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Caísse para que lado caísse, uma coisa era certa: a ideia, lançada por Rúben Amorim, de que o Manchester City está num patamar universitário, e o Sporting num patamar primário, faria sempre a história do rescaldo. Surpreendesse o Sporting os cityzens ou, como seria de esperar, fosse derrotado, a ideia de que há um patamar superior a Sporting, FC Porto ou Benfica nunca estaria errada. E o que poderia contrapor isso (um jogo de eficácia absoluta a todos os níveis por parte de um grande português contra um dos tubarões europeus) acabou por nunca acontecer em Alvalade. Ao invés foi o City que ao seu normal jogo de controlo pela posse aliou uma eficácia quase absurda. E se o Sporting nem entrou mal, a desvantagem provocou mossa na identidade da equipa. E hoje será fácil dizer que a ideia de Rúben Amorim deveria estar mais abaixo, mais acima, com mais gente no meio, atrás ou à frente, mas a verdadeira lição deste jogo é a que Pep Guardiola contou ao fim da partida.



Sabemos contra quem jogámos. Eles são muito bons e pudemos ver isso ao início. Muita velocidade nos corredores, excelentes variações de flanco, muito físicos, bem organizados. Sei o que enfrentámos e o que o resultado não diz. Mas quando chegas e marcas, chegas e marcas e chegas e marcas, não há táctica que resolva. (Guardiola após a vitória do City em Alvalade, 0-5)



O que normalmente se vê é o aproveitamento do resultado para validar uma ideia. Cá fora, tenta-se meter o jogo numa caixa mental e ajustá-lo à ideia que se defende. Mas a verdade é que a única coisa que valida sistemas, tácticas e ideias é a eficácia. Não só a eficácia que se costuma lembrar (a da finalização) mas a eficácia em todas as vertentes do jogo. E essa acontece quando a equipa não tem dúvidas na sua identidade. Se quisermos explicar melhor é lembrar o que o Sporting faz todos os fins-de-semana na Liga. Pouca coisa nesta Liga lhes provoca dúvida, pouca coisa os faz questionar se estão no caminho certo e se isso resulta. Mas o jogo de ontem começou desde logo por penetrar no corpo de identidade da equipa. E quando a cada ação começou a haver dúvida na resposta àquelas infinitas perguntas (quem sou e o que posso fazer?) começou a haver erros individuais que normalmente não acontecem.

Depois de uma boa entrada, as posses do City provocaram o que quase sempre provocam. Opções interiores, exteriores e de ruptura colocam muitas dúvidas a quem defende. E o facto de Matheus Reis ficar mal na fotografia não invalida que outros posicionamentos pudessem resolver completamente a questão. Isto porque com tanta opção o City ajusta a sua decisão a esse posicionamento. A bola descoberta indicia que deveria haver melhor controle da profundidade. Mas para isso acontecer o espaço de Foden ou De Bruyne ficaria livre – não esquecendo que Mahrez ficaria sempre em boa posição caso a bola entrasse nesses espaços interiores.



Erros individuais que se tornam colectivos e que poucos jogos conseguiram provocar no Sporting. Ainda há dias, na passada sexta-feira, a equipa sentiu algumas dificuldades na saída. Ainda assim foi persistindo e nas [saídas] que conseguiu, conseguiu também dois golos que atestam a sua capacidade e qualidade. Ora, relembrando o começo da partida, até ao golo de Mahrez, o Sporting conseguiu de alguma maneira mostrar o que pretendia para o jogo, mas o primeiro golo (ao qual a validação foi precedida de uma longa espera) acabou por colocar uma dúvida existencial similar à que o FC Porto costuma enfrentar com o Liverpool. Agora a cada ataque há o fantasma do golo que se pode sofrer. Ou seja, a cada posse ou ação defensiva o jogo lembra-nos mais do que podemos sofrer do que aquilo que podemos ganhar. E mesmo que o 0-1 não fosse suficiente para deitar abaixo todas as pretensões leoninas, a forma como o City foi chegando e marcando retiraria a confiança a toda e qualquer equipa que estivesse do outro lado – ao mesmo tempo que fazia crescer a confiança de um City que precisava de uma noite assim há muito tempo.

Apesar do nível ser diferente, e da goleada ser algo desculpável, isso não invalida que não haja pormenores tácticos a rever. Esses (bem visíveis nas imagens) mostram um padrão que o City aproveitou e que juntou a uma eficácia brutal – algo que se juntou também ao facto do Sporting nunca conseguir ser uma equipa com zonas de pressão eficazes.

Daí optar por não dar tanto ênfase a algo completamente teórico ou subjectivo. Sim, o Sporting terá coisas que não vão ao encontro do que muita gente defende em futebol. Mas aproveitar este jogo ou o do Ajax para as validar não me parece um exercício… válido. Acreditar que pressionando mais alto, ou esperando mais baixo, pudesse resolver, parece mais um exercício de crença do que outra coisa qualquer. Se nos lembrarmos que do outro lado está uma equipa que impõe o seu estilo em todos os jogos que disputa e que a isso aliou uma eficácia que até o seu treinador considerou absurda, retiraria hipótese a toda e qualquer ideologia. Ainda para mais quando os jogadores do Sporting começaram a ficar claramente afectados pelo que o jogo ia demonstrando. Não me oponho à ideia que haverá sistemas, ideias ou tácticas mais adequadas do que outras, mas lembro também de que a condição mental de uma equipa pode tornar uma ideia, táctica ou sistema, mais eficaz ou menos eficaz. E o que aconteceu foi que um Sporting que quis ser igual a si próprio, duvidou de si próprio como poucas vezes vimos. Assim, a ideia de que ir pressionar mais à frente, ou a de esperar mais compacto atrás, esbarra directamente na ideia de que se perdes duelos atrás de duelos, de que se não cobres a bola e de que se não tens eficácia no passe – não lhe colocando a velocidade, intensidade e até intencionalidade que lhe colocas na Liga – não há táctica que te valha. Ainda para mais quando do outro lado está uma equipa que sem conseguir resultados destes assim tanta vez, já é considerada a melhor do Mundo. E quando alia o seu jogo normal a execuções perfeitas (a maioria dos golos marcados atesta a qualidade e confiança dos cityzens) a teoria de que são os melhores desce à realidade do campo. E quando olhamos para dois gigantes do Sporting, como Adan e Coates, e os vemos ir progressivamente perdendo a chama (e a fiabilidade) não temos como não perceber o que, progressivamente também, se foi passando ao longo do jogo: superioridade evidente e normal do City que se agigantou pela eficácia; Sporting a acusar a diferença – mentalmente pelas reações negativas ao que vinha acontecendo, mas também a ter de rever uma abordagem que defensivamente foi algo duvidosa e permissiva.

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