As Rotas de Pep e Klopp: uma produção de Thomas Tuchel

Acabámos a conversa sobre o City-Chelsea, de 15 de janeiro, a questionar a opção de Tuchel em não condicionar a saída dos cityzens. E agora que nos debruçamos sobre a Final da Taça da Liga inglesa fica impossível não elogiar a atitude competitiva dos blues que, com o Liverpool pela frente, usaram os primeiros minutos para meter a defensiva de Klopp em estado de sítio. Essa foi uma das muitas diferenças em relação ao jogo no Etihad, como é uma das diferenças que se denotam quando o Chelsea tem pela frente o City ou o Liverpool. E essa opção estratégica de Tuchel torna a comparação entre Klopp e Pep impossível de fazer. É que contra o Liverpool, o competitivo Chelsea não se coíbe de subir linhas e forçar erros. Já contra o City, mesmo não dizendo que não tenta forçar erros, assume um tom mais especulativo e espera que o maior tempo de posse dos de Pep redundem num erro – principalmente no espaço em que o duplo-pivot (Kanté com Kovacic ou Jorginho) ronda. E isto força o Liverpool a um jogo muito menos controlado, muito menos especulativo, muito mais directo e vertical. Se já por si só a equipa de Klopp é isso mesmo, mais incisiva e de olhos postos na baliza adversária, o facto de o Chelsea assumir boa parte do jogo a condicionar e criar, obriga a uma incerteza que não vemos no jogo de xadrez que é um embate entre Pep e Tuchel.



Daí que a espectacularidade seja outra. A incerteza, pelo número de erros das duas equipas, deixa duas transições ofensivas temíveis para serem exploradas. E quando não há transição houve um encaixe do Chelsea ao Liverpool que redundou na procura do último terço sem passar pelo miolo. Van Dijk e Alexander-Arnold foram as armas do arremesso com que o Liverpool tentava encontrar o seu tridente. E já depois de sofrer um bom pedaço – com o Chelsea bem por cima – foi num esticão de Díaz que o Liverpool encontrou alguma paz, forçando o Chelsea a recuar linhas e a perder algum fulgor. E aí se puderam observar as tão afamadas diferenças de ideologia entre o heavy-metal e a ópera, entre Klopp e Pep, entre a tentativa de controlo absoluto e a opção de não renegar a um jogo partido que favorece o gegenpressing (contrapressão). Com o Chelsea a recuar para um bloco médio, pôde verificar-se que a paciência do Liverpool é tudo menos infinita. Algo que tem pouco a ver com um City confortável em circular fora do bloco, para evitar os terrier Kanté e Kovacic, redundando num monólogo com poucas oportunidades e a precisar de eficácia cirúrgica para ser ganho. Já o Liverpool – mesmo não se dando ao suicídio de forçar pela zona central a toda a hora – não renega tanto esse espaço, confiante que mesmo que o sucesso não aconteça nesse espaço, a sua contrapressão vai ser eficaz. E nisto desfaz-se o xadrez, desfaz-se o controle e as linhas desmancham-se. Tudo o contrário de um City-Chelsea onde mantê-las é o essencial.



Isto tudo para dar uma amostra e não para fazer um juízo de valor. Pep tem um ponto de vantagem ao preferir assim, Tuchel e Klopp idem. Porque cada opção que se criticasse teria também um bom argumento a favor. Para cada passe de Trent pela zona central do Chelsea teria uma ocasião para o Liverpool ou uma transição para um Chelsea que faz delas ocasiões. Cada circulação longa de Pep por fora evitaria uma transição ou evitaria criar uma ocasião pela falta de risco e consequentemente aproveitamento dos espaços. Cada bola longa de Van Dijk pode ser considerada um chutão, ou pode acabar redonda nos pés de Díaz, Salah ou Mané ou, até, criar uma segunda bola para o Liverpool investir. Cada longa espera de Tuchel pode ser ultraconservadora ou então evitar ir ser toureado pelo City e libertar espaço atrás. Vivemos num Mundo dualista onde cada opção pode dar vantagem ou desvantagem. E sendo assim, como escolher?

Atacámos muitas vezes à pressa, não tendo o discernimento necessário para desmontar uma equipa que, em inferioridade numérica, desce o bloco e ficando-nos mais difícil encontrar espaços. Os jogadores têm de perceber que é preciso inteligência e alguma tranquilidade de espírito em jogos como este.
(Sérgio Conceição após o empate com o Gil Vicente, 1-1)

Analisando as palavras de Sérgio Conceição observam-se à partida aquilo que parecerão muitas contradições em relação ao ADN do seu FC Porto. Onde a rapidez é uma virtude, e onde a garra e a abnegação, o trabalho, são altamente valorizados, Sérgio Conceição aparece a dizer que a equipa atacou muito rápido e precisava de tranquilidade de espírito. Volto a dizer, à vista desarmada isto parecerá uma contradição, mas o que prova é que para cada qualidade que se encontrar numa equipa essa terá de ser na dose certa e no timing certo. Assim, uma equipa rápida ou muito rápida terá também mais dificuldades em decidir bem, levando a rapidez a bater numa reação à ansiedade, por exemplo. No entanto uma equipa que consiga ser rápida mas ter a tranquilidade de conseguir decidir bem será ultraperigosa. A própria garra e abnegação podem também toldar a decisão. E se essas têm de lá estar sempre presentes (porque sem força emocional o físico não anda) uma dose exagerada toldará também as escolhas e facilitará o erro. E já que falamos na garra, ou na raiva se quiserem, convém perceber que garra e muito querer podem não ser significados de querer ganhar, mas sim de não querer perder – o que parece igual mas é completamente diferente. Assim o querer provirá da vontade e certeza em ganhar, e esse dar-nos-à a tal tranquilidade de espírito na hora da decisão. A garra e a raiva usam-se para fugir ao cenário que não se idealiza, ao cenário do qual se tem medo. Daí gerarem ansiedade e nenhuma tranquilidade de espírito. E quando Sérgio Conceição, acusado por muitos de ser um treinador do grito e emocional, nos brinda com esta leitura, essa torna-se o exemplo perfeito para mostrar a dualidade das interpretações e como a falta de balanço nas qualidades pode redundar em negativos.



Mas, voltando à Final da Carabao Cup, e aos confrontos entre as três melhores equipas do planeta, há que (tentar) explicar que ao escolhermos determinada ideologia e ao fecharmo-nos nela poderemos estar, em certos momentos e situações, a abdicar das vantagem de outra. O problema para as decisões é que, ficando na zona de conforto, poderemos também evitar os males da outra. Qual é então a palavra-chave aqui? Uma que também Sérgio Conceição usou: discernimento. E só usando discernimento entre situações se pode escolher a decisão que funcione melhor (esqueçam o certo ou o errado pois entraremos num labirinto do qual será difícil sair). Mas é fomentando o discernimento e não fechando a mente a tudo o que assuste que poderemos ver quando é que uma bola longa pode dar vantagem (ou desvantagem), quando é que uma circulação por fora pode dar vantagem (ou desvantagem) quando é que usar a zona interior (sempre mais povoada e com maior risco de perda) pode dar vantagem (ou desvantagem). A renúncia a alguma delas será uma aposta feita pelo medo de perder e não pela certeza em ganhar. O uso do discernimento mostrar-nos à quando é real e quando é irreal o uso de determinada opção.

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*