e se já falámos no físico e no emocional, perguntaremos: têm essas reações origem nesses corpos (chamemos-lhes assim) físico e emocional? Recordamos que são reações ao momento de finalizar que, claramente, bloqueiam esses dois corpos. Pois, pegando no lance de Otávio, por exemplo, será quase criminoso dizer que o luso-brasileiro não tem técnica para emendar aquela bola para a baliza. Ou do que já vimos de Taremi, não poderemos também dizer que não existe capacidade para decidir melhor no lance frente a Alisson, ou qualidade para cabecear de forma superior àquele desvio de bola na 2.ª parte. É que ao vermos estes lances e ao falarmos de físico e de emocional estamos a falar do mapa e não do território. As reações a esses momentos não estão no emocional ou no físico. Estão no campo mental. Assim, quando planeamos uma viagem e usamos o mapa para saber o caminho, não estamos a contar com as nossas reações ao real território, como não estamos a contar com os outros condutores, com o estado do piso, com algum desvio inesperado, em suma não podemos medir as nossas reações ao real território fazendo uso de um mapa. E o território que o FC Porto tem de explorar para transcender este padrão é o campo mental.



Mas então o que é o campo mental afinal? Ora, o campo mental pode ser definido de maneira platónica como o mundo das ideias pois é lá que estão as certezas e as dúvidas sobre como nos podemos expressar no mundo das formas. Reparemos, se temos uma ideia sobre determinada situação, essa ideia vai criar uma emoção. E é essa emoção que vai gerar a força para a expressarmos no físico. E se levarmos isto em conta, temos de perceber que não há emoção sem mentalidade. E que não há expressão no físico sem emocionalidade ou mentalidade. Assim para transcender um padrão físico e emocional (que é o mapa que nos mostra os padrões) não haverá outra hipótese que não a de ir directamente à ideia que gera esse padrão emocional e físico. E essa ideia está intimamente ligada ao que os jogadores, primeiro, pensam de si próprios, e em segundo, ao que pensam poder fazer nas situações em que são expostos durante o jogo. E a olhar para o FC Porto, nota-se claramente que há um padrão que não permite aos jogadores finalizar da melhor forma. Mas notá-lo vezes sem conta não os vai fazer transcender a ideia que leva a esse bloqueio.

Para melhor percebermos a questão passemos a exemplos mundanos e bem conhecidos do nosso dia-a-dia. E um dos padrões mais conhecidos, infelizmente, por todos nós será o dos vícios. E quando temos ou somos alguém que está viciado em algo, teremos que reconhecer que há um comportamento que se desenrola em loop que leva a pessoa a não conseguir saltar, sair do mesmo. Foi reforçado vezes sem conta ao ponto de ninguém conseguir negar que tal pessoa tem esse comportamento. E quando não se consegue sair dele, o viciado vai arranjar milhentas justificações para manter o comportamento. Poderá ser que hoje é festa, poderá ser é esta a última vez e depois páro, poderá ser outra coisa qualquer, mas quando a coisa começa a ficar realmente grave e a interferir no normal funcionamento da vida pessoal e se tem realmente de fazer algo, surge uma batalha no campo mental da pessoa: por um lado tem de acabar com o comportamento, por outro gostaria de o manter porque é algo que (pensa que) lhe dá prazer e sem a qual não pode viver. E essa é uma batalha extenuante que cria divisão no corpo mental. Divisão essa que se nota claramente na emocionalidade e nas ações físicas da pessoa. Não querendo comparar o padrão do FC Porto a finalizar com o de um viciado, serviu a explicação para termos uma melhor noção do que é o corpo mental e de como ele comanda as emoções e as ações no físico. Podendo mesmo chegar ao ponto de alguém dizer alto e bom som para justificar um comportamento: eu sou assim!

E quando assim é falamos na identidade da pessoa. Quando a pessoa tem uma ideia de si mesma que lhe permite continuar com um padrão altamente tóxico. Por um lado aceita-se no estado em que está mas por outro a ideia de que é assim e não de outra forma estagna-o na procura de algo melhor para si, do seu real potencial. E para que tudo fique mais claro sobre estas batalhas mentais poderemos dar um exemplo em que fica claro que alguém tem um padrão mental que dificilmente admitirá e que, por isso, dificilmente ultrapassará. Toda a gente admitirá em sociedade que gosta de bebés, que são a melhor coisa do Mundo, etc, etc. Mas ter um bebé implicará várias reações às quais quem não o tinha não está habituado a ter. Pouca gente o admitirá porque a sociedade criou a ideia de que só há uma reação a ter-se com bebés – aceitá-los e amá-los incondicionalmente. Mas, como sabemos, quando um bebé começa a chorar e não há meio de o fazer parar, certas reações brotam no campo mental e emocional da pessoa que não consegue fazer que o bebé pare de chorar. São reações pouco positivas e pouco aceitáveis para quem quer dar todo o amor do Mundo aos filhos e que automaticamente a pessoa reprime. Não as deixa chegar ao físico, mas elas estão lá e por lá vão ficar a ruminar no subconsciente até que outra situação as despolete. E que impacto têm estas reações na vida de cada um? Como nos limitam? Como nos afectam fisicamente?

Saha sobre Ronaldo www.ojogo.pt



Voltando ao futebol, há que lembrar que no desporto é imensamente difícil reconhecer certas reações consideradas negativas (e assim são consideradas porque nos limitam). Dificilmente algum jogador vai reconhecer (pelo menos publicamente) que tem medo de algo relacionado com o jogo. Medo é reação non grata em futebol, tal como raiva é reação non grata quando se segura um bebé que não pára de chorar. Mas se o medo não se reconhece, dificilmente se vai ultrapassar (só podes curar aquilo que podes ver). Por ser impossível ver a ilusão que está por trás da ideia que gera o medo, não admiti-lo faz com que ele por lá fique à espera de uma situação em que possa ficar visível outra vez. Mas no futebol não há escapatória e, mais cedo ou mais tarde, esse medo vai notar-se no físico. Numa bola que foge e que noutro jogo não fugiria (Olá, Mbemba), num cabeceamento que noutro jogo sairia muito melhor enquadrado (Olá, Mehdi) e num passe para a baliza que num jogo de Taça valeria dois golos (Alô, Otávio!). Não estará para longe o dia em que reconhecer e ultrapassar todos os medos, todas as divisões na mente, terá o mesmo valor que os exames médicos físicos que se fazem diariamente num clube. Assim, o FC Porto não tem um problema. Tem sim uma oportunidade para dar o próximo passo e não admitir medos visíveis ou invisíveis no seio da equipa e no subconsciente dos jogadores. Afinal de contas a cultura do clube sempre foi essa. Ainda que o método fosse o de lutar contra os mesmos, ou de metê-los numa gaveta, para se ombrear com os melhores tem de se ir directamente aos medos, às ideias que os geram e perceber-se a irrealidade dos mesmas. Afinal de contas se temos que jogar futebol que experiência queremos ter? A de explorar o máximo potencial ou a de meter reações na gaveta onde pensamos que não se vêem mas que em certos jogos elas são bem visíveis e prejudiciais ao clube?

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Uma oportunidade que, por exemplo, quem tem muito dinheiro não tem. Se no Man City ou no PSG um avançado ou um central falhar os seus objectivos rapidamente é substituído por outro – que a mão cheia de dólares vai buscar facilmente. Mas se no FC Porto não houver um Jackson e não houver um Falcao, mas três jogadores com potencial mas com padrões a resolver, a solução lógica será resolver esses padrões para que a experiência desses jogadores em alto nível seja uma experiência o mais perto do seu real potencial possível. Não estaremos assim longe da razão se dissermos que os melhores jogadores são também aqueles que menos dúvidas têm no seu corpo mental. Já é, por exemplo, conhecida a história da pergunta a um ainda jovem Ronaldo, a Anderson e a Rio Ferdinand sobre quem seria na opinião deles o melhor jogador de sempre. E se o brasileiro e o inglês andaram à procura fora de si, o português rapidamente respondeu que o melhor de sempre era ele mesmo. E ainda que seja discutível ou subjectivo se CR7 é mesmo o melhor de sempre, a verdade é que não tendo dúvidas disso colocou-se numa questão à qual 99,9% dos mortais não chega sequer a pensar. E essa falta de dúvida ou, se quisermos, essa certeza indubitável, tem de ter ligação com a incrível carreira do capitão da Seleção Nacional. De recordar será também quando Ronaldo disse ao já experiente Saha para sorrir, pois para si o francês jogava melhor quando sorria, quando se divertia com o jogo. Conselho que o francês – oito anos mais velho que o português – ainda hoje guarda na memória. E se compararmos a carreira de um e de outro vemos que esse estado mental não se consegue à força. Não se consegue repetindo ao espelho mil vezes eu sou bom, eu sou o melhor, ou a sorrir por si só. Obtém-se sem divisões, sem dúvidas na psique. Sem medo de reconhecer limitações para que se possam, realmente, transcender. Não é um problema, é uma oportunidade. Não é um falhanço. É mais uma dúvida para largar. Não estarão as dúvidas do pequeno Taremi e do pequeno Otávio a limitarem o maior potencial que há em cada um deles? E não estarão qualquer modelo e estratégia mais perto do seu real potencial se não houver dúvidas deste género a limitar os jogadores? Não houve dúvidas, nem falta de confiança, naquela bola que Otávio rouba, no duelo que disputa, antes de falhar em frente a Alisson. Como não houve a criar uma oportunidade de ouro para Taremi, a seguir. E se não houve no duelo, e se não houve na criação, porque houve a finalizar? Falta de qualidade não será a explicação. Terá que se ir mais fundo.

Avançados do FC Porto a tentarem condicionar os médios do Liverpool foi opção estratégica na 1.ª parte. Vários roubos de bola (mais altos ou baixos) que os dragões aproveitaram para lançar o seu porto-seguro Luis Díaz foram uma constante.
Um golo fora-de-série a abrir a segunda metade (quanta dúvida houve naquele remate de Thiago?) haveria de forçar Sérgio Oliveira a assumir outras funções na saída dos reds. Mas até lá, o FC Porto tentou manter o controle do meio-campo, enquanto que atrás a opção foi a de manter sempre a linha de quatro e não lhe juntar Díaz e Otávio conforme a posição da bola.
Um papel que mais à frente no jogo seria entregue a Vitinha, numa altura em que, com as entradas do jovem médio e de Francisco Conceição, o FC Porto desenhava um 433. Contudo a desvantagem iria criar aos dragões outro problema. Não só na finalização (que deixou de existir porque não foram criadas mais oportunidades), mas em abordagens como a de Uribe no segundo golo, ou de Mbemba, já depois, a deixar fugir a bola e a ter de travar o opositor.
A pressão da desvantagem frente ao Liverpool condicionou duas exibições competentes. Algo patente no lance do segundo golo, onde os até aí competentes Zaidu e Uribe não resistiram a Salah. Primeiro o nigeriano que hesita e deixa fugir o marroquino, depois o colombiano (até aí irrepreensível no duelo) que se deitou perante o egípcio abrindo caminho ao segundo dos de Klopp. Algo que, sublinhe-se, não teve a ver com a falta de qualidade dos jogadores em questão mas sim com o desgaste emocional de uma desvantagem que poderia ter sido evitada – e que mais à frente afectou também Mbembaque quase ofereceu o terceiro ao Liverpool.

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