Vá para fora, cá dentro

E assim foi. A Europa do futebol é coisa de próxima temporada para o FC Porto. E ainda que isso fique preso na garganta dos portistas, coisas como a eliminação frente ao Lyon, para os oitavos da Europa League, é coisa que tem de ser contextualizada. Como ponto (não tão) prévio está a queda da Champions mas também as vendas de Luis Díaz (à cabeça) e de Corona e Sérgio Oliveira. Mas se formos ainda mais longe convirá não esquecer que o objectivo principal do FC Porto, que é a conquista do campeonato, foi perdendo margem de manobra na última década. Assim, aquele passeio habitual que redundava em 7 são joões antecipados em cada época, emagreceu substancialmente de 2010 a 2020, sendo que esta (ainda) nova década não promete maiores facilidades. Isto porque Benfica e Sporting não dão agora o espaço que, por exemplo, Mourinho e Jesualdo tiveram. E se expectuarmos André Villas-Boas não encontraremos mais nenhuma folga. E por entre vantagens não tão largas como as de Vítor Pereira, só sobrarão as (também não tão largas) de Sérgio Conceição para contar história. O resto conta-se por desilusões lideradas por Lopetegui, Nuno e Paulo Fonseca, com José Peseiro, Luís Castro e até Rui Barros num papel mais secundário. Ganha assim essa conquista outra importância. E como até alguém que já foi bicampeão conheceu alguns dissabores (Sérgio já viu Bruno Lage e Rúben Amorim festejarem) todo o cuidado é pouco. E só contando a história desses cuidados se chega a esta eliminação – que deixou sempre a sensação que o FC Porto poderia ter feito mais.


Se, em garotos (ou não tanto), leram BD da Marvel decerto conhecerão a história do Vigia. Hoje em formato TV – que pode ser visualizado pelo Disney+ – a história de What If…? é a história de universos paralelos, onde o tal Vigia nos conta a história do que teria acontecido se, por exemplo, os irmãos Kennedy não tivessem sido assassinados ou se Hitler tivesse vencido a II Guerra Mundial. Adiante, quem viu o FC Porto-Lyon e o Lyon-FC Porto adoraria um episódio desta série sobre o que teria acontecido se a abordagem do Sérgio Conceição fosse diferente. Ou se a folga no campeonato fosse outra. Ou se antes da visita dos franceses os portistas não tivessem tido menos 48 horas de descanso. E por aí além. Mas o que é certo é que tudo isso seriam especulações. E a realidade imutável é a de que o FC Porto, cansado ou não, foi manietado pelo Lyon em casa. E na ida, com o bloco médio a manter-se durante a maior parte do tempo mas com os intérpretes a mudarem, o cenário foi agridoce. Percebeu-se o que Sérgio queria (que fica evidente no golo de Pepê) mas percebeu-se também que a estratégia esteve longe de ser um redondo sucesso. E se visualizarmos o golo do Lyon perceber-se-á o porquê.

O golo do Lyon resume em parte o que se passou durante um largo período do jogo (e da eliminatória). Bloco do Porto a conduzir o Lyon para a ala, com a pressão do FC Porto a ficar distante. Dubois (lateral) aproveita o espaço e fica com duas opções: procurar a ala (com Faivre) ou conduzir para dentro. Enquanto Dubois decide, Zaidu segue o estímulo de Faivre e desalinha-se de Pepe, Mbemba e Bruno Costa. Quando Dubois conduz para dentro (com bola sempre descoberta), Zaidu segue o estímulo dos restantes companheiros mas o metro que havia perdido anteriormente com Faivre já não o conseguirá recuperar – o que deixaria Dembélé em jogo.

Como dito, o FC Porto foi na maior parte do tempo desta eliminatória uma equipa algo estranha para quem conhece as versões de Sérgio Conceição desde que se sentou na sua cadeira de sonho. Aquele pressing alto, aquele desconforto que se cria na saída-de-bola adversária foi assim, nestes dois jogos, uma miragem. E mesmo percebendo-se que a espera pelos erros na organização ofensiva de Bosz poderia dar algum resultado, a forma como no stade de Gerland os médios saíram à pressão foi demasiado atrasada para se explorar esse tal bloco médio. Bloco esse que fechou em 451 (ou se quisermos num 4141) com Grujic, Eustáquio e Fábio Vieira, tendo a companhia dos alas Galeno e Pepê – com Toni Martínez na frente. Assim, até se perceber bem o que tinha Sérgio em mente correu tempo favorável ao Lyon. Posse segura e muito tempo para médios, laterais e alas enquadrarem – o que fica bem patente no golo de Dembélé mas também em várias outras jogadas dos franceses.

Transição ofensiva que deveria figurar em manuais deu o empate aos portistas. Movimento de Galeno fixa dois adversários e liberta espaço para Pepê finalizar sem oposição. Um momento que validou a estratégia de Sérgio Conceição – que certamente haveria visto debilidades do Lyon nesse momento – mas que não foi uma constante por motivos já explicados.



E com um golo sofrido a somar uma desvantagem geral de dois golos, o FC Porto foi forçado a entrar no seu melhor momento. Com uma ou duas transições para amostra (de tão longe que ficava a pressão dos azuis-e-brancos, mesmo perto o duelo nunca foi ganho com facilidade) surgiu uma [transição] que devolveu o FC Porto ao jogo. Com o Lyon a recriar-se em terrenos interiores, o FC Porto aproveitou para mostrar a todos o que tinha Sérgio em mente. E quando todos nós já pensávamos que às tantas há vida em Marte e nós é que não a conseguimos ver, o jogo foi demorando a responder ao que se havia visto e que agora se esperava com mais frequência. Ainda assim, o FC Porto, com um onze alternativo, estava dentro da eliminatória e com tempo para jogar outras cartadas. Pelo meio, um par de recuperações altas e uma oportunidade de golo davam alento.

Depois do golo o FC Porto conseguiu ainda algumas recuperações. Mas a transição que procurava caiu em desuso na 2.ª parte onde o Lyon se expôs menos. E se a transição desapareceu, foi a bola parada que começou a ganhar força como catalisador para os dragões. Com a entrada de Taremi (que teve a companhia dos habituais Uribe, Vitinha e Evanilson) as faltas no meio-campo ofensivo começaram a aparecer. Mas com o tempo útil de jogo a escassear e com a baliza de Antony Lopes numa muralha, a oportunidade que Vitinha desperdiçou seria a única digna de real registo.

Porém a segunda metade – apesar de trazer mais Porto no meio-campo ofensivo – via Antony Lopes sossegado. Demasiado sossegado. Daí que seguir as movimentações no banco começasse a ser mais interessante do que propriamente ver o que conseguiriam um Galeno completamente desinspirado, um Toni Martínez muito só para poder fazer a diferença, um Eustáquio sem rotinas e um Bruno Costa que é uma solução de recurso. E a conta-gotas todos eles foram saindo para o FC Porto tentar reaver aquele dúvida que chegou a pairar no estádio. Mas sem oportunidades e com o bloco a continuar muito recuado para incomodar uma saída-de-bola quase irrepreensível (Thiago Mendes é incrível nesse capítulo), contavam-se os minutos para a entradas de Taremi, Evanilson, João Mário, Uribe e Vitinha. Mas infelizmente para o FC Porto essas redundariam noutro episódio de What If…?, isto porque aos 74 estas eliminatórias entram num modo de reduzir o tempo útil de jogo ao máximo. São as bolas que não aparecem, são as longas demoras na reposição, são as lesões, sendo que os teoricamente 20 minutos que esses jogadores teriam (exceptuando Vitinha que entrou aos 79 minutos) foram gastos em quezílias, interrupções sobre interrupções, algumas posses do Lyon, alguma pressão mais subida do Porto e uma organização ofensiva sobre brasas que errava mais do que construia. E ainda assim ficou-se a uma boa decisão de um prolongamento que tudo poderia mudar – tivesse tido Vitinha outro discernimento quando finalmente se ficou na cara de Antony Lopes. O FC Porto não resistiu assim a demasiadas sensações de como seria? para uma eliminatória só, acabando por cair para uma equipa mais competitiva que a Lazio mas que deixa a sensação de não ter sido devidamente testada.

Lyon-FC Porto, 1-1 (2-1), (Dembélé 13′; Pepê 27′)

2 Comentários

  1. Lembrar também que houve enormes elogios à eliminação da Lázio pela diferença mínima, como se a Lázio fosse uma potência do futebol europeu.
    Não que não seja sempre de celebrar uma passagem mas de preferência sem toldar…

    Tenho que admitir que o Porto está mais regular no campeonatos do que é habitual com o SC. Mas objetivamente falta concorrência.
    Um Benfica que começou bem e rapidamente se tornou medíocre e um Sporting que mais do que crescer, manteve, em relação à
    ‘época de ouro’ onde, lá está, a concorrência foi medíocre, diz pouco sobre o valor realmente concretizado deste Porto do SC.
    O nosso campeonato dificilmente tem vários candidatos ao título, mas pode ser mais competitivo se os 3 grandes estiverem capazes de disputar o campeonato até perto do fim, e, pergunto, quando isso aconteceu pela última vez?

    Estamos cheios de potencial no nosso campeonato, mas estamos sempre com algum candidato em patamar medíocre e assim não ganhamos capacidade de chegar mais além, não ganhamos intensidade, porque poura e simplesmente não é necessária, e que é a provavelmente a maior diferença que temos nas competições europeias.

    Mesmo que acreditem que o Porto do SC tem alguma intensidade, quase só resulta contra medíocriade, quase não resulta de facto noutro patamar porque são mais ganas que intensidade bem pensada e não isso que é de facto que nos pode elevar na europa.

    O Benfica e o Braga até estão a dar um ar da sua graça (e pontos essenciais a PT e € essenciais aos seus orçamentos, além de prestígio), estão a fazê-lo com a época dentro de casa aquém do esperado, muito especialmente o Benfica.

    Tantos jogadores, treinadores e diretores exportamos e, enquanto cá os temos, será que podemos fazer mais com eles?

    Quantos milhões de € se transacionam e que riqueza de factonos clubes têm? Estará aí o princípio do problema?

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