Largos Díaz têm cem anos

É a incógnita do momento nas decisões da Liga Portuguesa. Saindo aquele que, muito provavelmente, era o jogador mais valioso do campeonato, quanto tempo demorará o FC Porto a recuperar uma consistência demasiado apegada à qualidade indiscutível do colombiano para do nada encontrar soluções? De facto, muito poucos jogadores na Europa poderão gabar-se de arriscar tanto e de, ao mesmo tempo, perder tão poucas bolas. E se isso já não fosse pouco, aquela ginga de rua, completamente selvagem, criou nesta metade da época tantos golos e assistências que foi impossível à máquina de Conceição não ficar dependente de tudo aquilo que Díaz oferecia. Fosse nos momentos defensivos – momento ao qual lhe tomou o gosto, aprendendo a amar também fechar espaços qual cão de caça -, fosse na transição ofensiva (oferecendo-se e dispondo-se a agarrar qualquer bola que lhe endossassem) ou em organização (onde já faltam palavras para descrever a habilidade natural para carregar a bola e criar situações), o FC Porto tem um fosso do tamanho da cidade de Barranquilla para tapar. E como já frente ao Benfica para a Liga ficou exposto (resultado justo mas exibição menos consistente do que oito dias atrás para a Taça), em Arouca o FC Porto voltou a deixar dúvidas em relação ao que pode, sem Díaz, augurar nesta época.

E para complicar ainda mais – tal como contra o Benfica para a Liga – outra ausência fez mossa num momento específico do jogo. Taremi, carregado pelos minutos semanais feitos ao serviço do Irão, ficou no banco. E ao sentar-se o iraniano no banco ficou também claro que aquele momento em que o FC Porto tenta condicionar a saída adversária não é a mesma coisa sem ele. A tudo isso somamos ainda a ausência de João Mário (por questões físicas) do onze, o que traça o cenário perfeito para uma primeira metade de grande dificuldade para o FC Porto se impor como gosta. A esquerda, entregue a Zaidu, foi a parte mais dinâmica do campo. Ainda assim a anos-luz daquilo que se via com Luis Díaz (também ele excelente mesmo quando tinha de carregar a bola desde o meio-campo defensivo). Tudo porque Pepê nunca poderia ser o substituto natural de Díaz. Pelas suas características a contratação percebeu-se para suprir uma futura saída de Corona, e observando o Arouca-Porto percebe-se bem que as qualidades de Pepê fazem muito mais sentido, agora, para a posição de segundo avançado do que propriamente para tentar emular aquilo que Luchito fazia. Associar-se bem e ter um excelente timing de entrada são boas características, mas o desaparecimento do jogo, aquela falta de personalidade revelada quando não se quer pegar nele, ou falta de confiança demonstrada pelas expressões faciais e corporais a cada lance, evidenciam que para suprir tal falta são precisas outras características.



E o FC Porto até já jogou com dois extremos com características parecidas a Pepê. Corona e Otávio, muito fortes nos espaços interiores, lançavam aos laterais maior responsabilidade em organização ofensiva (alô Alex Telles!). E, com Pepê e Otávio de início, foi já possível ver a ala esquerda toda entregue a Zaidu. Daí surgiu um dos fogachos do Porto nos primeiros 45 minutos – que acabou invalidado depois de se gritar golo. O outro [fogacho] foi de Otávio que, encarou Abdoulaye, foi para cima e rompeu – quase que a acenar efusivamente para o que faltou em toda a primeira metade. E, recuperando a questão lateral, falta ainda referir que a adaptação de Bruno Costa não vai deixar, decerto, saudades à equipa (nem ao próprio). Ainda para mais quando o espaço predilecto do Arouca para atacar foi a ala esquerda – sendo que aquele movimento no espaço entre Bruno Costa (chamado à pressão) e Mbemba poderia mesmo ter causado bastantes dissabores. Pelo meio foi também notória a dificuldade do FC Porto em condicionar as saídas como é habitual. E se Díaz era também importante nesse momento, também a falta de Taremi se fez sentir nas muitas (para o habitual num adversário do FC Porto) saídas do Arouca que roubaram bola e tempo ao FC Porto para fazer o seu jogo habitual.

Algo resolvido por uma bomba de Vitinha que, a fazer lembrar Sérgio Oliveira, disse presente e futuro – como que a perceber a responsabilidade acrescida no que aí vem para o FC Porto. De facto, para que estes longos Díaz não tenham cem anos será preciso mais rasgo por parte de cada um. Sendo que as assistências, golos e duelos ganhos que foram embora com Corona, Sérgio Oliveira e Díaz, terão de ser supridas por alguém. E não só os momentos que contam (como esses tais golos e assistências) mas também, para que esses possam existir, as tentativas de criação terão de ser em maior número por cada um deles. Há assim um risco maior que tem de ser corrido por cada um. E disso pouco se viu na primeira metade. E muito da incógnita que faz assunto neste texto viverá de pouco se poder saber como emocionalmente reagirão Vitinha, Pepê, Galeno, Otávio, Fábio Vieira, Francisco Conceição&cia às responsabilidades acrescidas, isso a juntar-se a outra a incognita que é a de como reagirá a equipa, e o que terá de mudar colectivamente, na tentativa de repor as características perdidas. E aqui surge a nova dúvida existencial para os dragões: tenta-se emular o passado com Díaz, ou começa-se de novo? Atira-se Galeno (características idênticas) lá para dentro e joga-se (tenta-se jogar) da mesma maneira? Tenta-se um miúdo com características interessantes para o lugar chamado Francisco Conceição (que também gostaria de alguma vez ver o que rende na ala esquerda)? Ou continua-se com Pepê, insistindo mais num tipo de jogo (interior) que potencie as suas capacidades? Seja como for, o FC Porto precisará de tempo, paciência e que cada elemento do onze se transcenda, que suba um degrau qualitativo. Um esforço e um acréscimo de responsabilidade escusado nesta fase da época e que deixa, certamente, os portistas bastante frustrados com a conjuntura. Mas a realidade é que em futebol olhar para trás é perder tempo precioso para se perceber a próxima visão, a próxima ideia, a próxima vida. E Sérgio Conceição já deu inúmeras provas, em vários começos de época, de que pode fazê-lo. Resta saber se conseguirá também mudar o pneu com o carro em andamento.

Mas para melhor se entender a possível resolução do problema convém não esquecer certos aspectos que ultrapassam a análise comum. Assim, convém perguntar se Luis Díaz era só uma inegável capacidade técnica e física que se foi aliando a uma aprendizagem táctica? É que se acharmos que sim (que Díaz era isso) então corremos o risco de ficar presos numa infindável procura pelas mesmas características, pelo próximo num milhão. Mas se acharmos que esses componentes macro de Díaz eram também o conjunto de vários componentes micro, talvez estejamos mais perto de conseguir que outros jogadores cheguem também a patamares semelhantes – ou pelo menos superiores àqueles em que se encontram. E quais são esses componentes micro? Desde logo se dividirmos as características de um jogador em identidade, mentalidade, emoção e físico teremos muito mais para procurar do que o reino dos efeitos que é visível no físico. Se viajarmos até à psicologia do colombiano quantas dúvidas de que ele podia atingir este patamar lá encontraremos? Em quantos medos tropeçaríamos na sua mentalidade? Quantas emoções negativas lhe descobriríamos antes de um jogo decisivo? O que é que em futebol lhe causa dúvidas na identidade, o que é que em futebol lhe causa temor? Que lances ou adversários lhe causam hesitação? E olhando para o tipo de jogo que ele pratica, para os riscos que corre e para a taxa de sucesso nesse risco, seremos capazes de adivinhar que as situações que causam dúvidas, medos e hesitações ao jogador comum não afectam Luis Díaz. E aqui o FC Porto, como outros clubes à mercê dos milionários tubarões, terão de se aperceber se é possível dissipar as dúvidas e medos, os bloqueios dos jogadores que não têm o corpo de identidade, o corpo mental e o corpo emocional de Luis Díaz. É possível pegar noutro jogador com talento mas que não tenha aquela bravura, aquela coragem, aquela naturalidade, aquela pureza e fazê-lo transcender-se? É bom que seja possível porque nem sempre se vai achar um Hulk na 2.ª divisão do Japão ou outro Lucho em Barranquilla. E mesmo que se achem, quanto tempo cá ficarão? Talvez o caminho para o FC Porto seja o de não só potenciar fisicamente e tacticamente mas começar a especializar-se realmente na mentalidade e na análise às reações dos jogadores a situações adversas. Mas para se fazer terá de se acreditar que é possível pegar-se em dúvidas e medos e fabricarem-se certezas. É que a diferença de Díaz (e de todos os jogadores de classe mundial) para os restantes começa aí. Os efeitos disso toda a gente os vê (Liverpool e Klopp incluídos), as causas terá o FC Porto de começar a vê-las e a trabalhar com elas antes dos outros. E isso é deixar de acreditar que Díaz era assim porque é bom fisicamente e tecnicamente. É que o começo disso é que Díaz não tinha (não tem) dúvida nenhuma do que é e de onde vai chegar. Daí arriscar sem receio. Quantos bons tecnicamente e fisicamente podem dizer o mesmo? Bem… dizer podem, mas o jogo não mente. E é quando o jogo mostra um bloqueio, um receio, uma hesitação, uma dúvida, que o clube tem de entrar e mostrar meios para ajudar a transcender padrões. De outra maneira ficará à espera da próxima descoberta ao invés de a criar com o que já possui.

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